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Ciência e Saúde

PRÉMIO NOBEL DA FISIOLOGIA OU MEDICINA 2023: VACINAS DE ARN MENSAGEIRO

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Katalin Karikó e Drew Weissman, vencedores do Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina 2023

Até ao momento, apenas 12 mulheres tinham sido galardoadas com o famoso Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina desde a sua primeira edição, em 1901. Este ano, mais uma mulher é incluída nessa lista – Katalin Karikó, partilhando esta distinção com Drew Weissman.

Os cientistas

Katalin Karikó é licenciada em Biologia e doutorada em Bioquímica, pela Universidade de Szeged. Katalin cresceu numa pequena vila rural da Hungria e, desde pequena, sabia que queria ser cientista.

Após o seu casamento e já com uma filha de dois anos, emigrou para a América, para responder a uma oferta de bolsa de pós-doutoramento na Universidade de Filadélfia. Na altura, a Hungria restringia a posse de mais de 100 dólares a quem saísse do país, uma quantia que não seria suficiente para o início da vida da família nos Estados Unidos. Assim, a cientista viu-se obrigada a esconder o resto do seu dinheiro no urso de peluche da filha e seguir o rumo certo em direção à concretização do seu sonho de criança.

Após períodos tumultuosos, em que enfrentou problemas de saúde e perdas de financiamento para continuar a desenvolver o seu trabalho, Katalin conheceu Drew Weissman.

Drew Weissman, licenciado em Bioquímica e doutorado em Imunologia e Microbiologia pela Universidade de Boston, é cientista, médico e professor na Universidade da Pensilvânia. Após o seu doutoramento, Drew realizou um estágio com bolsa no laboratório de Anthony Fauci, antigo diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, nos Institutos Nacionais de Saúde.

Num mero acaso, Weissman e Karikó conheceram-se perto de uma impressora, onde frequentemente discutiam a falta de financiamento para a investigação relacionada com o ARNm. A especialidade de Karikó no que toca à bioquímica e terapias de ARN, aliadas à perícia de Weissman em imunologia, resultaram na descoberta de algo que, anos mais tarde, viria a revolucionar o mundo em plena pandemia.

O que é o ARNm?

O ARN mensageiro, ou ARNm, é uma molécula responsável por passar a informação genética contida no ADN, localizado no núcleo das células, para o citoplasma, onde são produzidas as proteínas. Desta forma, o ARNm funciona como uma cópia temporária do ADN. Semelhante a ele, o ARN é constituído por uma sequência de 4 tipos de bases ou nucleótidos: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e uracilo (U).

Fonte: Lene Martinsen/BioRender

Porquê vacinas de ARNm?

Quando ocorre uma infeção, as células do sistema imunitário, conhecidas como glóbulos brancos, são capazes de reconhecer moléculas do agente patogénico – como vírus ou bactérias. Isto desencadeia uma resposta imune, que irá defender o corpo da ameaça externa. No entanto, o processo pode ser demorado e o hospedeiro pode desenvolver sintomas da doença.

As vacinas desempenham um papel fundamental na prevenção de doenças, ao preparar o organismo para combater os agentes patogénicos. Estas são capazes de provocar uma resposta imune menos intensa do que a infeção real, dando tempo ao corpo de desenvolver as defesas necessárias.

As vacinas de ARNm são produzidas através da escolha de sequências de ARN do patógeno que codificam para as suas proteínas específicas. Estas sequências são transportadas no interior de partículas lipídicas, que servem como esferas protetoras, garantindo que o ARNm não é danificado até chegar ao interior das células humanas.

Uma vez dentro do citoplasma das células, especialmente nos glóbulos brancos, o ARNm é utilizado para instruir a produção das proteínas do agente patogénico. Isto desencadeia uma resposta do sistema imune, que aprende a reconhecer e combater as proteínas do patógeno, na sua ausência.

No entanto, as vacinas de ARNm apresentavam alguns problemas: para além de não serem suficientemente eficientes, provocavam uma resposta inflamatória excessiva e, portanto, indesejável.

O que descobriram os cientistas?

O ARNm produzido pelos seres humanos é diferente do que é produzido em laboratório ou por bactérias. Enquanto que, no ARNm humano, várias bases são alteradas quimicamente, no laboratorial e bacteriano essas alterações são menos frequentes.

Karikó e Weissman propuseram a hipótese de que este era o motivo pelo qual as vacinas de ARNm provocavam uma resposta inflamatória exuberante.

Em 2005, os cientistas realizaram uma experiência em que cultivaram células do sistema imunitário na presença de vários ARNm com diferentes modificações. Os resultados confirmaram hipótese proposta: de facto, os ARNm com mais modificações químicas desencadeavam respostas inflamatórias menos acentuadas. Para além disso, descobriram ainda que a modificação mais eficaz era na base U do ARNm.

Estas descobertas permitiram produzir vacinas de ARNm mais seguras e eficazes que, quinze anos depois, viriam a desempenhar um papel fundamental no combate à pandemia causada pelo SARS-COV2, contribuindo para o desenvolvimento das vacinas produzidas pela Moderna e Pfizer.

Apesar da extrema relevância que as vacinas de ARNm tiveram na luta contra a COVID19, é fundamental destacar a sua importância noutras áreas da medicina, nomeadamente na imunoterapia contra o cancro, na medicina regenerativa e no tratamento de doenças genéticas.

Vacina COVID-19, desenvolvida usando a tecnologia dos vencedores do prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina 2023.

Vacina Pfizer-BioNTech contra a COVID-19 (Fonte: Wikimedia, Lisa Ferdinando)

O anúncio dos vencedores

O Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina foi anunciado na manhã de 2 de outubro, com transmissão ao vivo que teve início às 10h45. Minutos antes, o Secretário da Assembleia e do Comité Nobel, Thomas Perlmann, contactou cada um dos cientistas premiados de forma a notificá-los do prémio.

Numa entrevista conduzida por Adam Smith do nobelprize.org, Katalin Karikó revela que estava a dormir, após regressar de uma conferência, quando recebeu a chamada de Perlmann. Além de falar sobre as dificuldades que a cientista enfrentou ao longo da sua carreira, Katalin menciona como a sua mãe, até falecer em 2018, ouvia o anúncio dos Prémios Nobel de Fisiologia ou Medicina todos os anos, acreditando sempre no mérito da filha. 

Por sua vez, noutra entrevista análoga também por Adam Smith, Drew Weissman revela que quem lhe deu primeiro a notícia foi Katalin e que, inicialmente, ambos pensavam estar a ser alvos de uma partida. Drew partilhou histórias da sua longa amizade com Katalin, contando, por exemplo, como ambos os cientistas sofriam de insónias e trocavam emails com ideias e hipóteses para a sua investigação, durante as primeiras horas da madrugada.

Texto por Isabel Sousa. Revisto por Diana Cunha e Joana Silva.