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Cultura

VILA DO CONDE RECEBE A QUARTA FORNADA DE CURTAS

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Às três da tarde arrancou a maratona, com um aquecimento de cinema Lituano. Passado uma hora e meia aterrámos de novo em solo nacional, no Encontro com Realizadores, no qual tivemos o prazer de ouvir Alice Eça Guimarães, Mónica Santos, Margarida Lucas, José Magro e Sandro Aguilar, que abriram a Competição Nacional, no dia anterior e cujas curtas viriam a ser exibidas novamente às onze e meia.

As duas primeiras, colegas de faculdade, concorreram com o imaginativo “Amélia e Duarte”, um filme animado em stop motion, árvore do País das Maravilhas cuja semente foi um poema lançado ao papel por Alice. Contaram-nos como “na animação não pode haver falhas” tudo tem de ser meticulosamente preparado e executado, o que por vezes pagava-se com dores nas costas dos actores, por terem de permanecer muito tempo imóveis. “O que tentamos fazer é testar-nos a nós próprias”, referiram ainda, apresentando a solução para que fosse possível compreender até que ponto o stop motion se podia conciliar com a realidade, e a mensagem fosse compreensível.

Margarida Lucas trabalha na área da publicidade e quis vir a Portugal realizar um filme que retratasse a sua infância. Dito e feito – contrariando as dificuldades financeiras de forma criativa e persistente, brindou-nos com o “Rampa”! Descreveu-o como sendo um puzzle que combina duas fases da sua vida: a altura em que viveu em Chelas e o seu percurso após de lá ter sido despejada. Referiu ainda que foi uma boa experiência ter trabalhado com crianças e adolescentes (dos dez aos catorze anos), salientando o caso da personagem principal, também Margarida, que inicialmente achava que fosse desistir, por ser muito tímida, chegando a desatar a rir ao som do “acção!”, como escape. No entanto, acabou por surpreender a realizadora, enriquecendo a personagem com as suas aparentes fraquezas, tanto que todos ouvimos a confissão “tive muita sorte com a Margarida!”.

José Magro explicou-nos que o seu “Viagem” é a realização de um velho desejo, o de fazer um filme sobre um adolescente que sai de casa para voltar mudado, devido à “necessidade de superar um problema nem que seja à força”. Concorrente regular do festival, referiu que a sua participação deste ano é fruto do seu projecto final para a Universidade Católica, e que “(o guião) começou por ser uma sinopse muito breve, (…) as personagens começaram as nascer nas reuniões”.

Sandro Aguilar foi certeiro nas palavras ao descrever-nos as origens de “Bunker”. Trata-se de um realizador que gosta de que os seus filmes se auto-definam, até ao fim; garantindo que praticamente nada do que estava descrito no guião foi parar à tela: “existe um guião; eu é que não o leio e não lhe ligo nenhum!”. “Este filme quis ser doentio, e é assim!”, disse, antes de explicar que a sua relação com a câmara foi complicada, tanto que teve de filmar sem olhar para o monitor – “não me afeiçoei à imagem como ela era”. Quando lhe pediram para comparar esta obra com as anteriores, respondeu que achava “esta montagem mais musculada”, e que gosta da alternância entre o du réel e… karaté. É também de salientar que não houve quem não se risse ao ouvir a descrição das caóticas filmagens, por vezes de uma hora seguida, à luz da lanterna e com os vários membros da equipa a movimentarem-se de um lado para o outro, desaparecendo uma vez por outra no meio do mato. Terminou com uma frase marcante:

“Não gosto de estar no café a ouvir o que as pessoas estão a dizer ao lado – gosto de estar ao longe a imaginar o que elas estarão a dizer!”

Após um rápido lanche na simpática esplanada em que fregueses cinéfilos e realizadores vão fumando artisticamente o seu cigarro, acompanhado de um café espevitante, voámos novamente, desta vez para terras Polacas, em mais um Panorama Europeu. Às seis e meia arrancou a segunda sessão de Take One!, iniciada na segunda-feira e na qual estudantes universitários competem com os seus trabalhos. Seguiu-se uma refeição (que quase pareceu um jantar), e toca a ir para a primeira Competição Internacional do dia. Esta foi separada da seguinte por mais uma Competição Nacional e pelo “Rubber”, segundo na tabela In Focus Quentin Dupieux, no qual o idiossincrático músico e realizador Francês satiriza o cinema Hollywoodesco levando-o ao absurdo (na medida em que nos conta a história de um pneu assassino que não é mesmo para graças).

A sessão da meia-noite compreendeu mais uma produção Curtas. Depois de no dia anterior, Miguel Clara Vasconcelos e Manuel Mozos terem apresentado os seus filmes sobre Vila do Conde e a memória, coube a Sandro Aguilar e Lois Patiño mostrarem ao público as suas curtas-metragens sobre a zona norte de Portugal e com um ponto comum: a noite.

“Undisclosed recipients” corresponde a «algo aproximado a um documentário», como refere o autor Sandro Aguilar. Diz respeito a um filme gravado durante o Festival de Paredes de Coura. Segundo o realizador, quando o Curtas lhe fez a proposta decidiu agir instintiva e rapidamente no que concerne à produção, como é sua característica: «sou um sprinter» refere. Segundo o mesmo, trabalha desta forma pois permite-lhe «não pensar demasiado e ir reagindo». Depois faz uma montagem instintiva e potencia aquilo que criou. O desafio foi enorme, sendo que nunca havia estado num festival e encontrava-se num local com milhares de pessoas. Situação esta contrária à sua zona de conforto, sendo que os seus filmes «normalmente não têm ninguém ou poucas pessoas». Nesta curta, há uma constante intercalação de imagens que quase parecem sobrepostas. Imagens dos concertos, do rio, das pessoas que conversam e convivem, figuras anónimas nas quais vamos reconhecendo caras. Não há praticamente som, apenas o barulho das árvores ou da água e uma voz distorcida que dá textura à composição. Sandro Aguilar refere que esta é uma criação para «destinatários e emissores indistintos», como se fosse um fluxo de consciência. Em que as pessoas que observamos possuem alguns momentos de gravidade no rosto, parecem estar a reflectir, mas que principalmente transmitem «a maneira de estar no presente. Poderiam estar noutro lugar mas escolheram estar ali», espirito este do festival.

Quanto ao realizador galego Lois Patiño, apresentou “Noite sem distância”, focando-se na fronteira entre o nosso país e da sua Galiza. Um filme com imagem em negativo, que foca mais uma vez os temas que tem vindo a explorar: a dimensão da figura humana relativamente à paisagem, a imobilidade, o tempo. A história ilustra os vários contrabandistas da Serra do Gerês, portugueses e espanhóis (utilizando como atores alguns locais), que nos aparecem como vultos quase camuflados pela paisagem, como se fossem fantasmas. O realizador refere que a imagem em negativo não era suposta inicialmente, contudo o facto de criar a sensação de noite e de figuras espectrais agradou-lhe, passando a utiliza-la nesta experimentação. Quanto à curta-metragem e à sua forma de criar afirma que procura «uma experiência poética da imagem», uma forma de cinema «documental, contemplativo, narrativo, conceptual», como uma paisagem, a qual costuma definir como «estratos de tempo sobrepostos numa imagem».

Além destes filmes para o Campus, Lois Patiño liderou também um workshop sobre “Imagem e semelhança” com Jon Uriarte, durante este ano, e Sandro Aguilar uma masterclass na Universidade Católica. O projecto Campus é uma parte de produção do festival, em que procuram criar filmes de baixo custo e com parceria com as escolas de ensino superior artístico que procura integrar e instruir os alunos, interessados e participantes.

As produções curtas voltam na sessão de encerramento com “Nossa senhora da apresentação”, mas o festival continua nos próximos dias com muito cinema, concertos, conversas e festas.

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