Ciência e Saúde
Ciência para todos – Sistemas de Suporte de Vida
Como sobreviver no espaço? Os sistemas de suporte de vida são ecossistemas artificiais que produzem recursos necessários para os astronautas viverem.
A Terra é capaz de produzir todos os recursos necessários para a sobrevivência do Homem. Desde comida, oxigénio, materiais para construção, até mesmo medicamentos e combustível, tudo o que a humanidade precisa pode ser produzido através de matérias primas da Terra.
No espaço, no entanto, isto já não se verifica. Naves espaciais e futuros habitats na Lua ou em Marte não estarão rodeados por esta variedade de recursos. Devido à distância entre estes mundos e a Terra, os custos associados ao transporte de recursos seriam muito elevados, pondo em causa o futuro da exploração espacial.
Assim, estes futuros habitats extraterrestres devem ser maioritariamente independentes da Terra, produzindo localmente os recursos necessários. Neste sentido, a chave para a sobrevivência dos astronautas no espaço passa pela construção de Sistemas de Suporte de Vida (SSV). Os SSVs são ecossistemas artificiais que tentam imitar os ecossistemas da Terra, ao reciclar e regenerar os recursos necessários à vida humana.
Já existem Sistemas de Suporte de Vida no espaço?
Desde o ano 2000, existem astronautas a viver na Estação Espacial Internacional (EEI), algo que é possível devido a dois fatores principais. O primeiro fator é a proximidade da EEI à superfície da Terra, o que permite a realização de missões de reabastecimento periódicas. Estas missões entregam aos astronautas recursos importantes, como comida, material para experiências científicas, e para reparação de estruturas danificadas. O segundo fator é a existência de um SSV a bordo. Este ecossistema artificial é capaz de reciclar a água da urina dos astronautas, da humidade do ar e de descargas, tornando-a potável. Isto é feito através de processos físicos e químicos, como a destilação e a filtração. O sistema consegue ainda manter um ar respirável, produzindo oxigénio a partir de água, e removendo o excesso de dióxido de carbono e outros gases tóxicos.
Esquema do funcionamento do Sistema de Suporte de Vida da Estação Espacial Internacional. Imagem traduzida do inglês. Créditos: NASA.
No entanto, as tecnologias de suporte de vida que existem na Estação Espacial Internacional são limitadas. Primeiramente, não são capazes de produzir comida, medicamentos, combustível, entre outros recursos essenciais. Para além disso, foram desenhadas especificamente para as condições da Estação Espacial Internacional no que toca ao peso e tamanho do sistema, bem como ao seu funcionamento em microgravidade – comummente conhecida por gravidade zero.
Assim, para viver em Marte ou na Lua, este SSV não será suficiente. Neste sentido, cientistas em todo o mundo têm tentado desenvolver novas alternativas, ou fazer alterações a este sistema, para o tornar mais completo.
Sistemas de Suporte de Vida Biorregenerativos
A Terra é um Sistema de Suporte de Vida. Enquanto que o sistema da Estação Espacial Internacional funciona com processos físico-químicos, os ecossistemas da Terra usam também processos biológicos.
Neste sentido, atualmente, cientistas tentam perceber como é que se pode usar a biologia para tornar os SSVs mais completos – então chamados de Sistemas de Suporte de Vida Biorregenerativos (SSVB). Desde o século passado, já várias experiências têm vindo a ser realizadas.
Um exemplo é o Palácio Lunar 365, uma experiência que se realizou na China entre 2017 e 2018. Um total de 8 voluntários foram fechados dentro de uma instalação durante 370 dias, de forma a imitar um futuro habitat na Lua. Este pequeno ecossistema foi capaz de manter um ar respirável, produzir toda a comida necessária para a tripulação, reciclar água e resíduos orgânicos gerados.
A produção de oxigénio e fixação de dióxido de carbono foi feita por plantas, que eram também usadas para produção de comida. Para além das plantas, os voluntários cultivavam cogumelos e, para garantir um aporte suficiente de proteína, larvas da farinha.
Todos os restos orgânicos – como as fezes e restos de plantas – eram direcionados para um recipiente de compostagem, que continha microrganismos. Este processo permitia produzir novamente solo para as plantas crescerem.
Finalmente, a urina e águas residuais eram recicladas para fazer água potável para os voluntários beberem e regarem as plantas, através de processos como a filtração e desinfeção por luz ultravioleta.
Dois voluntários dentro da instalação “Lunar Palace 1”. Créditos: Xinhua/Ju Huanzong.
Outro exemplo de é a MELiSSA, uma iniciativa da Agência Espacial Europeia, lançada nos anos 80, que se encontra ainda sob investigação. O principal objetivo é criar um SSV capaz de produzir comida, água e ar respirável, recorrendo unicamente a plantas e microrganismos.
De forma semelhante ao Palácio Lunar 365, também aqui as plantas seriam usadas para produzir comida e oxigénio para os astronautas. A MELiSSA sugere ainda usar cianobactérias para produzir oxigénio e uma biomassa rica em proteína, que poderia ser consumida pela tripulação. A reciclagem dos restos orgânicos seria realizada num compartimento de compostagem, com microrganismos.
Representação simplificada do ciclo da MELiSSA. Créditos: Isabel Santos de Sousa.
Quais são os próximos passos?
Apesar de algumas das propostas de SSVBs serem já capazes de produzir água, ar respirável e comida para a tripulação, há ainda várias questões por resolver. Num habitat em Marte ou na Lua, medicamentos, materiais de construção, combustível, entre outros recursos essenciais devem também ser produzidos localmente.
Para além disso, os seres vivos usados nestes sistemas precisariam de ser enviados para Marte ou para a Lua. Estima-se que uma viagem até Marte dure vários meses, período durante o qual as sementes das plantas ou alíquotas de microrganismos teriam de ser armazenadas, resistindo à radiação do espaço.
Apesar da sua relevância para a exploração espacial, a investigação em Sistemas de Suporte de Vida ensina maioritariamente acerca do potencial de reciclar e reutilizar os recursos locais. Estas tecnologias podem mesmo ser aplicadas na Terra, por exemplo, em locais até onde é difícil transportar bens essenciais para a população.
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Artigo por Isabel Santos de Sousa. Revisto por Ana Luísa Silva.