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Devaneios

Ano Novo: O Mundo Não Faz Reset no Dia 1 de janeiro

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Ano Novo não é sinônimo de Reset.
Nada vem do nada. A mudança repentina nunca será eficaz. É superficial, ilusória. Mas não faz mal, para o ano reescrevemos a lista de objetivos | Imagem: SORA IA

A cada virada de ano, repetimos rituais, promessas e desejos como se o calendário tivesse o poder de reorganizar o mundo. Celebramos o futuro enquanto fechamos os olhos para o presente que insiste em permanecer. Talvez valha a pena parar — antes do brinde e das resoluções — e pensar no que, afinal, muda quando o ano muda.

O mundo não faz reset no dia 1 de janeiro de 2026. Na tão celebrada festa da passagem de ano, enchemos as ruas e enchemos o céu de fogo e rimos e comemos e bebemos e cantamos. Alguns dormem, também é verdade. Mas há também sempre aqueles que, sozinhos, não notam que o último dígito da data mudou.

Há quem, de estômago vazio, sinta o peso do tempo a passar e de tudo a ficar igual, há quem oiça o barulho de tiros e bombas que enchem o céu no lugar do fogo de artifício. A verdade é que continuam a morrer crianças; continuam a morrer mulheres; continuam a morrer homens em campos de batalha; continua a morar gente na rua; continua a haver suicídios, homicídios, depressões, hospitais cheios… razões vazias… 

O mundo está cheio de gente que não consegue celebrar a vida porque sente-a pendurada por um fio, tão frágil e sofrida que mais um ano é só mais um dia. Mais uma passagem no tempo

Ano Novo: De Novo 

Talvez, por isso, pudéssemos problematizar o verdadeiro significado e pertinência da celebração do Ano Novo. Afinal, se procurarmos crónicas do dia 1 de janeiro o tema costuma ser sempre o mesmo: Ano Novo, vida nova – a promessa nunca cumprida.

A verdade é que o ser humano é apaixonado por narrativas e a narrativa de que todo o mal pode desaparecer mais facilmente ao fechar um ciclo, iniciando outro, é particularmente atrativa. Ideal para iludir as pessoas procrastinadoras ou cansadas que somos.

Mas a subscrição no ginásio costuma ser dinheiro deitado ao lixo – em meados de fevereiro, já poucos lá põem os pés -, a dieta perfeita termina logo na primeira semana, quando passamos no café do costume, a consistência no estudo nunca chega para aqueles que antes não faziam qualquer esforço.

Nada vem do nada. A mudança repentina nunca será eficaz. É superficial, ilusória. Mas não faz mal, para o ano reescrevemos a lista de objetivos.

É, então, a passagem de ano, uma celebração meramente superficial? Uma desculpa para uns beberem, irem a discotecas, ou concertos, comerem uvas passas e vestirem roupas bonitas, enquanto o resto do mundo permanece na morte e na escassez?

Talvez. Mas não sou, por natureza, tão fatalista ou cínica para acreditar que sim

A verdade é que o Ano Novo pode ser cair na mesma lenga-lenga de “este ano vou…”. Pode também ser cair no erro de se desacreditar cada vez mais na raça humana, ao ver o estado do mundo. Mas pode também ser olhar para o ano que passou e ser grato, olhar à volta e agradecer pelas pessoas que temos, pela beleza que a vida tem na sua imperfeição.

A verdade é que a beleza não está na utilidade das coisas – o melhor exemplo são a arte e as celebrações. Dançar na rua ao som do concerto nos Aliados ou numa discoteca com os amigos, comer uvas passas em casa e brindar com a família, sorrir e ser grato pela dádiva da vida não acaba com os problemas do mundo. Mas a verdade é que também não os torna piores.

Enquanto pudermos sorrir, chorar, cantar, dançar e sonhar com a ilusão de uma vida melhor seremos humanos como é suposto que sejamos.

E que bom que é que haja quem possa encher as ruas e celebrar a sorte que é ter vivido mais um ano, porque há quem deseje voltar a fazê-lo, há quem sonhe com o dia em que, livre do medo da morte ou do peso da batalha que trava na vida, possa sair à rua só porque sim, ver fogo no céu e beber um copo.

 

Texto da Autoria de Teresa Soares

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