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Ciência e Saúde

O legado de Carl Sagan: 89 anos de uma jornada pelo cosmos

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Carl Sagan no set do programa de televisão Cosmos, com um modelo planetário, 1981
Carl Sagan no set do programa de televisão Cosmos, 1981

Carl Sagan, escritor, cientista e criador da famosa série “Cosmos”, completaria hoje o seu 89º aniversário. A sua herança continua a iluminar a nossa compreensão do universo, desde as profundezas do cosmos até aos limites do conhecimento.

 

Carl Sagan nasceu em 1934 em Brooklyn, Nova Iorque, no seio de uma família judaica da classe trabalhadora. O seu pai emigrou da Ucrânia para os Estados Unidos em criança, e os seus avós maternos emigraram do então Império Austro-Húngaro. Sagan descreve algumas das suas vivências de infância como tendo sido fundamentais no seu desenvolvimento como cientista, desde as suas idas, sozinho e com apenas 5 anos, à biblioteca pública para ler livros sobre estrelas; a visita à Feira Mundial de 1939, onde viu uma cápsula do tempo a ser enterrada, destinada a ser aberta apenas no futuro; até às visitas ao planetário local e ao Museu Americano de História Natural.

“Os meus pais não eram cientistas. Eles não sabiam quase nada sobre ciência. Mas ao introduzir-me simultaneamente ao ceticismo e à maravilha, ensinaram-me os dois modos de pensamento centrais ao método científico.”

Sagan foi aceite na Universidade de Chicago com apenas 16 anos, onde concluiu a licenciatura e mestrado em física e doutoramento em astronomia e astrofísica. O seu orientador de doutoramento foi Gerard P. Kuiper, um astrónomo ilustre que deu o nome à Cintura de Kuiper, o disco de planetas anões do Sistema Solar que se encontra depois do planeta Neptuno.

Após a conclusão dos seus estudos, Sagan foi professor em Harvard durante 5 anos. No final desse período, a universidade recusou-se a atribuir-lhe o regime de tenure, um estatuto que garante o direito de permanência como professor. Assim, mudou-se para a Universidade de Cornell, onde viria a trabalhar até ao fim da sua vida.

O papel na ciência

Apesar da fama derivada da sua obra literária e cinematográfica, Carl Sagan contribuiu em vários aspetos para o desenvolvimento científico. No início da sua carreira, estudou a atmosfera de Vénus, e foi um dos primeiros a defender que este seria um planeta quente e seco, devido ao efeito de estufa causado pelas grandes quantidades de dióxido de carbono, contrariando a ideia até então aceite de que Vénus seria um “mundo paradisíaco”. Sagan desempenhou igualmente papeis importantes na compreensão da atmosfera de Júpiter e Marte, e foi defensor da presença de água nas luas Titã e Europa.

Sagan foi influente na consciencialização da população para com o aquecimento climático, enfatizando a necessidade de preservar o equilíbrio dos ecossistemas terrestres, arriscando o desencadeamento de repercussões incontornáveis, com as quais a população está a lidar neste momento.

Como consultor da NASA desde a década de 50,  desempenhou um papel relevante em vários programas espaciais de sucesso. Teve um papel ativo quer em missões não tripuladas – como os programas Mariner, Viking e Galileo, em que sondas foram lançadas para estudar diferentes luas e planetas – como nas próprias missões Apolo, em que astronautas aterraram na lua pela primeira vez.

Num período marcado pela ampliação de falsos relatos de encontros com seres extra-terrestres, em grande parte impulsionado pelo aparecimento dos primeiros filmes a abordar o tema, Sagan contribuiu largamente para a aplicação de métodos científicos à procura de vida extra-terrestre. Foi ele o líder do comité da NASA responsável pelo desenho dos discos de ouro das Voyager, lançados para o espaço contendo as coordenadas do nosso planeta, bem como imagens e sons da vida na Terra – como música, saudações, animais e objetos comuns.

“O universo é um local muito grande. Se só existirmos nós, parece um enorme desperdício de espaço.”

Sagan foi ainda um dos fundadores da Sociedade Planetária, uma organização americana não governamental e sem fins lucrativos, responsável por promover a exploração espacial.

Carl Sagan e a sonda Viking, no Vale da Morte, Califórnia.

Carl Sagan e a sonda Viking, no Vale da Morte, Califórnia, Druyan-Sagan Associates, Inc.

A obra literária

A escrita de Carl Sagan foi desde sempre aclamada pela sua capacidade ímpar de simplificar conceitos e teorias, utilizando uma linguagem acessível e permitindo que qualquer leitor compreenda a mensagem a ser transmitida, independentemente do seu conhecimento científico.

Sagan publicou o seu primeiro livro – “A vida Inteligente no Universo” – em 1966, tendo escrito mais de 20 livros ao longo da sua vida. A sua obra inclui jornadas pelas maravilhas do cosmos e mistérios do universo, ensaios sobre a complexidade da vida na Terra e o funcionamento do cérebro humano, reflexões sobre o método científico, e até mesmo um romance – “Contacto”, adaptado para cinema em 1997, onde a personagem principal é interpretada por Jodie Foster. Alguns dos seus livros mais populares incluem “Os Dragões do Éden”, “O Ponto Azul-Claro” e “O Mundo Assombrado pelos Demónios”. Em 1980, Sagan co-escreveu e narrou a série “Cosmos” que, na época, se tornou a série da televisão pública mais vista, tendo ganho 2 prémios Emmy.

Um dos temas centrais e transversais a toda a obra de Carl Sagan é a importância do pensamento crítico. Defensor da necessidade do ceticismo quer na investigação científica como no quotidiano, Sagan enfatiza a importância de questionar todo o conhecimento antes de o aceitar como verdadeiro. Neste sentido, nos seus livros, frequentemente analisa casos da pseudociência e superstição, desconstruindo-os sempre com empatia em relação aos observadores. Foi neste sentido que Sagan criou e popularizou um aforismo conhecido como Padrão Sagan: Alegações extraordinárias requerem provas extraordinárias.”

Alguns dos livros escritos por Carl Sagan.

Alguns dos livros escritos por Carl Sagan.

O impacto na Humanidade

Sagan faleceu em 1996, com 62 anos, mas o seu legado científico e literário persiste intemporalmente. O seu livro “Cosmos”, baseado na série do mesmo nome, faz hoje parte do Plano Nacional de Leitura português. Apesar de 20 anos se terem passado, muito do que é relatado na sua obra permanece atual.

Em vida, Sagan conheceu Neil deGrasse Tyson, o famoso divulgador científico, apresentador do remake da série “Cosmos”, de 2011, e autor do livro “Astrofísica para gente com pressa”. Numa entrevista por Ted Simons, Tyson conta a história de quando conheceu Sagan pela primeira vez. Na época, Tyson estava a candidatar-se à faculdade, e Sagan fez-lhe uma visita guiada à Universidade de Cornell.

“Quando estava na hora de ir embora, ele [Sagan] levou-me até à paragem de camioneta. Estava a nevar um pouco; ele escreveu o número do telefone de casa num pedaço de papel e disse “Se o autocarro não chegar, liga-me”. […] Até este dia, tenho o dever de responder a estudantes que perguntam sobre o universo como carreira da mesma forma que Carl Sagan me respondeu.”

Sagan teve 5 filhos, sendo 3 deles escritores. Sasha Sagan, uma das suas filhas com a escritora Ann Druyan, publicou em 2019 o livro “Para pequenas criaturas como nós”, como celebração da vida na Terra e tributo ao seu pai.

Diante da vastidão de enigmas por resolver, Carl Sagan não deixou apenas um legado de conhecimento, mas também uma fonte incansável de inspiração, que continua a alimentar a curiosidade e a busca pela verdade.

“Algures, uma coisa incrível está à espera de ser descoberta.”

Texto por Isabel Sousa. Revisto por Joana Silva.

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