Opinião
Primavera Sound — O arranque do(a) Primavera

Do calor da tarde ao êxtase da noite, o primeiro dia do Primavera Sound 2025 trouxe consigo uma celebração da diversidade musical.
Cheguei por volta das quatro e meia da tarde, mesmo a tempo dos primeiros concertos do dia. O Parque da Cidade, com o seu verde vivo e as árvores a acolherem-me de braços e ramos abertos, dançava já ao sabor do tempo quente e da música que preenchia o recinto vasto.
Porque se há uma palavra que descreve o espaço que acolhe o Primavera Sound, é essa: vasto. Mas, de certa forma, também profundamente acolhedor.
A artista que inaugurou o palco principal, Tulipa Ruiz — que, só agora reparei, tem um nome perfeito para abrir este festival — trouxe presença e personalidade em doses generosas. Com a sua voz poderosa e jazzy, a cantora, compositora e ilustradora brasileira fez companhia aos amantes de música que dançavam ao seu som, ou simplesmente balançavam a cabeça sentados na relva, a aproveitar este belo dia primaveril.
De seguida, embrenhamo-nos mais no Parque da Cidade, rumo a uma das suas galerias naturais: uma rampa coberta de relva suave e salpicada de tocas de toupeira, que não terão apreciado particularmente a nossa presença, mas que talvez tenham gostado da música de Momma. Do alto, a vista para o palco Revolut era perfeita. Fui sem grandes expectativas em relação à maioria dos artistas, mas Momma foi uma das revelações do dia. A banda indie rock americana não ficou atrás em presença de palco, e o público foi crescendo, atraído pela energia e pela sonoridade familiar e reconfortante do seu indie.
Não posso deixar de referir o palco Super Bock — o mais íntimo de todos — com a sua disposição perfeita para quem prefere sentar-se, beber um fino e apanhar sol. Um festival em pausa ativa. Um festival que sabe esperar pelo verão e inaugurá-lo em grande.
Dehd seguiram-se no palco principal, com um concerto no mínimo elétrico e, para a hora do dia, absolutamente certeiro. Entre os que ainda chegavam e os que já estavam ali há horas, um relâmpago percorreu o corpo coletivo do público. A voz cortante de Emily Kempf foi o ponto alto para mim.
No palco Vodafone, também ele numa galeria relvada, atuaram os Glass Beams — banda da qual sou apreciadora desde a primeira vez que os vi ao vivo. Ninguém parecia indiferente, seja pelo visual impactante do trio – que se apresenta sempre com máscaras elaboradas –, seja pela envolvência dourada da sua música. Uma fusão de sonoridades contemporâneas com influências da música asiática que criou um verdadeiro transe coletivo. A música que se quer num festival: aquela que nos puxa, nos prende, nos envolve. Aquela que nos relembra de respirar num mundo demasiado acelerado.
Com o palco Porto a abarrotar, os Fontaines D.C., um dos cabeças de cartaz desta edição, não dececionaram. Com um álbum lançado há menos de um ano e um público que vestia t-shirts da banda, falava línguas de longe e cantava em uníssono, foi impossível não sentir a força que esta banda pós-punk irlandesa tem conquistado. Tocaram clássicos como “I Love You” e “Favourite”, sem esquecer “Starbuster”, do novo álbum “Romance”. O público respondeu com entusiasmo, sobretudo aos apelos políticos em apoio à Palestina — um posicionamento que a banda sempre assumiu de forma clara e sem rodeios.
A segunda revelação do dia foi Magdalena Bay. De forma teatral e vibrante, Mica Tenenbaum encheu o palco Revolut de cor, vida e visuais inesperados. A sua voz doce e áspera, a energia contagiante e o pop alternativo da banda conquistaram-me por completo. E ao público também, pelo que pude ver na forma como dançaram e cantarolaram sem parar.
Ao longo do dia, as referências a “brat” multiplicavam-se — verdadeiramente incontáveis. E por fim, chegou o momento: Charli XCX entrou em palco com uma confiança irreverente, óculos escuros postos e atitude a condizer. Sozinha, carregou o espectáculo inteiro, com canções que já são marca do pop contemporâneo e um final arrebatador com “I Love It”.
Na sua figura ímpar — feminina, ousada — Charli XCX deu o espectáculo da noite. Assinalou o primeiro aniversário do álbum “brat”, numa tentativa de não deixar que este disco fique apenas no verão de 2024.
O primeiro dia do Primavera Sound 2025 não terminou aqui. Caribou, no palco Vodafone, e The Jesus Lizard, no palco Revolut, mantiveram a energia até tarde, antes de The Dare fechar com chave de ouro dançante este dia cheio de cor e som.
Durante o dia, passaram ainda pelo festival nomes como Surma, Christian Lee Hutson, Angélica Garcia, This Is Lorelei, Alan Sparhawk, ANOHNI and the Johnsons e High Vis — uma lineup versátil, pensada para todos os gostos e todos os ritmos. Para quem quer dançar até ao limite, para quem quer apenas ouvir de olhos fechados.
