Cultura
Nem Todas as Árvores Morrem de Pé — A Estreia Romancista de Luísa Sobral

Irreverente, florida. Assim se mostrou Luísa Sobral na Livraria Lello, no passado dia 27 de fevereiro, na apresentação do seu primeiro romance: “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé”.
A emblemática livraria do Porto não lhe ficou atrás — vestiu-se a rigor para a ocasião, adornada com arranjos florais delicados, que constrastavam com a madeira centenária. A sua famosa escadaria serpenteante fez-se cúmplice dos habituais lábios vermelhos da artista. E, claro, os livros que forram cada canto da loja criaram o ambiente perfeito para receber uma história também ela cheia de flores. Um jardim literário em plena cidade.
- Fotografia: Inês Aleixo
- Fotografia: Inês Aleixo
- Fotografia: Inês Aleixo
Mais do que bonita ou elegante, a apresentação — conduzida por João Gobern — foi cativante. Um convite inegável para quem, como eu, ainda não tinha lido o livro; ou um lembrete da sua essência, um espécie de reencontro, para quem já o levava debaixo do braço, com sorrisos, pronto a ser rubricado.
No meu caso, só foi preciso um clique para, no dia seguinte, ter o livro em versão digital. E foi quanto bastou: devorei-o. Leitura compulsiva, daquelas dignas de queimar pestanas, até se descobrir tudo sobre a narrativa. É esta a minha review do “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé” numa frase: numa escrita simples, mas impregnada de poesia, Luísa Sobral criou um verdadeiro page turner com alma.
Mas, voltando à apresentação, durante a conversa, Luísa partilhou alguns aspetos acerca do processo criativo: confessou que muitas decisões da narrativa não foram racionais, mas sentidas. Que algumas páginas lhe partiram o coração ao escrevê-las. Que viveu com as personagens como se fossem suas companheiras de casa. E, talvez por isso, sentimos que não é apenas a história que nos prende, mas a forma como ela se entrega — com voz própria, com ritmo, com verdade.
Organizado como um herbário, onde cada capítulo se inspira numa planta medicinal, “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé” espelha não só a paixão de M. como a da autora pelo mundo botânico. Esta estrutura invulgar, que usa as plantas como fio condutor da narrativa, confere ao romance uma dimensão quase terapêutica: cada espécie representa uma etapa, uma ferida, uma tentativa de cura.
- Fotografia: Inês Aleixo
- Fotografia: Inês Aleixo
- Fotografia: Inês Aleixo
Inspirado numa história verídica, o livro mergulha nas raízes da dor e da resistência feminina, evocando uma época frequentemente esquecida pelo olhar português — a da Alemanha dividida pelo Muro de Berlim. É nesse mundo fragmentado que as duas protagonistas crescem e vivem, separadas no tempo, mas unidas pelo trauma histórico e pela busca de pertença, até que M. encontra refúgio num lugar recolhido e pacato do interior português.
Nos entretantos, entre amores, desamores e sempre muitas flores, o romance oferece-nos, em doses suaves mas persistentes, uma visão íntima da polarização política e da força feminina. Tudo entrelaçado numa escrita que quase se ouve cantar.
Prometendo um novo romance em breve — desta vez sobre o fim da vida —, Luísa Sobral escreve com esta estreia na ficção para adultos um novo capítulo na sua já multifacetada carreira literária. Depois de se ter aventurado na literatura infantil, surpreendeu agora os mais velhos com “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé”, uma obra com uma galeria de personagens que permanecem connosco muito depois de virada a última página. Com uma escrita que respira como música, a artista revela-se não só uma excelente contadora de histórias, mas também uma voz literária promissora, capaz de tocar onde dói — e onde cura.
