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PERGUNTA PROIBIDA: “OS CESTOS TÊM A MESMA ALTURA?”

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Não há acendalha mais inflamável para me induzir um estado de espírito (já de si) irascível  do que questionarem-me se no basquetebol em cadeira de rodas os cestos estão a 3,05 metros, como no homólogo convencional. Desvendo desde já o mistério: estão. E aqui habita uma boa parte do sucesso desta modalidade, a rainha do desporto paralímpico, que hoje me proponho a dissecar.

Ao contrário de outros desportos adaptados, que parecem retirar a espetacularidade inerente da versão primeva do jogo sem um acréscimo correspondente, o basquetebol em cadeira de rodas (BCR)  preserva o enlevo, diferindo muito pouco do basquetebol a pé ao nível regulamentar.  Excetuam-se apenas o drible, que pode ser interrompido e retomado a fim de facilitar a mobilidade do atleta, e a consideração do triplo e do lance livre, nos quais se determina que o jogador pisa a linha apenas quando a roda “grande” entra em contacto com aquela.

Citando o astro do BCR mundial, Matt Scott, no spot promocional da candidatura de Chicago aos Jogos Olímpicos de 2016, “It’s the same floor, the same rim, the same ball”. E ainda sobram razões de encanto à modalidade introduzida nos EUA, no Birmingham Veterans Administration Hospital, Califórnia, na década de 40. O ritmo vertiginoso recrudesce sobre rodas, assim como a dureza – palpável ao olfacto após os choques violentos entre os aros das cadeiras, num icónico cheiro a queimado – e a explanação técnico-táctica do jogo não passa de um bosquejo do que acontece no mundo dos caminhantes.

Isto por várias razões, mas essencialmente devido ao espaço ocupado pelas cadeiras, que transfiguram o trabalho de bloqueio, aqui plenipotenciário, e ao sistema de classificação médico-funcional vigente, que permite a participação de atletas com vários tipos de deficiência motora, atribuindo-se-lhes uma pontuação entre 1 e 4,5 (tanto mais grave quanto mais baixa). Em campo, salvo algumas cláusulas, a equipa pode apresentar um 5 inicial que totalize no máximo 14,5 pontos. O BCR é fórmula vencedora também neste capítulo, na harmonização de atletas com patologias e – como tal – expectativas muito distintas, gabando-se de gerar uma simbiose única entre os que usufruem de baixa e alta funcionalidade.

Sem querer naufragar naquele chavão odioso que alude ao poder da imagem, recomendo que vejam a final dos Jogos Paralímpicos de 2012 entre Austrália e Canadá, pela qualidade que transborda, e porque lá mora, na seleção Canuck, um tal de Patrick Anderson, o intérprete mais sublime na arte de jogar basquetebol em cadeira de rodas. Não há melhor cartão de visita.

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4 Comments

  1. David Guimarães

    10 Mai 2014 at 15:10

    Pedro Bártolo mais um belo e esclarecedor artigo. Admito que não sabia quase nada sobre a modalidade e assim fiquei com algumas “luzes”. Recomendo-te a fazeres mais alguns artigos deste género, esclarecendo as regras e os processos técnico-tácticos, inclusive doutras modalidades, permitindo assim um conhecimento mais abrangente do público, tão alheado delas.
    Das mais importantes técnicas no basquetebol é o lançamento em suspensão. Impossibilitados de saltar, os atletas desta modalidade utilizam, obrigatoriamente um gesto técnico um pouco diferente. Podes-me explicar mais detalhadamente a técnica de lançamento que utilizam por favor?
    Um abraço!

    • Pedro Bártolo

      18 Mai 2014 at 19:35

      Obrigado mais uma vez pelo interesse e pelas palavras David. O lançamento no bcr é já de si diferente, sobretudo aquele utilizado por jogadores de pontuação baixa (1 e 1,5), que lançam, muitas vezes, a duas mãos, em virtude de toda a propulsão ser feita com os braços. Estamos a falar de atletas com funcionalidade muito limitada e elevada instabilidade de tronco. A partir da pontuação dois, o gesto técnico tende a ser semelhante a versao convencional do jogo. Quanto ao lançamento em suspensão, o que mais se assemelha a isso são os lançamentos apoiados em apenas uma roda, executado pelos jogadores de pontuação 3, 3.5, 4 e 4.5 – sobretudo pelos ultimos dois (que tem lesoes menos severas). No que toca ao lançamento à retaguarda – o fadeaway shot -, este é feito dando uma braçada para trás na cadeira, a fim de evitar a oposição do defensor. É um lançamento de extrema dificuldade, porque além de não podermos saltar, estamos a andar para trás, o que exige a aplicação de mais força. Depois, em termos técnico-tácticos, as defesas acabam por ser mais recuadas, devido à questão que referi no artigo (a eficácia do bloqueio e o espaço ocupado pela cadeira) e à menor frequência do lançamento triplo. Qualquer outro esclarecimento que necessites, não hesites em perguntar 😉 Abraço

  2. José Cardoso

    20 Mai 2014 at 0:07

    Pedro, sabes que a pergunta não é totalmente descabida, e resulta também do desconhecimento das proprias regras da modalidade do basquetebol “em pé”. Para os menos atentos, essa é a questão que salta à vista e não te devia deixar aborrecido mas sim orgulhoso, já que poderias responder: “Claro que está à mesma altura. Já viste o quão difícil é colocar a bola no cesto estando sentado, quando jogadores de 2,00 / 2,20 falham lançamentos a centímetros do cesto?”

    As regras têm bastantes nuances, algumas das quais referes e bem, a ausência da violação por drible ilegal talvez seja a mais visível.

    Mas há outras…

    – Jogar a bola intencionalmente contra o adversário para que esta saia fora – violação.
    – Sair fora do campo para ultrapassar o adversário directo e ganhar vantagem – violação e falta técnica em caso de reincidência.
    – Jogar a bola intencionalmente com a cadeira – violação
    – Jogar a bola com qualquer parte da cadeira em contacto com o solo – violação

    …são alguns dos exemplos mais típicos.

    Agora, o díficil mesmo é a análise do contacto e das vantagens/desvantagens que este provoca nos atletas, e sentir que um pequeno toque num jogador de 4,5 pontos pode ser um enorme toque num jogador de 1 ponto…

    Que bela discussão que isto dava.

    Parabéns pelo artigo. Continua na tua senda de divulgação do desporto adaptado!

    • Pedro Bártolo

      25 Mai 2014 at 11:53

      Zé, o título do artigo serviu de metáfora para a ideia prevalecente da fragilidade e vulnerabilidade que as pessoas associam às pessoas com deficiência. A meu ver, é muito mais esse pensamento que motiva perguntas como a da altura do cesto, da mesma forma que ainda vejo jovens na casa dos 20 estupefactos quando veem pessoas com deficiencia a sacar a cadeira do carro autonomamente e a conduzir. Compreendo que esse seja o pensamento imediato, mas como o “man” lá de cima também nos facultou a razão, se lhe dermos um bocadinho de uso percebemos que não é assim tão extraordinário pessoas que fazem dos braços as suas pernas conseguirem fazê-lo.

      Quanto às regras, prendi-me apenas com as mais evidentes, mas já agora aproveito para te questionar o porquê, na tua opinião, de no BCR não se poder sair fora do campo para ultrapassar o adversário directo e ganhar vantagem. Qual é o fundamento desta violação?

      Em relação à discussão dos contactos, dava pano para mangas! Nomeadamente o facto de os 1’s levarem muita pancada e os árbitros estarem mais despertos para apitar apenas as faltas sobre os grandes. E estou a citar um companheiro de Mideba! xD

      Obrigado por acompanhares o meu trabalho

      Abraço

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