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Ciência e Saúde

Vacinas de mRNA mostram potencial no tratamento de cancro

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Fonte: Diana Polekhina na Unsplash

Novos estudos estão a explorar o potencial das vacinas de mRNA no tratamento de doenças como o cancro, tirando partido do sucesso da mesma tecnologia usada nas vacinas contra a Covid-19.

 

A tecnologia de ARN mensageiro (mRNA) para vacinas, que assegurou aos cientistas que a desenvolveram o Nobel da Fisiologia ou Medicina de 2023, tem inspirado estratégias de imunoterapia, com recentes estudos e ensaios clínicos a detalharem novas aplicações, particularmente na área do cancro.

Na sua base, a tecnologia utiliza moléculas de mRNA, que codificam informação genética relativa à produção de proteínas específicas, e que traduzem essa informação do DNA, levando-a a outras células. Incorporado nas vacinas, através da encapsulação em transportadores como, por exemplo, nanopartículas lipídicas, o mRNA é utilizado para entregar as instruções de produção de proteínas idênticas a parte de um vírus, bactéria, ou antigénios específicos, consoante o alvo que se pretende combater.

Imagem: Ana Luísa Silva

No caso das vacinas de mRNA para tratamento de cancros, o mRNA utilizado codifica proteínas características do tumor, muitas vezes com uma personalização específica à genética e perfil do tumor de cada paciente, sendo esta especificidade um ponto fundamental para o sucesso do tratamento. Após administração das vacinas, e assim que as proteínas são construídas, o sistema imunitário reconhece-as como corpos estranhos, sendo “treinado” para os combater.

Recentemente, um novo estudo desenvolvido na Universidade da Florida (UF), nos Estados Unidos da América (EUA), foi publicado na revista científica Cell no início do mês de maio e, neste, uma vacina experimental foi aplicada a quatro pacientes com glioblastoma, um tumor cerebral considerado dos mais letais. A vacina provocou uma forte resposta imunológica contra este tumor, resultados que já se tinham verificado anteriormente em precedentes ensaios com cães e com ratos. Para além de utilizar a tecnologia de mRNA e nanopartículas lipídicas, a vacina usa ainda células tumorais do próprio paciente, de forma a criar uma vacina personalizada que reprograma o sistema imunitário para atacar o tumor.

Em comunicado à imprensa, Elias Sayour, oncologista pediátrico da UF Health e um dos autores do estudo, menciona que “uma das descobertas mais impressionantes foi a rapidez” com que a vacina “estimulou uma resposta vigorosa do sistema imunológico para rejeitar o tumor”, com a resposta a tornar-se muito ativa “em menos de 48h”. Duane Mitchell, coautor do artigo, salienta ainda a importância da verificação dos resultados positivos em pacientes humanos: “a demonstração de que fazer uma vacina de mRNA contra tumores malignos como esta gera respostas semelhantes e fortes em ratos, cães (…) e doentes humanos com cancros cerebrais é uma descoberta realmente importante, porque muitas vezes não sabemos até que ponto os estudos pré-clínicos em animais se traduzirão em respostas semelhantes nos pacientes”.

Para o futuro, estão programados mais dois ensaios, com o apoio da agência americana FDA (Food and Drug Administration) e da fundação CureSearch for Children`s Cancer, um deles com 24 pacientes adultos e um outro com 25 crianças doentes, já que “os tumores cerebrais infantis não reagem aos tratamentos desenvolvidos para os adultos”, referem Christina von Roemeling e John Ligon, também eles co-autores do estudo.

Na mesma linha, ensaios de fase III (avaliação pré introdução ao mercado) de uma vacina de mRNA contra melanoma, um dos mais graves e agressivos cancros da pele, estão a decorrer no University College London Hospital (UCLH), no Reino Unido, após os resultados positivos encontrados nos ensaios de fase II (de avaliação de eficácia terapêutica). Nestes, demonstrou-se que pessoas que receberam a vacina, em conjunto com um outro medicamento, o pembrolizumab (Keytruda®), que também ajuda o sistema imunitário a matar as células cancerígenas, tinham 49% menos probabilidade de morrer ou sofrer recidivas (retorno do cancro) ao fim de três anos, quando comparados com doentes que receberam apenas pembrolizumab como tratamento.

Também esta vacina, com nome oficial mRNA-4157 e desenvolvida pelas empresas Moderna e Merck Sharp and Dohme (MSD), utiliza a tecnologia de mRNA de uma forma “personalizada”, com a composição a ser alterada para cada paciente: o DNA do tumor do paciente é sequenciado, identificando-se mutações ou antigénios específicos nas células cancerígenas, e utilizando essa informação para desenhar o mRNA da vacina de forma específica. “Esta é uma terapia muito individualizada e é muito mais inteligente, nalguns sentidos, do que uma vacina”, afirma Heather Shaw, coordenadora do ensaio no Reino Unido. “É absolutamente personalizada para o doente – não se poderia dar isto ao doente seguinte na fila porque não se esperaria que funcionasse. (…) Podem ter alguns antigénios novos comuns, mas é provável que tenham os seus próprios antigénios novos muito individuais que são importantes para o seu tumor e, por isso, é verdadeiramente personalizado”.

Os ensaios de fase III, do qual se pretende a participação de mil pessoas, representam a última fase de testes antes de uma potencial aprovação para uso em grande escala, tratando-se assim de um ensaio pioneiro nesta vertente de imunoterapia contra o cancro. Stephane Bancel, CEO da Moderna, acredita que esta pode estar disponível já em 2025.

Vacinas personalizadas para outros tipos de cancro, como cancro do pulmão, ou pancreático, também estão em estudo, embora em fases mais iniciais e com menos dados disponíveis até à data. As vacinas de mRNA personalizadas têm demonstrado um importante potencial no tratamento de cancro, já que oferecem um tratamento altamente direcionado e seletivo, tirando proveito do sistema imunitário para remover células cancerígenas. O seu desenvolvimento pode vir a representar uma esperança no aumento do sucesso dos tratamentos e da qualidade de vida dos pacientes.

 

Artigo da autoria de Ana Luísa Silva. Revisto por Joana Silva.