Crítica
La Bohème: a obra de Puccini que me relembrou a importância de viver
A obra de Giacomo Puccini, levada a palco pela primeira vez em 1896, regressou na passada sexta-feira (10) ao Coliseu do Porto, para uma noite de emoções fortes, vozes arrebatadoras e uma narrativa avassaladora.
Que vivemos tempos difíceis, já ninguém nega ou tenta negar. Tal como todos, também o presente ano traz as suas dificuldades nacionais e mundiais. Neste cenário, ser jovem, ainda que as camadas mais experientes não o queiram reconhecer, não é fácil: de repente, parece que temos de resolver todos os problemas do mundo, enquanto mantemos a nossa saúde mental e nos apresentamos nas aulas a sorrir, mesmo se por dentro somos apenas incertezas.
Foi neste panorama que me apercebi de que não estava a valorizar suficientemente as atividades que me dão maior prazer. À medida que fui crescendo, fui-me tornando uma grande apreciadora de teatro. Afinal, há qualquer coisa de mágico na impossibilidade de repetição exata de uma peça. Um filme é sempre o mesmo, independentemente das vezes que o vejamos; o teatro muda a cada sessão, por mais que se tente mantê-lo igual. Já à ópera nunca tinha ido, mas sempre tinha sonhado em ir. Aliás, há uns anos recordo-me de prometer a mim mesma que iria levar-me a ver uma orquestra. Ora, La Bohème surgiu nas minhas redes sociais, os bilhetes disponíveis para o Coliseu do Porto já eram poucos…Agarrei a minha oportunidade.
Esta ópera, da autoria de Giacomo Puccini, por diversas vezes adaptada e trazida a cena, narra-nos a vida de personagens jovens que tentam sobreviver em Paris, no século XIX, tentando cumprir os seus sonhos enquanto garantem que não morrem de frio ou fome. De perto, acompanhamos o poeta Rodolfo, o pintor Marcelo, a cantora Musetta e, claro, a nossa protagonista: uma jovem que se chama Lucì, mas a quem chamam Mimì, mesmo vivendo a própria “sem saber a razão”.
Acompanhada por uma orquestra e juntando atores e cantores nacionais e internacionais, a adaptação trazida a palco no Coliseu do Porto, no passado dia 10 de outubro, revelou-se uma bela surpresa. Com sala cheia, uma história bem contada e atores divinais, as duas horas e meia de duração passaram a voar, por entre risos, dificuldades, amores e desamores e a efemeridade da vida sempre a rondar o palco.
Merece, sem dúvida, destaque a soprano canária Raquel Lojendio e o tenor venezuelano Pedro Nieves nos papéis principais (Mimì e Rodolfo, respetivamente). Para uma estreia no mundo da ópera, as vozes dos dois atores arrebataram-me completamente e, embora a peça fosse legendada, não precisaria de compreender português ou italiano para sentir as emoções e entrega total de ambos aos papéis.
Em suma, por entre vidas corridas, sempre a saltar de um lado para o outro, conseguimos todos, durante aquele período, estar focados apenas nas dores de Rodolfo, na doença de Mimì, nas vozes dos atores e em toda a envolvência que tornou a noite no coliseu verdadeiramente mágica, que as várias pausas para aplausos e a ovação em pé só vieram comprovar.
Insisto, nunca tinha ido à ópera, mas, ainda hoje, dias depois, me consigo arrepiar quando penso na vastidão daquelas vozes e na facilidade com que se compreendeu exatamente o que cada personagem queria demonstrar. É caso para dizer que foi a primeira vez de muitas, uma lembrança de que é preciso viver além da rotina, de que vale a pena (e é possível) encontrar conforto mesmo fora da zona de conforto e de que o Porto é, de facto, uma fonte de cultura, que nunca nos sacia, mas que também nunca seca.
E que assim seja por muito tempo!