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Artigo de Opinião

IoT: Autonomia Social ou é só a Internet das Coisas?

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Internet das coisas e inteligência artificial
Imagem: Freepik (IA)

Em um mundo onde os objetos exercem uma influência intrínseca sobre as pessoas, partimos do preceito de que: se me causa dependência, é porque tem poder sobre mim; se tem poder, pode me controlar; se me controla, é porque tem vida própria. Nesta espécie de “aliança”, descobrimos uma gradativa autonomia das coisas que nos torna cada vez mais dependentes de seu uso.

— Onde vamos parar? Não somos mais os mesmos desde que fomos ludibriados pelo uso [massivo] de objetos inteligentes e nos tornamos ciosos de todas as suas aplicabilidades. A modernidade cria ferramentas para nos dar mais funcionalidade e aumentar o desempenho das coisas, mas o que não percebemos é que, na verdade, estamos criando prisões humanas utilitárias: uma vida coordenada por máquinas cada vez mais ligadas à internet. 

Jane Bennett, ao desenvolver o conceito de materialismo vital, argumenta que “a vitalidade é compartilhada por todas as coisas”, indicando que essa cadeia de vitalidade não se limita apenas aos seres humanos. Isso nos leva a crer que a existência dos objetos nos transcende, pois eles existem não apenas por serem necessários a nós, mas enquanto entidades com “vida própria” além-útil.

Esses objetos, quando descartados, não deixam de existir, mas transformam-se em algo além do nosso uso imediato: tornam-se eles próprios?

Tal percepção pode ser percebida a partir do sentimento de confiabilidade que depositamos em nossos eletrodomésticos, por exemplo. Você acredita que a sua máquina de lavar sempre executará a sua função sem erros — a roupa sempre sairá bem lavada após o processo — pelo fato desta ser a função dela. Não se espera outra coisa da máquina que não isso. O micro-ondas, basta apontar o tempo e esperar que a comida fique pronta. E as panelas mágicas, nem se fala. A confiança que damos às funcionalidades desses objetos inteligentes promove a sua autonomia e, consequentemente, a sua “humanização”. 

Alexa: isso é tão Black Mirror, né?

David Rose, autor do livro Enchanted Objects: Innovation, Design, and the Future of Technology (2015), ressalta que os objetos inteligentes podem ser percebidos como extensões de nós mesmos, proporcionando novas formas de interação e funcionalidade. Podemos perceber o quanto a reflexão de David é evidente ao analisarmos a caracterização dos objetos como próteses funcionais, que auxiliam na expansão de nossas atividades, configurando-se uma tecnologia física de suporte ao humano. 

Essas próteses, por mais simples que sejam, agregam mais eficiência às nossas atividades básicas, auxiliando pessoas com “mobilidades reduzidas”, elevando-as para uma vida autônoma. Marshall McLuhan, em sua teoria os meios como extensões do homem, descreve que os objetos tecnológicos expandem as nossas capacidades, mas também transformam a nossa identidade e experiência. 

Para Alfred North Whitehead, filósofo, lógico e matemático britânico, a experiência do uso contínuo e aplicável dos objetos nos transforma. A cada nova tecnologia incorporada em nosso cotidiano, nos tornamos entidades diferentes, experimentando perdas e ganhos, além de promover um estado de “passividade”. 

Sherry Turkle, explora no livro Alone Together (2011) o quanto a tecnologia se tornou o “arquiteto de nossas intimidades”, destacando que a interação com as tecnologias altera diretamente a nossa forma de ser e estar no mundo, destacando que a novidade gerada pelo uso de novos objetos é responsável por criar uma dependência cíclica que redefine as nossas individualidades na sociedade digital contemporânea.

É como se o fator existencial das coisas dependesse da nossa aceitação. Contudo, elas não precisam de nós para existirem por si só. Quando feitas, elas simplesmente existem. E se te causa saudade [ausência] é porque já foi humanizada. É como se a nossa vida sofresse uma espécie de intervenção por esses objetos que possuem “vida própria” intermediada pela nossa própria vida.   

Um mundo cheio de extensões digitais

A caracterização dos objetos digitais na condição de “próteses” como o smartphone, por exemplo, que nos auxiliam na expansão de atividades como entretenimento, comunicação, acesso a serviços essenciais, bancos, educação e afins, faz com que sejamos cada vez mais dependentes dele enquanto parte integrante de nós. Um apêndice com funções vitais. Por mais simples que possa parecer, os smartphones agem como um objeto-catalisador de nossa vida. Essa relação de dependência, consequente do uso excessivo do smartphone, ou medo inexplicável de estar afastado do celular, é chamada de Nomofobia, significa o medo irracional de ficar sem o seu celular ou ser impedido de usá-lo por algum motivo, como ausência de conexão à internet ou bateria fraca.

A confiabilidade promove a autonomia dos objetos. Criamos ferramentas para nos proporcionar mais funcionalidade e agilidade na execução de tarefas, mas não percebemos que também estamos criando prisões humanas cíclico-utilitárias. Essa interdependência tecnológica, refletida na ideia de “padronização digital do humano”, sugere que, da mesma maneira que os objetos facilitam a nossa vida, eles também nos prendem a novos hábitos e formas de existência que reconfiguram a sociedade e nossa própria humanidade.

Estamos, cada vez mais, exterminando os nossos rituais de identidade, cultura e tradição. A Tecnologia, ao automatizar a nossa relação com métodos, relativiza processos, tornando o humano cada vez mais refém de ferramentas autoexecutáveis, ou seja, não se detém mais o conhecimento sobre determinadas atividades humanas básicas. Por exemplo, com o uso de panelas mágicas, receitas ou até mesmo os rituais de preparar pratos e comidas tradicionais são gradativamente esquecidos, e isso significa dizer que, com o passar do tempo, alguns “fazeres e saberes populares” deixarão de existir num futuro próximo, ou, na melhor das hipóteses, serão ressignificados de uma digital.

Autoajuda 

Durante a pandemia do Covid 19, retomei a minha agenda de leituras e dei de cara com a obra 21 Lições para o Século 21 (2018), do historiador Yuval Noah Harari — que indico fortemente! Essa é uma obra extremamente visionária e potencialmente apocalíptica, enfatizando a urgência que é a necessidade de se repensar a educação — em todas as suas escalas —, e as políticas sociais a fim de  enfrentar todos desafios vindouros de um mundo onde o trabalho humano será cada vez mais “não-essencial”.

Esta obra traz a “inutilização do humano” no contexto da rápida evolução tecnológica. Harari alerta para o — violento — avanço da inteligência artificial e da automação das coisas, fenômenos estes que ameaçam substituir muitas profissões tradicionais, tornando obsoletos vastos setores da força de trabalho humana, tornando inútil milhares de pessoas, levando a uma crise social sem precedentes.

Isso porque, conforme a IA vai ficando mais sofisticada, ela cria uma nova classe de humanos: os “super-humanos” aumentados pela tecnologia. O mundo capitalista costuma dizer que a IA jamais poderá se sentir como um ser humano, a ferramenta é apenas um auxiliar e nunca poderá ser tão criativa quanto um ser humano. Em 2050, não apenas a ideia de um “emprego para toda vida”, mas até mesmo a ideia de uma profissão para toda vida pode parecer lendas sobre sucesso. 

O futuro não pede licença. Ao nos deixarmos envolver pela autonomia dos objetos, devemos considerar as implicações dessa transformação digital. As “coisas” que criamos e usamos diariamente não apenas servem a propósitos práticos, mas também moldam nossa maneira de viver e interagir, levando-nos a questionar até que ponto estamos no controle ou se estamos sendo controlados pelas próprias criações que pensamos dominar.

O importante é buscar compreender o real impacto dessas ferramentas em nossas vidas. Muitas dessas tecnologias são capazes de elevar as nossas experiências, potencializando as nossas habilidades e promovendo um processo de produção cada vez mais ágil. Afinal, é inteligente munir-se dessas possibilidades, não se pode ignorar o futuro. Mas não devemos nos manter refém desses objetos inteligentes. Afinal, temos que interagir para fugir do vazio da existência numa vida onde o homem é o único animal capaz de dançar.

 

Artigo da autoria de Ícaro Machado

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