A COMUNIDADE LGBTI NUMA EUROPA MAIS DESTRA

Quando entrevistada pelo JUP sobre esta problemática, Paula Antunes, licenciada em Engenharia Ambiental pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e figura incontornável no ativismo LGBTI na Invicta, afirma que “É importante consciencializarmos as pessoas que os direitos adquiridos podem ser perdidos em qualquer altura”, acrescentando ainda que “ nada é permanente e as lutas mantêm-se, sobretudo em épocas de austeridade, quando a extrema-direita prolifera com base no medo, mais importante é combater esse pensamento.”

Ainda assombrada pelas memórias de um terrorífico conflito mundial do qual foi palco no século passado, que vitimou cerca de 30 milhões de civis, entre os quais judeus, negros e homossexuais, a Europa não pode dar-se ao luxo de considerar que o autoritarismo já é um problema ultrapassado; a atual crise económico-financeira vem ressuscitar o mostrengo adormecido das doutrinas de radical conservadorismo, o que constitui uma ameaça ao projeto europeu, mas sobretudo à ideia de Estado de Direito Constitucional e de Democracia, ameaça essa disseminada um pouco por todo o continente. A ganhar terreno perante o eleitorado estão: no Reino Unido, o partido “UKIP”, o “FPÖ” austríaco, o “Jobbik” na Hungria, a “Aurora Dourada” helénica, a “Liga Norte na Itália”, os “Verdadeiros Finlandeses”, o “Partido do Povo Dinamarquês”, os “Democratas da Suécia”, “Ordem e a Justiça” (Lituânia), apenas para enumerar alguns.

Para Paula, o fim do projeto europeu e o desmantelamento da União Europeia constituiria um grave problema para o ativismo LGBTI a nível internacional, pois “a Europa e a UE são, como se sabe, dos maiores defensores das causas LGBT.”

A extrema-direita atual encontra argumentos um pouco diferentes dos de outrora: abandona um discurso de ódio e apelo irracional à força, também numa tentativa de esbater as ideias negativas inerentes à sua ideologia, e critica agora os sistemas com base nas políticas de livre imigração, sobretudo de muçulmanos e romenos, defendendo exacerbadamente o “branco pobre”. Desta feita, e focando-se na erosão do património material e imaterial – isto é, uma espécie de desenraização cultural – alegadamente provocada pela imigração, pela União Europeia e pela globalização, procura a eliminação do euro e do projeto europeu. Aparentemente, estas políticas estão a resultar entre os cidadãos: nas eleições europeias de 2014, o Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas Cristãos) obteve 29,43% da votação, percentagem acompanhada por quase 10% para os Conservadores e Reformistas Europeus. Desta feita, dos 751 deputados com assento no Parlamento Europeu, 291 coadunam-se com a ala da direita política.

O ativismo levado a cabo pela comunidade LGBTI – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgénero, Intersexuais – é também apelidado pela própria por Orgulho, não se referindo aqui a uma superioridade de um grupo social sobre outro, mas antes à afirmação de identidade contra o preconceito e discriminação de que pessoas LGBTI ainda são alvo, à celebração da diversidade sexual e à comemoração da luta pelos seus direitos. Esta é uma temática fundamentalmente humana e de caráter verdadeiramente universal, na medida em que, enquanto movimento social vanguardista, rompe com as tabelas axiológicas ou valorativas milenares, que classificam e caracterizam os homens e as mulheres enquanto tal, assim como com a perspetiva social de que um casal é formado unicamente por um homem e por uma mulher.

O ativismo LGBTI

O ativismo LGBTI concretiza-se mundialmente, sobretudo, através de marchas, paradas e desfiles, mas também a partir de sessões de esclarecimento e reuniões de integração e interajuda realizadas por algumas associações. Em Portugal, são exemplo disso a ILGA, o CASA, a rede ex aequo e o caleidoscópio LGBT.

A origem das marchas de Orgulho LGBT remonta às manifestações Stonewall, em junho de 1969, nos EUA, quando, pela primeira vez, a comunidade homossexual e transgénero resistiu à violência policial de que era alvo. Surgiram, por isso, para recordar esse evento e como afirmação de identidade, de celebração da diversidade sexual e comemoração da luta pelos direitos LGBT – daí que junho seja o “pridemonth” por excelência.

Em território nacional ocorrem duas marchas do Orgulho LGBTI: a MOL, em Lisboa, iniciada em 2000; e a MOP, da Invicta, levada a cabo seis anos mais tarde. É também de dar relevo à Marcha Contra a Homofobia e Transfobia, em Coimbra, cuja primeira edição data de 2010.

Ainda assim, “há poucos activistas e muita gente que acha que o trabalho está todo feito e não é preciso lutar pelos direitos LGBTI e humanos. Engano crasso, é possível sempre fazer mais”, alega Paula.

Não havendo estudos conclusivos sobre o que motiva biologicamente as diferentes orientações e identidades sexuais, mas sendo estas consideradas variações sexuais normais tanto pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como pela APA (American Phsychological Association), deve-se reconhecer uma considerável evolução ideológica, tanto do ponto de vista médico e biológico, bem como do senso-comum, pois estarão dissipadas, na generalidade das mentes, a ideia de que estas variações sexuais são nefastas ou patológicas. O que não impede que o processo de auto-descoberta e auto-aceitação seja complicado, como no caso de Paula: “Passei por um percurso muito difícil na minha vida, primeiro por falta de informação LGBTI, depois por conhecer poucas pessoas que me pudessem ajudar nesse percurso. E quando fiz o meu coming out, e cresci como mulher bissexual e ser humano, decidi que não queria ver mais gente a passar pelo que eu passei e que iria fazer o que pudesse para contribuir para mudar a realidade LGBTI em Portugal (…) O ativismo tornou-se – e é – grande parte de quem eu sou. Mudou-me, tornou-me mais forte, mais humana, mais lutadora, mais compreensiva com quem é “diferente” de mim. Mudou a forma como vejo o mundo e como luto para que ele seja melhor. “Sê a diferença que queres ver no mundo”, disse Gandhi. E eu faço por isso.”.

Visto que, na perspetiva semântica, a extrema-direita corresponde ao conjunto de políticas, doutrinas, ideologias ou partidos de carácter fundamentalmente conservador e radical, essa ideologia põe em causa os valores basilares de Igualdade e Liberdade defendidos por qualquer Estado Constitucional, dado que adota como principal linha de ação política o enquadramento de massas, isto é, a uniformização dos diferentes indivíduos a vários níveis, desde a sua conduta, forma de pensar, personalidade, até ao vestuário, como, também, o nacionalismo.

Assim, é admissível que a instauração de um regime de extrema-direita seja um fator prejudicial da diversidade de géneros, sexos e orientações sexuais – e, portanto, gere um efeito de retrocesso sobre as mentalidades e sobre os direitos já conquistados, tanto política como jurídica e socialmente por estes indivíduos.

Quanto ao respeito por estes direitos por parte do atual governo português, Paula acredita que “o principio de igualdade [constitucional] nunca é 100% cumprido, mas a verdade é que ainda não chegámos aos exemplo de Espanha em que os direitos LGBTI conquistados estão – lá está – a ser retirados. Mas é possível, tudo é possível, daí a necessidade de, em época de crise e dificuldade, relembrar que os direitos humanos (LGBTI incluídos) não podem ser renegados.”, até porque a luta LGBTI diz respeito a toda a humanidade  “tal como a luta contra o racismo e xenofobia não diz só respeito às minorias étnicas, tal como o feminismo não é só para as mulheres. Todos estes são direitos humanos antes de mais, e faz todo o sentido que sejam abrangentes em quem os serve na sua luta.”

O estranho caso G.A.S.H

O caso G.A.S.H poderá merecer algum destaque, na medida em que traduz, de certa forma, o “casamento ideológico” improvável: a ideologia nazi e a homossexualidade.

O movimento G.A.S.H (Gay Aryan Skinheads) é um movimento originalmente russo, e atualmente disseminado por toda a Europa e pelos E.U.A, que pretende expurgar o mundo de nacionalidades que considera”sujas”, considerando ilegítimas as uniões inter-raciais.

Desligados das restantes comunidades gay, os indivíduos do G.A.S.H negam a ideia de que os homossexuais são homens delicados, incapazes de fazer valer pela força física os seus ideais. Dando total primazia à misoginia e à adoração por tudo o que é masculino, recusam colaborar com lésbicas ou com transexuais ou transgénero e assumem o ato sexual como um ato de violência física, sadomasoquista, um ato de “paixão primitiva”.

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