Connect with us

Cultura

JUP RETROSPETIVA 2019: SÉRIES

Mr. Robot

Quatro anos, quatro temporadas e 45 episódios depois, Mr. Robot chegou ao fim. O filme imaginado por Sam Esmail acabou por se transformar numa das séries mais marcantes da década. Os fãs e as muitas perguntas que tinham tiveram direito a um fim satisfatório.

Era compreensível recear o contrário. 2019 tem sido um ano de despedidas e nem todas correram bem. E basta recordar Lost para reconhecermos o risco de formular muitas perguntas sem resposta. Felizmente, Mr. Robot evita todas estas armadilhas e conclui a sua história sem responder a tudo, mas a esclarecer o essencial.

São as poucas mazelas no rosto quase perfeito desta quarta temporada. Quase tudo é excelente. Quase tudo é genial. É um dos melhores finais de sempre para uma das melhores séries de sempre.

É normal que uma série tenha diferentes realizadores por episódio e isso implique toques artísticos distintos. A primeira temporada de Mr. Robot é igual, mas fica por aí. Da segunda temporada até ao fim, todos os capítulos são realizados por Sam Esmail. Cada episódio é uma extensão do anterior. Uma autêntica obra de autor, a única da televisão.

É este o maior legado de Mr. Robot. Numa época em que as séries igualaram os filmes, a obra de Sam Esmail foi a que mais testou os limites artísticos do meio televisivo.

 

Game Of Thrones

A série mais popular de sempre terminou em 2019. Por este simples facto, a oitava temporada de Game Of Thrones já tinha lugar reservado nos destaques de final de ano.

Prémios ganhos, melhores audiências de sempre e o recorde para a batalha que mais tempo demorou a filmar na história do Cinema. Os números que sustentam uma temporada que foi tudo menos consensual. Muitos fãs vocalizaram o seu descontentamento com as escolhas narrativas feitas nos derradeiros episódios. Para muitos, foi um final dececionante.

Por outro lado, as decisões que moldaram a conclusão de Game Of Thrones podem não ter sido as que os fãs queriam, mas não deixaram de ser acertadas. A épica história de George RR Martin foi igual a si mesma até ao fim e desviou-se dos clichés do mundo da fantasia. Tudo enquanto ofereceu a experiência audiovisual com a maior escala e ambição do meio televisivo.

Game Of Thrones foi o fim de uma era e o início de outra. Fim, já que, devido ao streaming, é questionável se outra série terá um sucesso deste nível em formato de lançamento semanal. Início, pois a Era Dourada da Televisão, a famosa Peak TV, começou e evoluiu em conjunto com a série da HBO.

Até os críticos mais ferozes da oitava temporada não conseguem negar o legado de Game Of Thrones. É uma canção de gelo e fogo que nunca cairá no esquecimento.

 

Chernobyl

A mistura perfeita entre a excelência da BBC e a ambição da HBO. A minissérie mais marcante do ano pôs o mundo a refletir sobre uma tragédia que ainda tem muito para ensinar sobre o preço das mentiras.

Chernobyl retrata os acontecimentos de forma impiedosa na sua autenticidade. São cinco episódios difíceis de ver, mas essenciais para a formação de qualquer um. O mundo não pode esquecer aqueles que sofreram com o desastre e os que se sacrificaram para impedir uma catástrofe maior.

O elenco sensacional, encabeçado pela dupla fantástica de Jared Harris e Stellan Skarsgård, trazem à vida os heróis e os autênticos vilões do acidente nuclear. O objetivo principal da série é defender a importância da verdade, mas a valorização da compaixão pelo próximo não fica para segundo plano.

Quando o relato termina e somos confrontados com um resumo dos factos, ao som de vozes tão angélicas como fantasmagóricas, todas as barreiras emocionais desmoronam-se e entramos em luto por perdas que podiam ter sido evitadas. Chernobyl é um dos destaques do ano, pois consciencializou o mundo para a Eterna Memória da tragédia de 1986.

 

The Witcher

Sim, foi difícil recuperar do final de Game Of Thrones, para uns uma obra de arte, para outros um crime, mas para todos um adeus à série de fantasia que nos entreteve durante quase uma década. Mal esta tinha acabado, já no verão se falava de que estaria a ser produzida pela Netflix uma concorrente à altura – The Witcher. Uma série também de fantasia, também baseada numa saga literária, e também com a dose certa de violência e promiscuidade.

Dificilmente se pode comparar as duas séries na mesma escala, por terem premissas e abordagens cinematográficas completamente distintas. Não questionando a qualidade dos tempos de glória de GOT, The Witcher traz algo novo e envolvente aos nossos ecrãs. Não nos conta a história toda, na verdade não nos conta nada. Não existe qualquer contextualização ou explicação do universo fantástico que conhecemos no primeiro episódio. Somos simplesmente sugados para uma dimensão já existente, nascida nos livros e, agora, perpetuada no ecrã.

A série é composta por três linhas do tempo diferentes, a do anti-herói, a da princesa que ele tem de salvar e a da feiticeira que ele deseja. Posto assim parece um clássico conto de fadas, contudo o enredo é bastante complexo e apenas nos dá alguma clarificação quando nos aproximamos do fim da temporada. A imagem é bastante obscura e crua, sem qualquer pudor ou censura, o que intensifica exponencialmente o mistério e nos faz envolver tanto na série. O protagonista, interpretado por Henry Cavill, acrescenta carisma e profundidade a esta fantasia com humor negro.

Geralt da Rívia, é um caçador de monstros por recompensas. A série acompanha as suas aventuras, espalhadas pelo tempo, e lentamente revela como é que todas as personagens interagem, ou interagiram a certa altura, umas com as outras. À medida que se começa a envolver com rainhas, feiticeiras, bardos e elfos, Geralt aprende que os monstros que caça nem sempre são feras animalescas sedentas. Por detrás da narrativa trivial reside uma promessa, um destino entre Geralt e a princesa Cirilla, que move a ação no presente e é concretizado no último episódio, quando todas as linhas de tempo se intersectam.

Como seria expectável, a temporada termina com um grande cliffhanger, daqueles que nos fazem questionar tudo e decidir comprar os livros para obter respostas. A próxima temporada já foi confirmada, mas só deverá estar disponível em 2021.

 

Big Mouth

Os anos passam e as personagens crescem. Big Mouth regressou, este ano, para a sua terceira temporada, depois de nos ter apresentado os monstros hormonais, na primeira, e o feiticeiro da vergonha, na segunda. A personificação das emoções típicas da adolescência em monstros e figuras míticas omnipresentes ajuda a compreender levemente como é lidar com o constrangimento da mudança. Esta temporada é tão cómica e desconfortavelmente honesta como as anteriores. 

Nick, Andrew, Jessi, Missy e Jay estão pouco mais velhos, mas continuam à deriva na puberdade, sem saber como encarar aquilo que ela impõe. Não é fácil navegar pelas tumultuosas marés entre a infância e a idade adulta, especialmente quando se está no ensino básico. Os pré-adolescentes são confrontados, nesta temporada, com questões de descoberta da sexualidade, masturbação, alterações corporais e limites. Sim, limites. A última temporada de Big Mouth desmistifica, do ponto de vista pubescente, como é lidar com a orientação sexual, em todo o seu espectro, com o assédio sexual, com o sexismo e com complexos corporais. 

Desta vez, as personagens secundárias, como Matthew, Lola, Caleb e, até, o fantasma Duke Ellington, ganharam mais destaque, com o desenvolvimento das suas histórias em paralelo à ação principal. Não parece haver uma interligação linear entre a maioria dos episódios desta temporada, as coisas vão acontecendo um bocado como na vida: sem planeamento. Contudo, o desfecho da narrativa principal equivale ao “fim do mundo” para um pré-adolescente, quando as personagens acabam com destinos opostos e amizades quebradas.

 

Stranger Things, T3

Como aconteceu nas duas temporadas anteriores, o regresso de Stranger Things parou tudo. Esta temporada pode nem ter sido a melhor das três, mas, sem dúvida, que foi muito bem conseguida. Já é habitual esperar uma grande dose de obscuridade alienígena, aliada às referências da cultura pop dos anos 80. A série não só ultrapassou essas expectativas com um dueto inesperado, como desenvolveu grande parte da história que permanecia mistério e trouxe novas participações destacáveis.

É verão, o ano é 1985, já não há escola e Hawkins acabou de receber um shopping novo, demasiado perfeito para ser verdade. O calor aumenta e os romances dentro do grupo de amigos também, o que desestabiliza a dinâmica entre eles. Aprendem a crescer sozinhos, como pessoas normais, mas Hawkins não é uma cidade normal e eles não são adolescentes normais. Rapidamente, a emergência sobrenatural se sobrepõe às trivialidades da puberdade e o grupo está novamente unido, desta vez para combater os russos. Sim, os russos. Acontece que o novo shopping é, na verdade, uma base militar russa à beira da abertura do portal para o Upside Down.

Nesta temporada é salientado que o mal nunca é extinguido, ele evolui, disfarça-se e transforma-se, e a única maneira de o combaterem é unidos. A amizade entre todas as personagens prevalece sobre o medo e, mais uma vez, tudo acaba em bons termos. Pelo menos para a maioria. O destino do heróico chefe Hopper só saberemos na próxima temporada, que já foi confirmada.

 

Years And Years

A série da HBO, com produção da BBC faz-nos refletir sobre o possível futuro do nosso planeta. Ao longo de seis episódios, com cerca de uma hora, a história passa-se num futuro próximo e acompanha a vida de uma família britânica: os Lyons. 

Desde uma guerra nuclear entre a China e os EUA, passando pela ascensão de Vivienne Rook, uma política populista, no Reino Unido, a uma crise climática sem retorno esta minissérie retrata uma possível e ameaçadora realidade.

A família Lyons debate-se com a problemática dos refugiados europeus, com a possibilidade de viver com identidade digital e com os perigos da exposição nuclear. Considerada pelo The Guardian como “a série mais assustadora de 2019”, Years and Years tem o poder de deixar o espetador alarmado com a hipótese de viver num mundo onde as borboletas estão extintas, o clima descontrolado e o chocolate é um produto de luxo. 

A série de Russel T. Davies prende-nos ao seu ritmo acelerado, que se mistura com momentos de cortar a respiração. Num mundo onde a realidade é, tantas vezes encoberta e as fake news proliferam esta é uma série que promete alertar e mostrar um cenário preocupante, incapaz de se esconder atrás de filtros do Snapchat

Através de personagens carismáticas e acontecimentos inesperados Years and Years consegue deixar o espetador desconfortável sobre um futuro que parece familiar e que nos faz questionar o rumo da conjetura política, social, económica e climática da atualidade. 

 

Bojack HorsemanT6 (parte 1)

Após 5 temporadas de más decisões, depressão e dependência, Bojack finalmente procurou ajuda no sítio certo- o centro de reabilitação Pastiches. Assim começa o seu processo de recuperação

Esta primeira parte da última temporada não é apenas sobre vícios e como ultrapassa-los, mas também sobre perdão e mudanças pessoais. Todos estão a passar por mudanças na sua vida.

Ao longo dos 8 episódios acompanhamos o progresso de Bojack e de todas as personagens, com o marcado humor sarcástico da série e várias críticas sociais muito bem conseguidas, como já é habitual. Fica a dúvida se, no final, Bojack conseguiu mesmo ultrapassar os seus problemas e vai lidar com a realidade ou simplesmente voltar a cair no seu eu do passado.

 

Euphoria

Euphoria deu que falar por muitos motivos, um deles foi a estética da série. A cinematografia fantástica que conduziu os episódios. Mas o principal foi a forma como retratou vária realidades sem qualquer pudor, do sexo e das drogas à violência e às redes sociais passando ainda por relações tóxicas e como os problemas na infância podem traumatizar e moldar a pessoa adulta.

A história desdobra-se em oito episódios, cada um focado numa personagem diferente. A protagonista, e narradora da história é Rue, interpretada por Zendaya, que se entrega de corpo e alma à personagem – uma adolescente autodestrutiva de 17 anos que passou o verão em reabilitação após uma overdose acidental. No meio de uma das várias house parties tipicamente americanas, Rue conhece a nova melhor amiga, Jules (Hunter Schafer). Entre elas desenvolve-se uma relação romântica, totalmente complicada.

Mas a trama não roda à volta desse romance. Euphoria conta a história de adolescentes sem as promessas de eternização. Não é um teen show. Não é uma série repleta de clichés. Euphoria é Skins para a Geração Z.

 

Figura do Ano

Sam Esmail

No mundo televisivo é complicado destacar apenas uma figura. É um oceano de talento e obras marcantes. Por isso, acabou-se por escolher o responsável por uma das melhores séries de sempre e, talvez, a melhor de 2019.

Esta década ficará produziu Game Of Thrones, Breaking Bad, The Walking Dead, House of Cards, Orange is the New Black, Black Mirror, Stranger Things e a lista continua. No entanto, se Mr. Robot é igual ao resto numa análise puramente qualitativa, distingue-se de tudo por ter sido criada unicamente por um artista visionário.

Sam Esmail é o escritor e realizador singular de três das quatro temporadas da série. Tudo o que vemos são as ideias dele, qualquer toque de génio surge a partir dele. Trata-se de uma personalidade artística única e impossível de copiar. Essa personalidade pode ter facetas diferentes, mas todas estão interligadas. Um pouco como os vários “eus” de Elliot.

O futuro parece promissor. Homecoming com Julia Roberts é outro sucesso que já vai receber uma segunda temporada. Poderemos ter ainda uma série da saga Battlestar Gallatica, uma minissérie baseada no filme Metropolis (1927), uma comédia intitulada False Alarm, um filme sobre o Triângulo das Bermudas e mais dois em conjunto com Rami Malek, estrela de Mr. Robot.

Sam Esmail já é um dos génios mais relevantes do nosso tempo e conquistou esse título em poucos anos. Resta-nos aguardar pelo desenrolar de uma carreira que promete ser recheada de sucessos.