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Ciência e Saúde

As seis ameaças à vida humana, segundo a universidade da ONU

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Fonte: UNU | Space X on Unsplash

Num relatório lançado no final de outubro, a Universidade das Nações Unidas (UNU) estabelece as principais ameaças aos sistemas essenciais à vida humana, que podem gerar danos irreversíveis para as pessoas e para o planeta. Todavia, não é demasiado tarde para agir.

 

São seis os riscos que o Instituto para Segurança Ambiental e Humana da UNU (UNU-EHS), estabelece no seu mais recente relatório científico, o “Interconnected Disaster Risks Report 2023”: extinção de espécies, esgotamento de águas, degelo, lixo espacial, calor insuportável e crise de sistemas de seguros.

Os diferentes tópicos apresentados demonstram que os riscos para a humanidade se estendem para além de um único domínio — seja ele o clima, ecossistemas, sociedade, tecnologia, etc. — estando inerentemente interligados, quer entre si, quer com a atividade humana.

Para além de explicar e contextualizar cada um dos pontos, o relatório introduz ainda o conceito de “ponto de rutura do risco”, definido como o momento em que um sistema socio-ecológico deixa de ser capaz de cumprir as funções esperadas e de moderar os riscos. A esse ponto, o possível impacto na sociedade aumenta substancialmente, podendo atingir a um nível catastrófico.

Extinções aceleradas

Um dos seis riscos apontados é a aceleração da extinção de espécies, que, atualmente, já apresenta valores 10 a 100 vezes superiores à velocidade de extinção natural do planeta. A principal causa deste aumento é a intensa atividade humana, particularmente o uso de terras, sobre-exploração, introdução de espécies invasivas nos ecossistemas, poluição e alterações climáticas.

Devido às fortes conexões entre espécies dentro dos ecossistemas, a extinção de uma delas irá inevitavelmente alterar o total funcionamento do sistema. O ponto de rutura é atingido no caso de esta se tratar de uma espécie-chave, isto é, uma espécie cuja extinção desencadeia a extinção de espécies dependentes, levando ao colapso de ecossistemas inteiros.

Esgotamento de águas subterrâneas

O acesso a água é também um dos temas centrais do relatório. Cerca de 2 biliões de pessoas dependem de reservatórios de águas subterrâneas – também denominados de aquíferos – para o seu acesso a água potável. No entanto, 70% da água retirada destas fontes é usada na agricultura, sendo que metade dos maiores aquíferos do mundo estão a ser mais rapidamente consumidos do que o seu reabastecimento natural.

No caso do nível de água descer a ponto de se tornar inacessível, sistemas inteiros de produção de alimentos podem falhar. O esgotamento de reservatórios de água afeta, não só a segurança alimentar, como também a economia, o ambiente e a sociedade como um todo.

Países como a Arábia Saudita já experienciaram pontos de rutura similares nos anos 90. As perdas de grandes produções de trigo, devido à seca de fontes de água, levaram à necessidade de importação, num país que tinha sido o sexto maior exportador de trigo do mundo. Outros países estão atualmente na iminência de fenómenos semelhantes.

Degelo dos glaciares

A velocidade do degelo dos glaciares, que armazenam grandes quantidades de água doce, e que sustentam ecossistemas inteiros, duplicou em relação às duas últimas décadas.

Na eventualidade de um glaciar derreter ao ponto de produzir o volume máximo de água que contém, atinge-se o chamado “peak water”. O “peak water” de diversos pequenos glaciares na Europa Central, Canadá Ocidental e América do Sul já foi atingido, ou espera-se que aconteça nos próximos dez anos. Se esta tendência se mantiver, muitas comunidades podem enfrentar problemas de falta de água para atividades essenciais como a agricultura, podendo mesmo perder o acesso a água potável.

Calor insuportável

O relatório menciona ainda o aumento da temperatura global, causado pelas alterações climáticas. As consequências deste aumento já têm sido sentidas, com fenómenos de ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas, e com a expetativa que estes acontecimentos só se venham a agravar. Nas duas últimas décadas, o calor excessivo foi a causa de meio milhão de mortes, afetando de forma desproporcional grupos mais vulneráveis, devido a fatores como a idade, estado de saúde ou profissão.

Valores de temperatura, acima do suportável para um ser humano, já foram registados em diferentes pontos do planeta. É estimado que, a exposição a temperaturas de bulbo húmido acima de 35°C por mais de 6 horas, seja lesiva, mesmo para um ser humano jovem e saudável.

O conceito de temperatura de bulbo húmido engloba a combinação dos fatores de temperatura e humidade relativa, já que a tolerância ao calor extremo é dependente de ambos. Valores elevados de humidade impedem a evaporação do suor, necessária à regulação da temperatura corporal, da qual depende o funcionamento dos órgãos.

O ponto de rutura do calor extremo pode ser atingido caso a temperatura de bulbo húmido ultrapasse o valor limitativo de 35°C (equivalente a 35°C de calor a 100% de humidade, ou 46°C com 50% de humidade) em regiões populosas do planeta, já que estas são condições incompatíveis com a vida humana. Estimativas atuais indicam que, em 2070, regiões do Sul Asiático e do Médio Oriente irão ultrapassar este limite com regularidade. Em 2100, mais de 70% da população global pode ter de enfrentar estas condições em pelo menos 20 dias do ano.

Lixo espacial

Um dos pontos menos reconhecido, por ter presença reduzida em debates sobre o clima, é a acumulação de lixo espacial. Atualmente, apenas 25% dos objetos rastreados em órbita são satélites funcionais, sendo o restante lixo espacial abandonado. A estes acrescem objetos de tamanho pequeno, não rastreáveis, com um número estimado a rondar os 130 milhões.

Até objetos pequenos, devido à velocidade a que orbitam (~ 25000 km/h), podem causar colisões, com o problema a agravar-se à medida que mais objetos são colocados em órbita. A ameaça de colisões em cadeia pode tornar a órbita da Terra inutilizável, comprometendo todo o sistema de utilização de satélites, usados para monitorizar o tempo, mudanças ambientais e alertar para catástrofes meteorológicas.

Crise de sistemas de seguros

O último ponto do relatório aborda os sistemas de seguros. Os danos resultantes de desastres climáticos aumentaram 7 vezes desde a década de 70, representado uma quantia de 313 biliões de dólares americanos (cerca de 288 biliões de euros) em perdas globais, só no ano de 2022. Prevê-se ainda que os desastres climáticos dupliquem até 2040, com as alterações climáticas a ampliar áreas de risco de eventos como fogos e tempestades.

Para além das consequências climáticas e sociais, é previsto que estes eventos causem profundas mudanças, e uma eventual crise, nos sistemas de seguros.

Valores de seguro em zonas de risco aumentaram 57% desde 2015, com algumas companhias a limitar o tipo de danos que cobrem, cancelar planos de seguros ou escolher abandonar certas zonas de mercado.

O ponto de rutura neste contexto surge quando os seguros ficam indisponíveis ou demasiado caros, deixando pessoas em situações vulneráveis e sem proteção, com um potencial impacto socioeconómico enorme.

 

Sendo reconhecidos os seis possíveis riscos e os seus respetivos pontos de rutura, o relatório do UNU-EHS desenvolve ainda possíveis soluções, que possam tirar partido da interligação entre os diferentes domínios. Estas soluções que passam por mitigar as causas do problema, ou conceber a melhor adaptação a mudanças que já se demonstram inevitáveis.

O UNU-EHS é um de 13 institutos, distribuídos por 12 países, que compõe a organização académica da organização das nações unidas (ONU), que promove políticas e programas para reduzir os riscos ambientais e de mudanças globais.

“O relatório serve como um lembrete oportuno antes da cimeira da ONU sobre o clima, de que todos nós devemos fazer parte da solução”, comentou uma das principais autoras e Vice-Diretora do UNU-EHS, Dra. Zita Sebesvari, em comunicado à imprensa.

A cimeira das Nações Unidas sobre mudanças climáticas de 2023 (COP28), realiza-se este ano no Dubai, entre os dias 30 de novembro a 12 de dezembro.

Artigo da autoria de Ana Luísa Silva. Revisto por Joana Silva.