Kingdom: parasitologia sobrenatural na dinastia Joseon

Numa mistura única de história da Coreia e criaturas sobrenaturais, a série Kingdom desafia as fronteiras entre a ciência e a ficção, proporcionando ao espectador uma nova abordagem ao horror histórico.

Elenco Principal de Kingdom —Fonte: Netflix

Sinopse

Passado no período de Joseon, isto é, no último reino dinástico da Coreia, Kingdom é uma série sul-coreana que combina o drama histórico e o mundo sobrenatural.

Como resultado de uma praga de varicela, o rei de Joseon adoece e, posteriormente, morre. Entretanto, o príncipe Lee Chang, primogénito do rei e herdeiro do trono, é acusado injustamente de traição pelo clã Haewon Cho, clã da atual rainha, que está grávida, e do seu pai, o conselheiro e chefe de estado, Cho Hak-Ju.

Mortos-Vivos de Kingdom — Fonte: Netflix

Em adição a esta conspiração política do clã Haewon Cho, e na tentativa de manter  o falecimento do rei em sigilo até ao nascimento do novo descendente do trono, Lee Seung-Hui, um médico de uma clínica distante é chamado ao palácio real para injetar um extrato de uma planta medicinal no cadáver do rei, levando assim à sua ressurreição sob a forma de morto-vivo.

Enquanto estava a ser tratado, o rei acaba por atacar e, consequentemente, matar o aprendiz do médico. Eventualmente, Lee Seung-Hui, acompanhado do seu aprendiz defunto, retorna à sua clínica. Cego pela fome e penúria, um dos pacientes decide cozinhar o cadáver do aprendiz e oferecer aos restantes pacientes, originando assim o surto desta praga misteriosa que irá inevitavelmente aterrorizar as províncias do sul do país.

Príncipe Lee Chang — Fonte: Netflix

O príncipe Lee Chang, movido não só pela necessidade de escapar ao enclausuramento ordenado pelo clã Haewon Cho, como também pela procura de respostas relativas ao estado de saúde do seu pai, é forçado a embarcar numa missão, juntamente com o seu guarda pessoal, Mu-Yeong, com o objetivo de desvendar este mistério. Durante este percurso, o herdeiro do trono visita a clínica do médico que tratou o seu pai e, ao encontrar todos os pacientes e médicos mortos, acaba por se aliar aos únicos sobreviventes do massacre que se sucedeu, sendo estes Seo-Bi, uma médica assistente de Lee Seung Hui, e Yeong-Shin, um paciente enigmático. Como tal, o príncipe Lee Chang terá de prevenir o avanço de uma praga que desconhece, enquanto lida com o golpe político arquitetado pela rainha e pelo seu pai.

Onde a Ciência Conhece a Ficção

A popularização dos mortos-vivos foi marcada pelo lançamento do filme “A Noite dos Mortos Vivos” de George Romero, em 1968. A partir dessa obra cinematográfica, fãs destas criaturas fictícias e entusiastas de biologia começaram a interessar-se pela relação improvável que há entre conceitos científicos e sobrenaturais.

Embora a transmissão em massa seja algo comum a todos filmes de mortos-vivos, a origem dos surtos varia bastante, pelo que pode ir desde um vírus criado em laboratório, até um vírus transmitido pelo ar que simplesmente surgiu no planeta.

Kingdom oferece uma abordagem única a esta categoria de horror uma vez que, a origem do surto de mortos-vivos é de caráter parasítico. Na série, segundo consta o médico Lee Seung-Hui, aquele que fosse ressuscitado pela “planta da ressurreição” tornar-se-ia num morto-vivo violento e sedento de sangue. No entanto, mais tarde, a sua médica assistente, Seo-Bi, descobriu que não era a planta a verdadeira causa deste fenómeno, mas sim uma espécie não-identificada de vermes parasitas, cujos ovos se encontram depositados nas folhas da planta da ressurreição.

Planta da Ressurreição e Parasita — Fonte: Netflix

Uma vez injetado no cadáver, o parasita irá incubar e crescer rapidamente no corpo do hospedeiro e assumir controlo do cérebro. Subsequentemente, o verme pode ser introduzido em outro corpo através de uma mordida, ou por ingestão da carne de um indivíduo infetado.

​​Apesar da série levar o parasitismo a um extremo improvável, existem certos conceitos que coincidem com a parasitologia do mundo real.

Essencialmente, parasitas são organismos que vivem no ou dentro de um hospedeiro. Como se alimentam de nutrientes provenientes do organismo que os hospeda, os parasitas adaptam-se estruturalmente ao ser vivo alvo e ainda o podem prejudicar ao ponto de desenvolver uma doença grave ou, até mesmo, a morte.

Paralelamente a este conceito aterrorizante, que é experienciado na vida real, na série Kingdom, os parasitas manipulam os seus hospedeiros ao ponto destes se tornarem em criaturas assustadoras.

Toxoplasma gondii — Fonte: WikiCommons

A manipulação parasítica é algo que também existe num mundo real, mas normalmente envolve apenas mudanças subtis no comportamento, ao contrário do que acontece na série. Alguns dos exemplos que possam ter inspirado os parasitas de Kingdom podem ser o protozoário parasítico, Toxoplasma gondii, que é conhecido por alterar o comportamento de roedores, primatas, entre outros. Este organismo causa toxoplasmose, uma protozoose, ou seja, uma doença causada por um protozoário parasítico, que influencia o hospedeiro a perder a aversão ao cheiro de urina de felinos e, consequentemente, a perder o medo que sente por este predador, aumentando assim a chance de ser consumido pelo mesmo. Esta manipulação é benéfica para o parasita, pelo que o permite concluir o seu ciclo de vida.

Ophiocordyceps unilateralis — Fonte: Danny Newman

Para além de T. gondii, os criadores da série também se podem ter inspirado no fungo parasítico Ophiocordyceps unilateralis, que é conhecido como o “zombie do mundo real”. Trata-se de um parasita que infeta formigas, fazendo com que elas trepem vegetação, antes de rebentarem com a cabeça delas. Ao treparem às plantas, a explosão da cabeça do hospedeiro permite a libertação de esporos numa área mais ampla, infetando assim mais formigas. Esta forma macabra de controlo mental é diferente da estratégia dos mortos-vivos de Kingdom, mas demonstra as diversas estratégias que os parasitas utilizam para sobrevivência e reprodução.

Embora Kingdom tenha uma vertente sobrenatural muito marcada, os criadores da série optaram por uma combinação de elementos históricos da Coreia com ciência especulativa onde os parasitas não são uma correspondência exata a exemplos da vida real. Todavia, Kingdom oferece uma exploração detalhada do que acontece quando a parasitologia conhece o sobrenatural, providenciando assim uma mistura única de horror e drama histórico aos espectadores.

Seo-Bi — Fonte: Netflix

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Artigo redigido por Joana Silva. Revisto por Diana Cunha