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Ciência e Saúde

COP28: os principais resultados da cimeira do clima

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Fonte: COP28 | Christopher Pike via Flickr

A cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas de 2023 chegou ao fim no passado dia 13 de dezembro, com o acordo, que inclui o afastamento dos combustíveis fósseis, aprovado já em horas extraordinárias.

 

O “princípio do fim” da era dos combustíveis fósseis: foi assim declarado o acordo do Balanço Global (‘Global Stocktake’), da 28ª edição Cimeira do Clima (COP28), que determina uma transição para alcançar a neutralidade carbónica até 2050, que seja rápida, justa e equitativa, reconhecendo a necessidade de profundos cortes de emissões e aumento de financiamento.

A queima de combustíveis fósseis é a maior fonte de emissões geradoras de alterações climáticas, sendo o afastamento desta prática considerada uma das medidas fulcrais para enfrentar a crise climática e para atingir o objetivo estipulado no Acordo de Paris, assinado na edição de 2015 da cimeira, de limitar o aquecimento global a 1,5 °C.

É a primeira vez que um texto do acordo final da COP faz referência aos combustíveis fósseis. Ainda que se trate de um marco histórico, foi a inclusão de linguagem que sinaliza o fim dos combustíveis fósseis, que levou ao prolongamento das negociações para além do prazo, tendo arrastado a cimeira para um imprevisto 13º dia. O primeiro rascunho do acordo, que não incluía este compromisso, ia contra as exigências de uma centena de países, das Nações Unidas, assim como de ambientalistas e ativistas.

A versão final do acordo, aprovada unanimemente, defende uma “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos” até 2050, embora não inclua objetivos vinculativos definidos, uma falha considerada por muitos cientistas e ativistas como devastadora.

 

O que é a COP28?

A COP28, sigla para a 28ª Conference of Parts, é uma conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC). Trata-se de uma cimeira anual, organizada pelas Nações Unidas, que reúne diplomatas e líderes mundiais em delegações de 197 países, para discutir planos de mitigação dos efeitos da ação humana no clima e adaptação de territórios às consequências das alterações climáticas.

A edição de 2023 decorreu ao longo de duas semanas no Dubai. A escolha do país anfitrião é rotativa, alternando entre as regiões das Nações Unidas, sendo que a decisão pelos Emirados Árabes Unidos (EAU), um dos maiores países exportadores de petróleo, e país membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), foi recebida com algum ceticismo. Também a entrega da presidência a Sultan Al Jaber, Ministro da Indústria dos EAU e presidente da petrolífera estatal árabe ADNOC, foi marcada por controvérsia, com dúvidas em relação a possíveis conflitos de interesse e ao risco de falta de ambição no acordo final.

No entanto, os anfitriões rebateram as dúvidas, declarando-se estrategicamente bem posicionados para convencer outros países produtores de petróleo e gás a avançarem na redução de emissões. Também a resposta diplomática apresentada foi a de que nenhuma nação deve ser excluída do processo, e que qualquer decisão é tomada num processo colaborativo, por todas as nações.

Para além de ser um evento político e diplomático, a COP28 é também um evento aberto ao público geral. Esta é dividida em dois locais principais, a zona azul, destinada aos participantes acreditados, onde aconteceram reuniões oficiais e negociações; e a zona verde, destinada ao público, e onde ocorreram exposições e eventos organizados pela sociedade civil, academia e empresas.

 

Os líderes mundiais presentes (e ausentes)

O evento acolheu mais de 80 mil pessoas, entre diplomatas, políticos, negociadores, observadores e comunicação social, assim como mais de 150 líderes mundiais, tornando-se a maior cimeira climática de sempre.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, que discursou na abertura da cimeira, assim como nos dias antecedentes ao acordo final, foi direto nos seus apelos: “O planeta está a minutos da meia-noite para o limite dos 1,5 ºC. E o relógio continua a contar”, afirmou Guterres à imprensa. “Agora é o momento para a máxima ambição e máxima flexibilidade”, salientando a importância de reconhecer “a necessidade de eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis”.

Vários líderes mundiais destacaram a urgência de ação e declararam os seus compromissos, com discursos de representantes políticos de todo o mundo, e de figuras célebres como Carlos III do Reino Unido, o diretor geral da Organização Mundial de Saúde Tedros Adhanom, ou anterior CEO da Microsoft, Bill Gates.

Duas ausências notáveis foram as de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos da América (EUA), e Xi Jinping, presidente da China, sendo os seus países os dois maiores emissores de gases de efeito de estufa do mundo.

Ainda assim, ambos os países enviaram representações significativas, do lado norte-americano com a vice-presidente Kamala Harris a juntar-se à delegação, da qual faz parte o enviado especial para o clima, John Kerry, e o lado chinês representado pelo enviado especial Xie Zhenhua.

Portugal participou nas discussões enquanto membro do bloco europeu, liderado pelo comissário europeu para a Ação Climática, Wopke Hoekstra, e do qual participa a eurodeputada portuguesa Lídia Pereira, e ainda através de uma delegação independente liderada pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática.

António Costa foi também um dos líderes presente, tendo discursado no dia 2 de dezembro, defendendo a necessidade de uma ação climática mais rápida e ambiciosa, e afirmando “não há humanidade B”. Pela primeira vez neste evento, o programa português incluiu um pavilhão autónomo, dedicado a divulgar as ações climáticas no país, que acolheu também eventos de outras delegações de língua oficial portuguesa.

 

Os principais pontos do acordo final

Um total de 21 páginas constituem o documento final, acordado pelos quase 200 países participantes, após duas semanas de negociações, que foram consideradas difíceis, particularmente no tema dos combustíveis fósseis.

Embora não se trate de um acordo juridicamente vinculativo, é um mapa dos compromissos mundiais e dos pontos chave na questão climática, e é esperado de cada país que cumpra os objetivos delineados através de políticas e investimentos nacionais.

Um dos pontos incluídos no acordo, com grande clareza em relação ao desafio que representa, foi o reforço da limitação do aumento da temperatura global a 1,5 °C. Este é um objetivo que se reconhece requerer um corte de 43% nas emissões até 2030 e de 60% até 2035, em relação aos níveis de 2019, e que implica um aumento profundo das políticas de cada país. Também foi determinado o objetivo de triplicar o uso de energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030.

Após ter sido alvo de debate, dada a importância da linguagem usada, o acordo estabelece uma necessidade de “transição para o abandono” dos combustíveis fósseis: ’transitioning away’, foi a declaração escolhida, versus o inicialmente esperado ‘phasing out’ – o fim dos combustíveis fósseis. O uso de uma linguagem mais forte era defendido por nações vulneráveis e algumas economias mais pequenas, mas também por superpoderes ocidentais como a União Europeia, Reino Unido e EUA. Todavia, com outros países dependentes de gás e petróleo a oporem-se, e havendo uma clara divisão, o término assumido dos combustíveis fósseis não foi incluído no acordo.

Afirmações que estabeleciam a necessidade de um pico nas emissões até 2025 também não foram incluídas na versão final do documento, com objeções de países como a China – embora as previsões estimem que o seu pico de emissões irá ser possível até essa data. Também linguagem apoiada pelo lobby dos combustíveis fósseis, acerca de “combustíveis de transição”, que na prática representam gás natural, e de “captura, utilização e armazenamento de carbono” estão incluídas no acordo.

O documento reconhece as enormes necessidades de financiamento, necessário para cumprir os objetivos de mitigação, através da construção de novas fontes de energia limpa; financiamento para os objetivos de adaptação, para preparar as comunidades mais vulneráveis; e, por fim, financiamento de danos e perdas, para a recuperação após eventuais desastres climáticos.

O fundo climático de perdas e danos, uma promessa da COP anterior, foi efetivado nesta edição, fundo este para o qual diversos líderes de grandes economias, como a Alemanha, Emirados Árabes, EUA, Reino Unido e Japão prometeram contribuições na ordem das centenas de milhões de euros, um valor significativo, mas mesmo assim considerado insuficiente face às necessidades estimadas.

 

A reação global pós-COP28

Embora seja assumido o carácter histórico do documento, e sua versão final tenha recebido reações positivas de diferentes partes, há também quem lhe aponte lacunas e questione a linguagem como insuficiente.

“Do fundo do meu coração, obrigado”, declarou o presidente da cimeira Sultan Al-Jaber. “Trabalhámos arduamente para garantir um futuro melhor para o nosso povo e para o nosso planeta. Devemos estar orgulhosos dos nossos feitos históricos.”

John Kerry, enviado especial dos EUA para o clima, agradeceu os esforços da presidência árabe, sem deixar de ressalvar: “Devia existir uma linguagem mais clara sobre a necessidade de se atingir um pico” na produção e uso de combustíveis fósseis.

Já António Guterres foi claro na sua defesa do fim dos combustíveis fósseis, mesmo que essa não tenha sido a proposta resultante da cimeira: “Quer gostem ou não, o fim gradual dos combustíveis fósseis é inevitável. Esperemos que não aconteça tarde demais”.

Wopke Hoekstra, na cimeira em representação da União Europeia, aplaudiu o acordo, declarando que “desencadeou uma transição irreversível e acelerada para o afastamento dos combustíveis fósseis”. Já Teresa Ribera, ministra espanhola da Transição Ecológica e também ela representante dos governos da União Europeia nas negociações, reconhece os prós e contras do acordo: “Gostaríamos de ver muito mais ambição, mas este acordo é um ótimo passo em frente”.

Em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa mostra-se satisfeito com o “acordo histórico”, destacando ainda a “necessidade de prosseguir no cumprimento dos progressos alcançados” e apelando à tomada de “ações concretas e urgentes”.

O ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, comentou a linguagem do acordo em declarações ao Público, afirmando a posição de Portugal e da União Europeia: “Sabemos que diplomaticamente às vezes bloqueamos relativamente a determinadas expressões, mas todos assumimos na União Europeia que ‘transitioning away’ é sair da era dos combustíveis fósseis”.

Embora tenham sido reconhecidas lacunas por alguns líderes mundiais, estas foram profundamente salientadas por grupos de cientistas e ativistas climáticos.

Stephen Cornelius, o vice-líder global do clima e energia do ‘World Wide Fund for Nature’ (WWF), considerou que a versão final é melhor do que a inicial, mas que não chegou a atingir o ponto necessário.

A ativista Greta Thunberg classificou o acordo como uma “facada nas costas” aos países mais vulneráveis, afirmando que “não tem força suficiente para nos manter dentro do limite de 1,5 graus”.

Também em Portugal, diferentes entidades e organizações, como a Quercus, Climáxico, Greve Climática Estudantil, entre outras, constataram a insuficiência do acordo. O presidente da associação ambientalista ZERO, Francisco Ferreira, considerou o acordo alcançado um “avanço importante”, mas com um “sabor agridoce”, falando de “pontas soltas” e declarando que “não reflete a necessidade de financiamento necessária, nomeadamente na questão das perdas e danos e também no equilíbrio entre os esforços de mitigação e adaptação”.

 

Que passos se seguem?

A próxima ronda de planos nacionais, as contribuições determinadas nacionalmente (NDC) – um indicador estabelecido pelo Acordo de Paris, que representa os compromissos de cada país em reduzir a emissão de gases de efeito de estufa e adaptar-se aos impactos climáticos – deve ser entregue em 2025, e é esperado que os países tenham aumentado e aprofundado os seus compromissos e políticas em concordância com o estabelecido nesta cimeira.

A COP29 irá acontecer no próximo ano no Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro – com o apoio dos países do leste europeu, e a COP30 será no Brasil, em 2025.

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Artigo da autoria de Ana Luísa Silva. Revisto por Joana Silva.