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Cultura

EU SOU CULTURA URBANA: DEALEMA, A VIDA NUM RAP

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Jardim do Palácio de Cristal. Aqui espera-se pelos Dealema, um dos grupo de Hip Hop português mais antigos, para muitos, a principal referência da música deste estilo. São 14h10 quando Maze chega, calmamente, pois a chuva já não se faz sentir. Poucos minutos depois, é a vez de Mundo e Expeão chegarem. Entra-se na Biblioteca Almeida Garrett. Uns minutos depois chega o último elemento que vai ser entrevistado, Fuse. Agora estão todos, a entrevista pode começar.

Quem são os Dealema?

Mundo – Os Dealema são um conjunto de cinco indivíduos que se conheceram entre o início dos anos 90 até meio da década de 90. Fazíamos parte de duas bandas, os Factor X e os Fullashit. Os Factor X era eu e DJ Guze e um terceiro elemento e os Fullashit, que era o Fuse e o Expeão. A certa altura começámos [eu e o DJ Guze] a gravar algumas maquetes em casa do Fuse e com o passar do tempo achámos que fazia sentido fazer os Dealema. Somos cinco indivíduos, com personalidades totalmente diferentes, vindos de mundos totalmente diferentes.

O que distingue os Dealema de outros grupos de Hip Hop?

Maze – Eu acho que o que nos distingue, para além de sermos uma das primeiras bandas composta por 4 MC’s e um DJ, é, principalmente, o nosso carisma, quer individual, quer como banda. Fomos construindo, ao longo do tempo, o nosso universo próprio que foi crescendo desde 96 até agora.

Vocês vieram do mesmo background cultural, mas de diferentes projetos (Factor X e Fullashit). Como é que sabiam que os Dealema iam ter a química certa para funcionar como grupo?

Mundo – Não sabíamos! Nenhuma banda [sabe] quando começa, a não ser que seja um projeto pré-fabricado. Juntámo-nos os cinco porque gostávamos de fazer música uns com os outros e tudo foi um processo natural. Nós simplesmente temos a dar graças de, ao fim de 18 anos, termos um grupo enorme de pessoas a seguirem-nos e podermos continuar a fazer aquilo que mais gostamos, que é fazer música.

Quais as dificuldades sentidas para se afirmarem como grupo de Hip Hop?

Fuse – Uma das maiores dificuldades foi sermos do Porto. Em Portugal tudo é centralizado e a música não é exceção a isso. Se calhar, o facto de sermos do Porto tornou-nos, à nascença, alienados de tudo o resto. A segunda maior dificuldade é sermos uma banda de Hip Hop. A terceira maior dificuldade é estarmos em Portugal. Nós simplesmente pegamos nessas dificuldades e transformamo-las em vantagens. Criámos o nosso próprio núcleo e toda a história que construímos nestes últimos (quase) 20 anos deve-se a esse esforço, o que dá um sabor muito mais intenso do que se tivéssemos tido a vida facilitada. Tudo aquilo que construímos foi com suor, com trabalho e isso dá-nos um orgulho muito maior.

Quais as vossas influências para escrever?

Mundo – Nós temos experiências muito diferentes. O Fuse gosta de coisas mais obscuras, o Expeão vem do mundo do rock, eu venho de uma coisa mais portuguesa, que era o que os meus pais ouviam, e o Maze é uma pessoa multisonora. Essa é uma das grandes diferenças entre nós e grande parte das bandas de Hip Hop: nós não vivemos apenas dentro do universo Hip Hop, bebemos de outras fontes e isso traz outras características à nossa música.
Maze – Nós somos pessoas muito abertas a todos os estímulos que a vida tem. Vamos beber de tudo: das nossas experiências, do que vemos no quotidiano, dos filmes que vemos…. Toda essa amálgama, que não é limitada, transforma a nossa criatividade.

Como é que vocês criam as vossas músicas?

Mundo – Não temos um processo definido: pode surgir de um tema, de um instrumental, da rima de alguém…
Maze – É um bocado aleatório. Normalmente, os temas são discutidos em conjunto, mas as rimas são individuais, cada um leva a sua e completa o puzzle.

As vossas letras têm sempre uma mensagem positiva e procuram uma intervenção interior. Porquê a escolha deste caminho?

Expeão – O tema dos Dealema também é a luta e o conseguir ultrapassar obstáculos porque nenhum de nós vem de famílias abastadas. Somos todos dos bairros ou das ilhas, então tivemos mesmo que ser positivos para conseguir sobreviver e foi com essa vontade de vencer que nós começámos a fazer os Dealema, com essa energia.
Fuse – Nem foi uma postura que tivéssemos escolhido. Há 20 anos atrás havia aquele estereótipo de se querias fazer rap, o rap tinha de ser negativo, tinha de falar de violência. Nós não! Tem muito a ver com o meio em que nascemos, o facto de sermos daqui é uma vantagem e o facto de termos cinco vidas diferentes também é. Este tipo de postura de fazermos música de intervenção, por que se nós tocamos as pessoas com a nossa arte estamos a fazer intervenção, direta ou indiretamente, foi algo que cresceu connosco. Além de fazermos intervenção, a nossa música é motivação. Não disfarçamos a realidade da vida porque é a nossa vida, tudo aquilo que nós dizemos nas nossas letras é real, somos nós. Mas, motivamos para algo mais positivo, sempre!

Todos vocês têm projetos a solo. Qual a necessidade de ter um projeto só vosso?

Mundo – É uma questão de realização de pessoal porque somos cinco indivíduos com uma opção musical distinta.
Expeão – E antes dos Dealema nós já tínhamos todos [projetos musicais].
Maze – Depois os Dealema passou a ser o ponto principal, a nossa prioridade…
Mundo – O olho do furacão! (risos)
Maze – Mas continuamos a ter necessidade de explorar outros caminhos.

O que é que vocês sentem quando vêem como a família dealemática cresce a cada dia que passa?

Mundo – Sentimos bastante orgulho, especialmente saber que ao fim de quase duas décadas existem pessoas que acompanharam o nosso crescimento e já vêm com os filhos aos concertos.
Maze – E pessoas que não conheceram [os Dealema] durante estes dezoito anos e que de repente descobrem. É mesmo uma satisfação ter esta legião de pessoas!
Expeão – Começam a destruir coisas no quarto… Se ouvirem as coisas mais antigas. (risos)

Qual a atuação que mais vos marcou?

Mundo – Uma das que gostei mais foi a primeira vez que estivemos em Paredes de Coura.
Expeão – Sudoeste, o primeiro.
Fuse – Sudoeste e Paredes de Coura. Depois disso já atuámos em palcos muito maiores, mas estes por terem sido os primeiros, do primeiro disco…
Maze – E os concertos que já demos no Hard Club, todos especiais.

Todos os discos trazem colaborações que surpreendem. Qual a mais especial até hoje?

Mundo – São todas especiais! É o velho cliché de “Qual dos teus filhos gostas mais?”. Para nós todas as músicas e todos os convidados têm o mesmo peso e o mesmo valor.
Maze – Eles trazem algo para Dealema que nós não e por isso é que os convidamos. Cada um traz o seu ingrediente especial!

Como caracterizam a cultura do Hip Hop hoje?

Mundo – O Hip Hop evoluiu muito. Hoje tens um Hip Hop multicolor, existe um monte de estilos. Isso para nos é muito louvável porque, há uns anos atrás,  fazíamos rap e muita gente bebia daquilo que nós fazemos e, hoje em dia, com esse alargar de estilos, cada vez mais o nosso estilo fica bem vincado. É muito bom o Hip Hop ter-se aberto a outros estilos, a uma variedade enorme de ideias e de formas de estar na vida. E esse é o Hip Hop de hoje em dia: Hip Hop por todo o lado! (risos)

Como vêem a participação de jovens rappers em concursos como o Factor X?

Maze – Acho muito bem porque muita gente que não teve contato com o Hip Hop, vai conhecer. Depois a qualidade fica ao critério de cada um, mas promove a cultura e dá a conhecer!

Qual a inspiração para o último disco “Alvorada da Alma”?

Mundo – Mantermo-nos positivos e não nos deixarmos ir arrastados pela corrente. Há uma coisa que nunca fizemos que é viver de temas mediáticos, não faz parte da nossa receita, e o “Alvorada da Alma” é o melhor exemplo disso: numa altura cinzenta, nós vestimos azul.

Planos para o futuro?

Maze – Para além de dar concertos, tocar em todo o lado e tentar chegar às comunidades lusófonas, é fazer mais música. Nós, normalmente, terminamos um disco, vamos para a estrada e começamos a pensar no futuro.
Mundo – O objectivo é fazer o melhor disco de Dealema, é sempre esse o objetivo.

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