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Educação

OFERECER MANUAIS ESCOLARES: COMO FUNCIONA?

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Tornar a educação universal e gratuita está consagrado na Constituição e na Lei de Bases do Sistema Educativo e é um dos objetivos da política discutida, atualmente, no país.

No início de março, por iniciativa do PCP, o Ministério da Educação garantiu a gratuitidade dos manuais escolares para o primeiro ano. Os manuais são emprestados em setembro e têm de ser devolvidos pelo aluno no final do ano letivo aos bancos de livros do Estado. Como os manuais têm a validade de quatro anos, vão ser reutilizados durante três anos consecutivos.

Este mês, Tiago Brandão Rodrigues criou um Grupo de Trabalho para a Gratuitidade e Reutilização dos Manuais Escolares. O grupo vai definir um programa de aquisição e uso de materiais didáticos, que assegure a gratuitidade progressiva em toda a escolaridade obrigatória, no prazo da legislatura.

Desta forma, o Governo vai “incentivar” a “reutilização [dos materiais didáticos], sem colocar em causa a liberdade de escolha das escolas”, de acordo com o despacho do Ministério da Educação.

O documento produz efeitos a partir da data da assinatura (13 de maio), devendo o grupo de trabalho apresentar um relatório final até seis meses após a sua constituição.

Representantes do Ministério da Educação, do Conselho das Escolas, da Associação Nacional de Municípios Portugueses e das associações de pais (CONFAP e CNIPE), assim como representantes da Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, do Comércio, da Direção-Geral das Atividades Económicas e da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) são os constituintes deste grupo de trabalho.

Objetivos a curto e longo prazo

A medida, inserida no Orçamento de Estado para 2016, vai começar a ser aplicada a partir do próximo ano letivo em todas as escolas públicas do país. Começa no primeiro ano do primeiro ciclo do ensino básico, uma vez que “é, claramente, um ciclo que exige, por parte do Estado, a responsabilidade de assumir o compromisso com as famílias e com a própria escola de condições dignas”, afirma ao JUP Tiago Aboim, dirigente do PS de Leça da Palmeira.

Luís Monteiro, deputado do BE na Assembleia da República, garante que, para um primeiro passo, “parece pertinente que o primeiro ano fosse alvo da experiência, que, à partida, será alargada”. “Vamos tentar construir a casa a partir da base”, afirma.

O objetivo da medida passa pelo combate de “uma grande diferenciação económica”, indica Luís Monteiro.

As famílias também vão ser valorizadas, “ou seja, é menos um encargo e menos um custo que as famílias têm com os livros do primeiro ano”, acrescenta Tiago Aboim.

O dirigente acredita ser possível incutir nas crianças um “sentido de igualdade de oportunidades”. Desta forma, os estudantes não são vistos como “meros decoradores ou chouriças pensantes” e começam a desenvolver a “capacidade crítica”, refere.

O ministro da Educação apontou que esta medida também vai fazer diminuir o insucesso e abandono escolares.

No entanto, Margarida Balseiro Lopes, deputada do PSD na Assembleia da República, afirma que, a partir do momento que a escolaridade mínima obrigatória passou para o 12º ano, já houve “um decréscimo grande naquilo que é o abandono escolar”, passando de quase 20% em 2010 para 13,7%, um valor mais próximo do objetivo de 10% até 2020.

Para a medida passar para a prática, Alma Rivera, membro da direção nacional e organismos executivos do PCP, acredita ser necessário haver “uma inversão de políticas que permita pôr o dinheiro ao serviço do próprio país”. “Há que escolher, por exemplo, se se dá o dinheiro aos bancos, ou para as funções sociais do Estado”, acrescenta.

Quanto custa esta medida?

Oferecer livros escolares a todos os alunos do primeiro ano vai envolver um investimento de cerca de três milhões de euros, beneficiando à volta de 100 mil crianças. Alargar a medida a todo o ensino primário, algo que está em cima da mesa para discussão pelos partidos, custa quase 12 milhões de euros (incluindo o ensino privado), segundo contas da Secretária de Estado Adjunta e da Educação.

Ao aplicar “uma verba indiscriminadamente para toda a gente, vai fazer com que noutras áreas em que efetivamente seja necessário ajudar quem mais precisa, já não se vai ter dinheiro para os apoiar”, considera Margarida Balseiro Lopes, que classifica a medida como “uma aberração”.

Em alternativa, Margarida Balseiro Lopes propõe a criação de “uma linha branca do tipo de conhecimentos que [o Ministério da Educação] quer que os estudantes adquiram no final do ciclo de estudo”, de forma gratuita. Um modelo “socialmente mais justo” que a deputada garante que “o Ministério da Educação, até pelo nível de detalhe que já tem das próprias metas curriculares, já estaria em condição de fazer” e que até poderia estar disponível em formato online. “Quem quisesse, efetivamente, ir comprar o manual da editora «x» ou da editora «y» podia fazê-lo, mas não era obrigado”, acrescenta.

Cortar nos colégios permite oferecer manuais escolares

Este mês, o Governo anunciou que vai deixar de financiar 370 turmas dos colégios privados no próximo ano letivo, ou seja, metade dos 79 colégios com contratos de associação não vão abrir novas turmas de início de ciclo. As turmas atingidas são do 5º, 7º e 10º ano de escolaridade.

Os contratos de associação são efetuados entre as escolas particulares e cooperativas e o Governo com o objetivo de garantir o acesso gratuito à educação a todos os alunos.

A revisão destes contratos permite ao Estado uma poupança entre 20 a 30 milhões de euros por ano. A Secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, afirmou nos últimos dias, em entrevista ao Diário de Notícias, que “dar manuais gratuitos a todo o primeiro ciclo – incluindo ao privado, sublinho – custa 12 milhões de euros”, ou seja, menos de metade da poupança com os privados.

O impacto no tecido livreiro

Um dos principais “players” em jogo nesta negociação são as editoras. A reutilização dos livros de ano para ano leva a uma menor produção de livros, o que implica a diminuição do lucro das editoras e, segundo um comunicado da Comissão do Livro Escolar da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), “graves impactos económicos” futuros no setor. No documento, esta associação considera ainda ser “seguro antecipar a destruição do tecido livreiro em Portugal”.

A APEL assinou em março com o Governo uma convenção que congela o preço dos manuais escolares para 2016/2017, assim como uma atualização de preços indexada à taxa de inflação para o ano letivo seguinte. Até aqui, verificava-se um aumento anual de 2,6% no preço dos livros, decorrente dessa taxa.

Uma vez que não vai haver esse aumento, Abel Batista, deputado do CDS na Assembleia da República, tem dúvidas quanto à relação desta medida e as editoras: “Se o Estado não pagar às editoras, sendo eles gratuitos para as famílias, como é que as editoras vão reembolsar dessa nova despesa? Não será que vão aumentar os manuais escolares dos outros anos?”.

Segundo o deputado, “o Ministério já reuniu com as editoras para saber se há uma nova forma de fazer a edição, qual é o custo que isso vai ter, seja para as famílias, seja para o Estado”, mas ainda não chegou a um acordo com o setor.

Esta terça-feira a APEL afirmou a intenção de ser ouvida pelo Provedor de Justiça. Em causa estão as queixas do Movimento pela Reutilização de Livros Escolares, feitas no ano passado, sobre o incumprimento da legislação e que implicam as editoras escolares.

Em julho do ano passado, o Movimento pela Reutilização dos Livros Escolares lançou uma campanha de recolha de reclamações de “obstáculos à reutilização dos manuais”, que têm (cada um) um prazo de “seis anos de vida”. Posteriormente, seria apresentada uma queixa ao Provedor.

Como ainda não houve desenvolvimentos do caso, a APEL decidiu renovar “junto da Provedoria de Justiça o interesse e disponibilidade em cooperar com aquele órgão do Estado para prestar todas as informações e esclarecimentos necessários”, diz o comunicado da associação divulgado esta terça.

Escolas ainda não sabem quem vai entregar os livros

Este ano, haverá novos manuais para o primeiro, quarto (apenas o de Inglês), quinto e 11º anos.

A escolha anual dos manuais do primeiro ano tem de ser feita pelos professores dos estabelecimentos de ensino até 20 de maio. Mas estes ainda não sabem quem é o responsável pela entrega dos livros às famílias.

A primeira decisão do grupo de trabalho vai ser o método de distribuição dos livros escolares.

Mais medidas em cima da mesa

A medida de gratuitidade dos livros escolares diz apenas respeito aos manuais, mas o PCP pretende alargar a proposta para os restantes recursos didáticos (por exemplo, os cadernos de atividades) e também a todos os anos de escolaridade obrigatória até ao fim da legislatura.

Para além disso, Luís Monteiro defende a ideia de “poder também haver uma bolsa de manuais escolares, ou seja, no sentido de haver um empréstimo de uso e reuso desses mesmos manuais”.

Margarida Balseiro Lopes propõe outros modelos alternativos, como “subsidiar apenas os livros, ou comparticipá-los”.

“Há uma série de medidas que não estão equacionadas no orçamento aprovado, ou seja, a «Escola a tempo inteiro» é uma vontade do Ministério, mas nem sequer é uma medida concreta ainda”, afirma Luís Monteiro. Assim como essa, existem muitas que só se vão concretizar no próximo Orçamento de Estado.

“São um conjunto de iniciativas que, independentemente de discutir a bondade delas, têm um impacto orçamental que não está contemplado no orçamento”, refere Ana Rita Bessa, deputada do CDS na Assembleia da República. A representante do partido afirma ainda que o Ministro foi “bastante evasivo quanto a esse assunto”.

Para este Orçamento de Estado, o deputado do BE afirma que “o corte que foi feito foi, principalmente, em despesas gerais ou intermédias, que são as despesas dos estabelecimentos de ensino, desde o ensino primário até ao ensino secundário”.

O combate ao insucesso escolar é outro dos enfoques da discussão dos partidos. Para a deputada do CDS o problema tem a ver com a “alocação dos recursos”. “Às vezes, não é preciso gastar necessariamente muito mais dinheiro, é preciso é saber onde é que os recursos são, realmente, mais necessários”, defende.

Para tal, Ana Rita Bessa propõe a existência de “mais recursos e equipas multidisciplinares no sistema, onde elas efetivamente fazem falta”. O objetivo é “garantir que as pessoas e os alunos e as suas famílias têm as respostas certas e não respostas transversais, iguais para todo o sistema”, acrescenta.

“Estamos a assistir, atualmente, por parte do Ministério da Educação, a uma consulta dos professores de como querem uma atualização dos currículos”, afirmou ao JUP Tiago Aboim. Além disso, estão também “a ser revistas as questões das metas curriculares” e a ser pensada a introdução do “pré-escolar, imediatamente a partir dos três anos”, refere.

A “educação sexual já está a avançar e já está implementada em muitas escolas” e “a questão da cidadania vai ser introduzida”, acrescenta Tiago Aboim.

Para Alma Rivera, do PCP, “é preciso uma política que rompa com conjuntos de constrangimentos que existem, que não estão a permitir desenvolver o país”, através, por exemplo, da atribuição de uma “taxa aos grupos económicos e financeiros”, da “renegociação da dívida e todos os encargos que ela tem”, assim como do desenvolvimento, “por exemplo, do aparelho produtivo do país”. Estas seriam algumas das “opções políticas” que Alma Rivera acredita contribuírem para “assegurar os direitos fundamentais às pessoas”.