Crónica

Este Anúncio Foi Oferecido Por Rabanadas

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Natal à porta; Marcas a conquistarem corações e multidões; Rabanadas na mesa. | Imagem produzida com IA.

Sobre as datas que insistem em calendarizar os nossos sentimentos. Preludiar essa crónica da Joana é dividir um tanto de Natal com vocês, leitores assíduos; mesmos aqueles que chegaram aqui por algum direct natalício (des)pretensioso. Que o Natal não seja apenas mais uma jogada de marketing, mesmo que a vida tenha se tornada, cada vez mais, uma campanha de impressões… 

Segundo a revista Marketeer, o Natal tornou-se o palco privilegiado para as marcas performarem criatividade, valores e capacidade de estabelecer ligações com o público. Numas milhares de peças recentes, alinhadas as grandes campanhas portuguesas (e do mundo cristão — ou não) deste ano, Natal é tempo de “comprar para sentir”. Em resumo: se há lugar onde o espírito natalício está garantido, é nos intervalos de publicidade. Os segundos que antecedem o real interesse:

Estamos a algumas horas do Natal. Época em que as marcas concorrem para o Festival de Cannes em versão rabanada.

É a grande temporada dos anúncios: presentes, decorações, viagens, tudo embalado em slow motion e luzes quentes. Nós, consumidores, somos as estrelas de um espetáculo em que o intervalo da televisão vale quase tanto quanto o do filme. Cada break é uma avant-première com direito a um mordomo de luvas brancas a servir um bombom de Ferrero Rocher no banco de trás de um carro de luxo – porque, se o Natal tivesse um sabor oficial, provavelmente vinha em papel dourado com uma brand centralizada.

Uma Coca-Cola Fresca, Faz Favor!

Durante meses, as marcas entram em modo natalício muito antes de nós. Ainda estamos a discutir se é cedo para montar a árvore e elas já estão a afinar argumentos em salas de reunião sem janelas. Testam-se ângulos, histórias, cores. À mesa onde se decidem campanhas há mais pratos do que na consoada: relatórios, insights, focus groups e aquele vermelho específico que só existe num batom da Prada e na lata da Coca-Cola — a marca oficial do Natal?!

Há ideias que vão para o lixo por serem demasiado… até ao dia em que o “demasiado” passa a ser exatamente o que toda a gente quer.

Enquanto isso, lá fora, o Natal tenta acontecer. Imaginamos um camião da Coca-Cola preso na neve, com meia dúzia de lojas a olhar para o relógio e para as prateleiras vazias. A clássica campanha de marketing de Natal capaz de transformar uma situação difícil num cenário mágico e nostálgico.

E, na vida real, há um número impensável de camiões que correm todos os dias para os supermercados e centros comerciais, mas parece que nunca chegam a tempo para aquele brinquedo específico que “tem mesmo de ser aquele”. No campeonato dos anúncios, contam-se prémios, views, gostos e páginas de LinkedIn a bater palmas.

Mas não podemos esquecer: enquanto nós discutimos se o bacalhau está no ponto, há júris a discutir se o storytelling está ao nível de um John Lewis.

Rabanadas: Não é só nas Lojas ou nas Televisões

O Natal dos anúncios passa diretamente para a realidade, em grande produção. Lembram-se do filme Something from Tiffany’s? Aquela comédia romântica em que um presente trocado muda a vida de toda a gente? A maior parte de nós não vive num guião da Tiffany, mas basta dar um salto ao shopping para perceber que a ficção não anda assim tão longe: luzes, música, sacos a brilhar, câmaras imaginárias a acompanhar cada passo. As filas não são para um concerto, mas poderiam ser.

Vistas de cima, parecem quase um documentário da National Geographic: figurantes humanos a disputar o último par de meias como se fossem a última fonte de proteína da savana. E o mais irónico é que, no dia 25, a criança provavelmente não vai achar grande piada das meias.

Mas não seria justo fingir que as marcas são apenas vilãs de um filme de Natal de série B. Elas têm um poder real nesta época – e sabem disso. No meio do glitter e das promoções, há quem tente lembrar-nos de que ser humano é mais importante do que “ter presentes”. E isso, além de bonito, também é branding.

Quase toda a gente se lembra de pelo menos um anúncio da Vodafone, nem que não seja deste ano: mensagens sobre empatia, ódio online, cidadania digital, aquelas histórias que nos deixam um nó na garganta enquanto fingimos que é só da cebola do recheio das aves.

O Natal é o momento perfeito para lançar estas conversas difíceis com um laço vermelho em cima… presentes para presentear o que for, foi e será… 

Ainda Assim, Há Coisas Que Nos Fazem Falta

Este ano dou por mim à procura da música do Pingo Doce como se fosse um tio que faltou ao jantar. Ninguém me avisou que ele não vinha. É quase o mesmo choque de chegar ao Continente e perceber que a Popota encolheu ou foi de férias para um resort sem Wi-Fi. Já não se canta a fazer compras. O jingle que ficou anos colado ao ouvido – “Quem trouxe? Quem trouxe?” – desapareceu discretamente do alinhamento.

Até o bolo-rei parece ter perdido a coroa, dividido agora entre receitas gourmet, parcerias de luxo e caixas de edição limitada.

No meio de tantos anúncios, jingles e campanhas, o Natal português é cada vez mais uma mistura de memórias de família com memórias patrocinadas. Confundimos o cheiro do forno da avó com o jingle que passava antes do Telejornal. E, quando uma marca muda de música, parece que alguém mexeu na banda sonora da nossa infância sem pedir autorização.

Mas este é um Natal que ilumina para todos e, com ou sem bacalhau, só ligamos se quisermos, e isto é coisa séria!

Talvez o verdadeiro luxo deste Natal seja lembrar que podemos gostar dos anúncios, discutir o melhor spot do ano, partilhar o vídeo que nos fez chorar no Instagram… mas continuar a perceber que não somos figurantes na estratégia de ninguém. Podemos desligar a televisão, mudar de canal, não comprar o que aparece no intervalo. Com ou sem bacalhau, com Popota ou sem Popota, o botão de “ligar” ainda é nosso – e isso, ao contrário de muitos presentes, não vem com prazo de devolução.

Não se esqueçam das últimas prendas. E tenham um feliz Natal, mesmo que este ano já não possamos cantar a plenos pulmões: “Quem trouxe, quem trouxe? Foi o Pingo Doce!”… All I Want for Christmas Is You 🎶

 

Texto da Autoria de Joana Neves

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