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Artigo de Opinião

E O JORNALISMO?

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Caminhamos a passos largos para uma das eleições mais importantes da história da democracia portuguesa. Embora ainda com reservas e incongruências, todos os partidos com assento parlamentar estão em concordância acerca da necessidade de uma revolução no consumo de bens e energia, sob pena de uma calamidade climática. A próxima legislatura será fulcral para Portugal definir o rumo energético que pretende seguir. No entanto, mesmo eu, ambientalista desde o primeiro PowerPoint recebido na caixa de Gmail, confesso-me cansado da temática. O motivo é simples: legislar a favor do clima é obrigatório, mas impor sem educar pode ter resultados catastróficos – a aclamada Lei Seca é a prova mais dramática disso. É necessário educar, informar, enquadrar. E assim entramos sub-repticiamente nas águas lamentavelmente enlameadas do jornalismo português.

Tenho feito um acompanhamento não mais do que razoável da campanha eleitoral e não me recordo de o tópico alguma vez ter sido debatido. Talvez porque não é elegante criticar precisamente os órgãos que se encarregam de dar atenção mediática aos candidatos. Uma vez que o período pré-eleitoral é pródigo para falar de qualquer temática, o exercício que se segue pretende detetar alguns dos problemas do jornalismo português, propondo também caminhos alternativos que dignifiquem mais a classe dos jornalistas, tão importantes num sistema democrático.

PROBLEMAS

1 – Artigos cada vez mais curtos

Chega a patamares ridículos ler, em jornais online que são referência para milhares de leitores, notícias que não são mais do que três, quatro frases. O brio e a pesquisa são completamente nulos. Paralelamente, pelas mesmas razões, têm surgido os abomináveis artigos em vídeo. É todo um novo nível de presunção de iliteracia, chegando ao ponto da quase analfabetização do leitor. As razões são fáceis de explicar. Dado que estes jornais de que falo se regem por uma ótica empresarial, limitaram-se a acompanhar a evolução (negativa) do seu público leitor: hoje são raras as pessoas que não se informam sobre o que se passa no mundo através das redes sociais e, juntando este fator ao facto de a atenção de um ser humano padrão estar desde 2015 inferior à de um peixe de aquário (humano – 8 segundos; peixe – 9 segundos, segundo pesquisas da Microsoft), tem levado as empresas jornalísticas a optar pelas notícias rápidas e pelos vídeos, porque sabem que são raras as pessoas que leem os artigos longos, reportagens e outros conteúdos que exigem da parte do jornalista tempo, revisão e pesquisa profunda.

2 – Os leitores de títulos

A chamada pescadinha de rabo na boca: trata-se de um fenómeno que deriva e ao mesmo tempo fomenta o anterior. Se os jornais de referência cada vez apostam menos nos conteúdos escritos, então é natural que os novos leitores de redes sociais cada vez mais leiam o título da notícia, reajam com like, riso ou coração, e sigam a sua viagem de scrolls avulsos. Por outro lado, se os jornais sabem que os leitores só leem os títulos, então não sentem necessidade de investir o tempo dos seus funcionários em artigos com maior profundidade. Por muito estranho que possa parecer à primeira vista, a armadilha do clickbait pode ser uma boa arma para contrariar esta tendência, desde que haja interesse da parte dos jornais em produzir conteúdos mais informativos e trabalhados, o que não é, por norma, o caso.

3 – As páginas de Facebook

Uma das máximas da monetização na internet é que mais cliques, mais likes, mais tempo despendido num conteúdo/site é sinónimo de mais dinheiro para o seu produtor. No âmbito do jornalismo amador, tem-se assistido a um fenómeno que tem tanto de estranho como de curioso: uma foto com uma descrição informativa numa rede social tem um alcance incomparavelmente maior do que um link de notícia que remete para um site. Sim. A preguiça dos leitores chega a este ponto. Por aqui se percebe, por um lado, a necessidade dos órgãos noticiosos apostarem agressivamente no clickbait e, por outro, a explosão do Instagram como maior rede social do momento, embora com funcionalidades incomparavelmente mais reduzidas relativamente ao Facebook: porque a lei da inércia é imutável e a preguiça humana infinita, o audiovisual está a ganhar terreno ao texto e as plataformas têm de se adaptar para se manterem à tona neste estranho mundo em que quanto mais simples, diria até simplório, melhor.

4 – As empresas jornalísticas e os grupos empresariais

Cofina, Mediacapital, Impresa, etc., tudo nomes de grupos empresariais na área da comunicação social. Falar de empresas em jornalismo é, ao mesmo tempo, uma contradição e uma necessidade. Contradição porque todo o jornalismo, em génese e ideal, deveria ser independente. Necessidade porque essa independência, quando o desinteresse estatal pela informação é de tal forma gritante, não passa duma utopia confinada aos calhamaços teóricos. Por arrasto, esta entrada dos players privados numa área que deveria estar longe das pretensões negociais criou uma praga muito difícil de exterminar: os jornais de orientação ideológica. É certo que a história do jornalismo nos diz que a orientação ideológica de um jornal ou revista é uma inevitabilidade face à sua génese fundadora. No entanto, os riscos de se criar uma bolha ideológica e informativa são altíssimos e nefastos. Nacionalizar também pode não ser o caminho mais sensato, pelos mesmos perigos. Não parece haver uma alternativa, mas a verdade é que, enquanto a imprensa continuar a manifestar declaradamente cores políticas, a sua credibilidade continuará na lama.

5 – O jornalismo “reality show”

Nos dias de hoje, talvez devido à constante pressa frenética a que a rotina nos remete sem dó nem piedade, o jornalismo é muito pouco preparado previamente. No caso da imprensa escrita, dá-se primazia aos furos jornalísticos, ao chegar primeiro, noticiar primeiro que a concorrência. Importa mais ser o primeiro do que fidelizar pela qualidade e consistência. Como consequência inevitável, as peças são superficiais e, muitas vezes, com erros evitáveis de falta de revisão. Já no caso da televisão, preferem-se os diretos. Os diretos dão uma falsa impressão de que algo de relevante está a acontecer no momento quando, na maior parte dos casos, apenas enchem noticiários com jornalistas sob pressão a improvisar diálogos forçados e vazios de conteúdo com transeuntes que raramente acrescentam algo verdadeiramente valioso para o debate. O jornalismo de auricular é o reflexo último da abdicação total da imprensa e dos leitores/espectadores em relação ao jornalismo: no máximo pode chamar-se a isto entretenimento jornalístico, e do mau.

SOLUÇÕES

1 – Monetização dos conteúdos noticiosos nas redes sociais

Até ver, a solução encontrada pelos sites para não perder terreno face às plataformas de conteúdos que atuam diretamente nas redes sociais tem sido o clickbait. O click dá dinheiro e o acesso ao site leva o leitor ao contacto inevitável com as empresas que patrocinam os projetos jornalísticos. Desde que usado de forma consciente e moderada, o clickbait pode não ser um problema de maior. Porém, a solução, ainda que de execução trabalhosa, seria reivindicar a monetização de conteúdos lançados diretamente nas redes sociais. O Facebook é uma das quatro maiores empresas tecnológicas do mundo. Não remunerar os produtores de conteúdos que utilizam a sua plataforma não é, em 2019, aceitável. Um sistema semelhante ao do YouTube seria, sem dúvida, mais dignificante e, além disso, um enorme incentivo à produção de conteúdos fora da caixa.

2 – Formação em literacia jornalística

Na verdade, esta solução já está em andamento com o projeto-piloto “Literacia para os media”, organizado pela Direção-Geral da Educação em parelha com o Cenjor e com o Sindicato dos Jornalistas. Contudo, 100 docentes distribuídos por apenas 40 agrupamentos escolares é um número demasiado irrisório para ser levado a sério nesta fase. Urge expandir largamente o alcance do projeto. O potencial é enorme, os propósitos nobilíssimos. E antes tarde do que nunca.

3 – Mais dinheiro para o jornalismo independente

Comunidade Cultura e Arte, Gerador, Fumaça e Shifter lideram o jornalismo independente em Portugal. Maioritariamente formados por jovens, recém-formados na área ou não, têm dado, semana após semana, aulas de jornalismo competente aos órgãos com mais, digamos, idade. A título de exemplo, a cobertura que o site Fumaça tem feito às eleições legislativas tem sido inexcedível e sensacional, tendo em conta os escassos recursos comparativamente aos jornais convencionais – que optam pelo seguidismo das polémicas e por dar tempo de antena ao show off político. Estes jovens projetos de jovens jornalistas têm feito aquilo que parece tão simples: fazer jornalismo, seguindo uma linha editorial lógica e pensada. Na verdade, basta seguir os livros e manter uma máxima: isenção. O caminho está desbravado, o futuro está a ser indicado. Só falta coragem política para apoiar de facto estes projetos, mostrando o quanto são credíveis e de qualidade.

4 – Nacionalizar um jornal?

A RTP, embora com algumas incongruências, tem um funcionamento satisfatório, tentando servir os interesses da generalidade da população. É a prova de que não se deve olhar para a nacionalização como um bicho salazaresco. A convivência saudável dos órgãos públicos e privados parece-me o melhor caminho. Nessa medida, a nacionalização de um órgão de imprensa escrita seria sinónimo imediato de melhoria do critério editorial e da qualidade investigativa das peças. E, como prova o exemplo anterior, os riscos de orientação ideológica não são suficientemente preocupantes, uma vez que não estamos num estado constitucionalmente orientado nem ideologicamente viciado.

Neste momento, Greta Thunberg diria que o jornalismo português, a continuar assim, tem tanto futuro como o nosso planeta. Porém, o problema parece estranhamente esquecido pela própria opinião pública. Mais do que fazer diagnósticos e propor soluções, é necessário, antes de tudo isso, e passe a redundância, dar o tempo de antena que o jornalismo merece.

Artigo de João Pedro Mendes. Revisto por Adriana Peixoto.