Ciência e Saúde
Hiponatremia: a ameaça invisível das ondas de calor

A hiponatremia, muitas vezes confundida com simples desidratação, está a tornar-se uma ameaça silenciosa em tempos de calor extremo. O excesso de água sem reposição de sais pode ser fatal, alertam os especialistas, sublinhando a necessidade de maior literacia em saúde.
O que é a hiponatremia?
As temperaturas continuam a bater recordes em todo o planeta e, com elas, surge um inimigo silencioso: a hiponatremia. Menos conhecida do que os golpes de calor, esta condição ocorre quando os níveis de sódio no sangue caem drasticamente. O sódio é um eletrólito essencial que contribui para a regulação da pressão arterial normal, função nervosa e muscular, e regulação do equilíbrio de fluídos dentro e ao redor das células. Quando a concentração deste eletrólito no sangue desce abaixo dos 125 mM, sintomas como náuseas, confusão, convulsões e até coma podem-se desenvolver. Para além do calor excessivo, uma das causas principais que leva a este ponto é a ingestão excessiva de água sem reposição de eletrólitos.
“Quando nos hidratamos em demasia, os rins não conseguem filtrar toda a água para fora do organismo, o que leva a uma diluição dos eletrólitos, e, consequentemente, os níveis de sódio ficam muito baixos. Daí a importância da reposição de eletrólitos quando nos hidratamos”, explica Jamie Johson, nutricionista dietista e membro do conselho de especialistas médicos da Verywellhealth, um portal de saúde online operado por profissionais de saúde .
Um problema crescente
O clima da Terra está a aquecer, com a temperatura média global a aumentar em 1,24°C entre os anos de 2015 e 2024. Apesar de os humanos serem capazes de sobreviver e adaptar-se a mudanças relativamente pequenas nas temperaturas ambientais, à medida que a temperatura global média aumenta, a frequência, a gravidade e a duração relativa das ondas de calor aumentam. As ondas de calor podem ser funcionalmente definidas como um número prolongado de dias com temperaturas mais altas do que o normal. A exposição prolongada a ambientes com altas temperaturas induz um stresse substancial no sistema cardiovascular humano e, embora os seres humanos sejam capazes de suportar temperaturas extremamente altas por curtos períodos, a tensão cardiovascular induzida pela exposição prolongada ao calor contribui negativamente para a saúde. Durante uma onda de calor, a maior parte do excesso de morbidade e mortalidade não está diretamente relacionada ao calor, mas é de origem cardiovascular, provocada pelo aumento do desafio cardiovascular associado às respostas termorreguladoras ao stresse térmico.
Quem está em maior risco?
Em março deste ano, o Jornal da Sociedade Americana de Nefrologia desenvolveu um estudo na região de Estocolmo. Foi investigada a associação entre a temperatura ambiente e a hiponatremia. Os resultados evidenciaram que existe uma correlação direta entre altas temperaturas e aumento de casos graves de hiponatremia, especialmente em idosos. Mesmo na ausência de doença cardiovascular evidente, estes são a população mais vulnerável durante a exposição prolongada ao calor ambiental, com a faixa etária acima dos 65 anos a representar a maioria das visitas extra às urgências e mortes, durantes as ondas de calor. Tendo em conta que a população global de indivíduos idosos continua a crescer exponencialmente, isto significa que um subconjunto cada vez maior da população estará mais suscetível a doenças, e até mesmo à morte, face às contínuas alterações climáticas.
Qual é a prevenção para a hiponatremia?
A prevenção desta condição passa por uma hidratação equilibrada e consciente. Os especialistas recomendam beber água de acordo com a sensação de sede e, em situações de esforço físico intenso ou exposição prolongada ao calor, optar por soluções de reidratação oral ou bebidas isotónicas que contenham sais minerais. Idosos, atletas e trabalhadores ao ar livre devem evitar o consumo excessivo de água sem reposição de eletrólitos, já que este é um dos principais grupos de risco.
Além disso, reconhecer sinais precoces, como náuseas, dores de cabeça, confusão ou inchaço, pode ser crucial para evitar complicações mais graves. O uso de roupa mais leve e maior pode também ajudar a evitar esta condição.
Preocupação com o futuro
Com o clima cada vez mais quente, a hiponatremia emerge como uma condição evitável, porém cada vez mais comum e invisível. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a hiponatremia poderá tornar-se uma das principais emergências clínicas associadas às alterações climáticas até 2035, sobretudo em países mediterrânicos. Dessa forma, é essencial promover informação clara sobre hidratação segura.
Artigo da autoria de Rafael Maria Pires e Marinho. Revisão por Ana Luísa Silva.
