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Artigo de Opinião

A direita em Portugal culpa os imigrantes enquanto insiste em figurar um passado de glória

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Arte: @filhobastardo

Gostaria de começar este artigo — que mesmo embasado em fatos e dados, é puramente opinião —, confessando quê o que mais me causou espanto em Portugal foi perceber que muitos portugueses não compreendem o real impacto que é pertencer a um bloco tão economicamente importante como a União Europeia (UE). Isso porque, foi exatamente a UE que me trouxe aqui (rindo de nervoso).

Depois, queria esclarecer que se eu fosse um jovem português eu também iria embora. O mundo é tão grande para eu achar que estou exatamente no centro dele. E ficar aqui também não me ofereceria um futuro muito brilhante. Mas se decidisse ficar, eu lutaria.

No mais, considerando a complexa teia da política contemporânea, atino em dizer que a crescente ascensão da direita não é apenas um movimento político temporal, mas uma manifestação de profundas mudanças sociais e culturais das quais estamos e seguiremos enfrentando. E a imigração é uma delas.

A política de direita sempre buscou, em sua essência, o controle social através da [falsa] disciplina e da [desumana] normalização, tornando-se, principalmente, uma força — à força — que busca moldar, não apenas as estruturas governamentais, mas também os valores e comportamentos individuais. Por isso, cultura, arte e, principalmente, a intelectualidade, são consideradas ameaças, porque representam resistência ao conformismo e à manipulação moralista ideológica que a direita sempre pregou.

Karl Marx — atenção, isso é o básico —, em sua análise crítica do capitalismo, alertou para a mercantilização não apenas dos bens materiais, mas também das relações sociais e da própria felicidade. É a tal da alienação do/no trabalho. No contexto da política de direita, essa lógica se intensifica ainda mais com a infraestrutura (o povo) sendo subordinada aos interesses do mercado e da acumulação de capital (superestrutura).

Na política de direita, os interesses dos poderosos devem sempre se sobressair aos do povo. Mas a busca incessante pelo lucro e pelo poder resultam em uma sociedade cada vez mais desigual e alienada, onde o bem-estar coletivo é sacrificado em prol dos interesses de uma elite privilegiada. E todo mundo sabe que a esquerda sempre conquista o poder; quando a direita só o tem quando o [compra] toma à força.

Somos todos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros

Se os números crescentes e os dados de algumas receitas económicas em positivo — que são a única linguagem que a direita entende — já não bastam, não se sabe mais como explicar para eles da potencialização da qual Portugal tem sido beneficiado ao abrir as suas portas para os imigrantes. Agora, se estes representantes do povo não são capazes de gerir um país que caminha para frente, talvez fosse a hora de o povo apostar em um representante mais aberto ao novo e que saiba dialogar com todas as esferas sociais. Isso é diversidade cultural.

Para já, indico fortemente ler o artigo “Qual é o impacto das migrações na demografia e na economia portuguesa?” Nele, O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Informação é tudo!

De antemão, segundo reportagem do Jornal Negócios.pt, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social em 2022 foi de 1.604,2 milhões de euros, o dobro de há quatro anos. Apenas em Portugal, os imigrantes já são 7,5% no total da população e têm, segundo dados do relatório anual do Observatório das Migrações, uma taxa de atividade mais alta do que os portugueses, desempenhando, sobretudo, trabalhos mal pagos, mais arriscados e onde trabalham mais horas semanalmente do que os portugueses — aqui você pode compreender estas como atividades análogas à escravidão, acúmulo e desvio de funções, além de benefícios zero. E ainda tem candidato pedindo que os imigrantes só tenham direito às “ajudas da segurança social” depois de 5 anos contribuindo.

A relação entre Portugal e imigrante devia ser “mutualista” e não “comensalista”; e isso é uma metáfora infeliz, tendo em vista que somos todos da mesma espécie, mas me parece que a direita [no mundo] discorda disso.

Estas pessoas aceitam essas condições por uma promessa de legalização num país onde as leis trabalhistas beneficiam descaradamente o empregador — principalmente se você for imigrante e emitir recibos verdes —, e onde a crise de habitação é vítima direta da especulação imobiliária e do “monopoly” dos investidores estrangeiros. Muitos destes imigrantes — principalmente os de países mais pobres — aceitam estas condições por que estas ainda chegam a ser melhores que as dos seus países de origem. Portanto, me parece bem conveniente para Portugal acolher essas pessoas cujo preceito é “qualquer coisa é melhor que nada”.

A juventude de direita acha fixe ser cutie bacaninha

Sem livros, sem debates, sem acesso à informação e transparência zero. A política de direita em Portugal, com seus jovens [sofistas] como articuladores das massas (supremacistas brancos ganham terreno nas universidades portuguesas), investe no esvaziamento da cultura enquanto tática principal para o desmonte da intelectualidade do povo, ao traçar programas de formação/mecanização de mão-de-obra [tecnicista] como principal estratégia de submissão para se alcançar o controle das massas. O que vejo é a mercantilização da felicidade abraçando a infraestrutura social (Karl Marx) para sustentar o sonho de poder de uma falsa burguesia portuguesa que, na verdade, ocupa o papel de “bobos da corte” da UE.

Quando eu cheguei na universidade e descobri que Portugal não traduz livros de sociologia e filosofia isso me causou um grande espanto. Como que um país não tem interesse em trazer a base do conhecimento para a sua língua materna? Em argumentação, me foi dito por uma aluna que as pessoas aqui preferem “ler o original”. Sim, por que deve ser muito prático ler em alemão, inglês, francês e afins. Um amigo nascido em Braga me contou que a taxa de analfabetismo estava altíssima quando os portugueses se libertaram da ditadura. Pois. E que não esqueçam que o 25 de Abril não foi sobre flores.

O meu professor de metodologia, cujo foco de ensino é o Método Quadripolar que — pasmem —, foi ignorado pela Europa durante anos, mas, posteriormente, reaparece difundido no universo acadêmico por pesquisadores brasileiros. Então, esse mesmo professor me contou que sempre que tem oportunidade, pede para algum amigo trazer exemplares quando vão de viagem ao Brasil. Ler filosofia e sociologia em PT/BR (nem vou comentar sobre isso agora).

Você consegue perceber o quão significativo essa simples “decisão politica” pode ter um impacto na desenvoltura intelectual das pessoas?

Afastar as pessoas da dialética do esclarecimento é um projeto político da direita: todas as barreiras que essas políticas de educação impuseram para que portugueses não tivessem acesso a livros de filosofia e sociologia, por exemplo. Isso parece pouco, mas é emudecedor.

Talvez, curiosamente, toda essa ideologia gourmetizada — para não dizer violenta em toda a sua higienização social —, da direita portuguesa que culpa as minorias pela desgraça do país, pudesse ser fortemente rebatida com a ruptura da ignorância pela leitura e o fomento à arte e cultura enquanto patrimônio imaterial e de identidade. Contextualização histórica é tudo, porque em um país onde o voto é facultativo, a alienação do povo é uma arma poderosa. E é justamente em momentos de instabilidade social que a direita mais ganha força: o medo e a incerteza são máquinas de controle social.

Lembrem-se: a direita nunca precisou mover uma palha para conquistar o poder; mas nunca se esqueçam de que o dono da bola pode até decidir quando o jogo para, mas sem uma equipe não é possível marcar gol. Por isso, cabe a vocês elegerem a vossa equipa. E isso se faz votando. Abster-se é ser conivente. É ficar no banco de reservas enquanto a bola roda em campo.

Artigo da autoria de Ícaro Machado

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