Cultura
Fogo Fátuo: A nova comédia descomedida de João Pedro Rodrigues
O mais recente trabalho de João Pedro Rodrigues é uma coprodução luso-francesa (com Terratreme Filmes; House On Fire e Filmes Fantasma), e foi a abertura do festival Queer Lisboa 2022. O projeto marca uma verdadeira estreia na carreira do realizador, que só agora se lança no mundo da comédia musical, mas que desde muito cedo explorou as relações LGBTQI+. O filme já foi aclamado pela crítica internacional, tendo tido a sua estreia absoluta na Quinzena dos Realizadores em Cannes, e arrecadado o Prémio de Melhor Filme no Brussels International Film Festival.
Esta história de amor deu palco a caras novas no cinema português, como as personagens principais, o príncipe Alfredo (representado pelo jovem ator Mauro Costa) e o bombeiro Afonso (retratado pelo bailarino André Cabral), contando também com algumas já conhecidas pelo público, como Margarida Vila-Nova e Ana Bustorff.
O filme começa no trágico ano de 2069, com um rei Alfredo já moribundo, sendo que é uma música que o leva a recuar no tempo, até à sua juventude, onde, movido pelo desejo inocente de ajudar o seu país a combater os incêndios florestais, decide tornar-se bombeiro, apesar de isso ir plenamente contra as vontades dos seus pais. É no quartel que, confrontado com um mundo totalmente diferente daquele a que o príncipe estava habituado, se lhe revela um outro desejo, já não tão inocente: o seu colega Afonso.
Desenrola-se, assim, uma relação ardente entre os dois jovens e uma viagem de autodescoberta de Alfredo, por meio de momentos francamente eróticos e conversas que evidenciam a situação social tão distinta dos dois e que puseram a plateia inteira a rir. É através destas situações cómicas, intercaladas com fascinantes segmentos musicais e coreografados que espelham a irreverência de João Pedro Rodrigues, que o filme aborda temas como as alterações climáticas e os incêndios, e ridiculariza o colonialismo e a classe monárquica portuguesa em falecimento.
Fogo Fátuo é um filme provocante e que não se leva demasiado a sério, apesar de tratar, por vezes, temas sérios. Esta “comédia romântica” é uma experiência sinceramente divertida, que nos deixa até um certo ponto desconfortáveis, ao brincar com os limites do humor do cinema português, e que nos obriga a despir de qualquer timidez que possamos sentir ao visioná-lo. O autor tomou vários riscos, que resultaram nesta obra que fala por si só, e que expõe, de forma irónica, os flagelos do país.
Artigo da autoria de Luísa Garcia