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Artigo de Opinião

RIDENDO CASTIGAT MORES

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Luís Azevedo

Luís Azevedo

As notícias relativas ao Índice de Envelhecimento apresentado há dias pelo INE que prevê 271 idosos para cada 100 jovens em 2060 (se tudo correr como planeado, serei um deles) permitiram-me olhar para a última obra de Ricky Gervais, “Derek”, com uma renovada sensibilidade.

Estamos perante outro “mockumentary”, ao estilo do já mítico “The Office”, mas apenas no que respeita à realização e progressão da narrativa. A grande diferença reside na mensagem.

A série que permitiu a Gervais andar (ainda) a fazer espetáculos como David Brent, o diretor regional de uma empresa cuja linguagem carece de filtro social, não tem grande valor sociológico. Nem pretende ter. É humor escatológico, brilhante, incomodativo, per si. A série teve tanto de chocante como de meteórico.

“Derek” é diferente. É verdade que Ricky Gervais personifica uma pessoa com necessidades especiais, mas não o faz para alcançar comicidade. As suas falas teriam praticamente a mesma piada se fossem ditas por alguém do Royal Burrough. Derek é assim porque se imiscui melhor no meio em que se insere, é plausível que ele esteja por lá e queira ajudar em tudo.

E que meio é esse? Um lar de terceira idade que se vê privado do financiamento público por falta de verbas (cliché, eu sei). Cabe a Hannah, a diretora/funcionária, conseguir arranjar dinheiro para manter cerca de 15 idosos felizes naquele espaço. É Derek quem se oferece para vender autógrafos de famosos, bugigangas na feira da ladra, distribuir panfletos, tudo o que for possível. Acompanhado por Dougie, o faz-tudo que tem um problema natural de calvície seletiva, e Kev, um tarado sexual que passa o tempo a beber cerveja e a apresentar as qualidades do seu pénis, a personagem de Gervais presencia e sente os problemas e medos de uma parte da população que foi esquecida e “encostada” enquanto não morre.

A série ultrapassa a frivolidade do “mockumentary” na sua essência, está mais próxima dum subgénero que classificaria como um documentário ficcional dramático-cómico, aliando a intervenção social ao humor desconcertante de Ricky Gervais, que assina o argumento e a realização.

O episódio da morte de uma idosa cuja filha apenas a visitava porque queria o anel de noivado da mãe é exemplificativo da chamada de atenção que o autor pretende. A própria perda de financiamento, tal como nos é apresentada, é outro exemplo da forma como a Con-Dem Nation trata os séniores. E mostra-nos também que não somos só nós, os portugueses, que cometemos esse tipo de erros.

Ver “Derek” é rir, ponderar e, no final, repensar a visão que temos daqueles que nos educaram, nos tornaram naquilo que somos e de que forma queremos retribuir-lhes toda essa dedicação.

Até porque, daqui a umas décadas, seremos nós a estar num lar que perdeu o financiamento.

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