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Artigo de Opinião

IDENTIDADE FALSA

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João Paulo

João Paulo

O escândalo dos currículos falsos já chegou ao topo. Recentemente, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, afinal não era diplomado com um mestrado em economia empresarial. A notícia voou e surgiu em todo o mundo em várias línguas como sendo o escândalo. A sério que ainda se surpreendem com isso?

Pelo meu papel como ativista LGBT e pelos direitos humanos, sou convidado aqui e ali para dar palestras sobre muitos assuntos relacionados e recordo que no início quem me convidava, por norma, tratava-me ora por doutor ora por professor. Como não sou nem uma coisa nem outra, sempre me apressei a corrigir dizendo, o meu nome é João Paulo sem “dê erres” ou “profes”. Nos trabalhos que levo para apresentar, surge sempre apenas e só “João Paulo”. Não está lá nenhuma abreviatura titular. Aliás, se alguma vez fui professor, fui de dança apenas.

Esta vida de política social leva-nos a relacionamentos imprevistos e, muitas vezes, inevitáveis. Pelo menos, durante algum tempo. E, assim, encontrei muitos ou alguns pseudo qualquer coisa, gente que apresentava currículos que mais pareciam bíblias. Na altura, a boa-fé e alguma ingenuidade levava-me a olhar o titular desses cartapaços como pessoas “uau”, mas a vida ensina-nos a ler nas entrelinhas e, mais do que isso, a não julgar a qualidade do vinho pela rama da videira.

Trabalhei numa empresa multinacional onde um subdiretor entrou como sendo o senhor fulano de tal, mas, passadas umas semanas, afinal o senhor era agora engenheiro e exigia ser tratado como tal. Verdade que a mudança me causou estranheza e, por isso, inquiri alguém que me poderia verificar a veracidade da coisa e a resposta foi que o senhor, agora engenheiro, tinha afinal entrado nesse mesmo ano para engenharia no Instituto de Engenharia do Porto, vulgo ISEP, e, por isso, queria já ser tratado por senhor engenheiro como se esse título fizesse dele pior ou melhor pessoa.

Contudo, na minha vida houve já outras situações onde os títulos de alguma forma se transformam na via verde de um alegado respeito e, por isso, tratamentos privilegiados. Duas citações: quando fui com o marido abrir a nossa primeira conta bancária conjunta, o funcionário da instituição pediu que aguardássemos, porque supostamente o senhor estaria ocupado. Não demorou que alguns minutos depois, não muitos, se ouvisse o mesmo senhor que nos pediu para aguardar a discutir com os colegas se comiam carne ou peixe, se comiam na cantina da instituição ou na rua. Dado que, como devem compreender, não achei piada nenhuma, chamei o senhor e pedi para falar com um superior dele, gerente ou subgerente. Quando este posto se apresentou, eu usei o título do marido e apresentei-me como Engº João Paulo. Perante esta apresentação, o mesmo senhor que me pediu para aguardar responde: – Sr Engº podia ter dito! A sério!? Será que um engenheiro tem de ser mais bem tratado do que eu?

Quando conheci o marido, ele tirava o mestrado e, de vez em quando, ligava-lhe para a faculdade e para o seu gabinete. Se me apresentava como João Paulo, a chamada demorava séculos a percorrer as linhas telefónicas e, até por vezes, perdia-se. No entanto, se eu me apresentasse como professor João Paulo, que o era na altura, a mesma chamada voava à velocidade da luz e sem erro.

Por isso, termino dizendo que há políticos que alegam cursos que afinal parece que foram tirados pelo telefone ou que saíram num qualquer detergente como brinde. Há mesmo associações que alegadamente defendem direitos humanos e que são presididas por pessoas que não são aquilo que dizem ser, curricularmente falando, pessoas que alegam ter capacidades várias que não só não se confirmam como representam crime e crime público. Temos presidentes dessas associações que são condenados por violência doméstica. Como diria o saudoso Fernando Peça, “e esta, hein!?”

Assim, políticos, dirigentes e outros com lugares de destaque nas instituições que participam com falsos currículos não causam espanto e, muito menos, é escandaloso. É sim apenas demonstrativo de que o crime compensa, porque passa impune.

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