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Ciência e Saúde

AstroCup – um grande passo para a liberdade menstrual no espaço

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Pela primeira vez, uma equipa de cientistas portugueses testou os efeitos do lançamento de um foguete em copos menstruais comerciais.

Em 1983, a astronauta Sally Ride fez história ao tornar-se a primeira mulher americana no espaço. O episódio caricato — e agora amplamente citado — em que a NASA lhe perguntou se 100 tampões seriam suficientes para uma missão de apenas sete dias, ilustrou como, nas primeiras décadas da exploração espacial, muitas questões relacionadas com a saúde menstrual ainda não tinham sido amplamente consideradas.

Desde então, dezenas de astronautas que menstruam viajaram até à Estação Espacial Internacional. No entanto, a investigação sobre a menstruação em ambiente espacial continua escassa. A microgravidade, a radiação cósmica e as exigências dos voos espaciais levantam ainda muitas questões sobre a saúde ginecológica e menstrual a longo prazo.

A realidade menstrual no espaço

Atualmente, a supressão hormonal continua a ser a prática mais comum entre astronautas que menstruam. Ao impedir o ciclo menstrual com medicação, procura-se simplificar a logística, facilitar a gestão dos resíduos gerados e eliminar o risco de gravidez durante as missões.

No entanto, estudos recentes têm alertado para o surgimento de possíveis efeitos secundários, nomeadamente um risco aumentado de desenvolvimento de trombose e redução da densidade óssea.

Com os planos de futuras missões de longa duração para a Lua e Marte, que poderão durar anos ou até mesmo décadas, a solução da supressão menstrual contínua levanta preocupações de saúde e de direitos individuais. Garantir que astronautas que menstruam tenham autonomia sobre o seu próprio corpo e
acesso a métodos alternativos e seguros é, portanto, uma prioridade crescente.

Astronautas femininas a bordo da Estação Espacial Internacional, em 2010. No sentido dos ponteiros do relógio, a partir do canto inferior esquerdo: Tracy Caldwell Dyson, Dorothy Metcalf-Lindenburger, Naoko Yamazaki e Stephanie Wilson. Créditos da imagem: Agência Espacial Norte-Americana (NASA).

Astronautas femininas a bordo da Estação Espacial Internacional, em 2010. No sentido dos ponteiros do relógio, a partir do canto inferior esquerdo: Tracy Caldwell Dyson, Dorothy Metcalf-Lindenburger, Naoko Yamazaki e Stephanie Wilson. Créditos da imagem: Agência Espacial Norte-Americana (NASA).

A missão AstroCup

Foi neste contexto que surgiu a missão AstroCup. Sabe-se que as condições espaciais como a microgravidade – comumente conhecida como “gravidade zero” – e a radiação espacial podem afetar a durabilidade de materiais médicos. A missão AstroCup definiu, assim, o objetivo de avaliar se copos menstruais comerciais mantêm a sua integridade e funcionalidade após um lançamento de foguete.

A missão consistiu em lançar dois copos menstruais comerciais a bordo do foguete Baltasar, da Rocket Experiment Division (RED), do Instituto Superior Técnico, durante a competição European Rocketry Challenge (EuRoC), em 2022. O voo suborbital atingiu cerca de 3 quilómetros de altitude, expondo os copos às condições extremas associadas ao lançamento de um foguete – nomeadamente mudanças de pressão, temperatura e humidade.

Antes e após a realização do lançamento do foguete, os copos foram analisados visualmente para detetar sinais de desgaste. Para além disso, foram ainda submetidos a testes de retenção com dois líquidos: água e glicerol (usado como substituto do sangue humano). Cada copo foi testado durante 8 a 12 horas, simulando o uso típico dos copos menstruais.

Os resultados mostraram que os copos mantiveram a sua funcionalidade e integridade, sem diferenças significativas face aos copos controlo, que permaneceram em terra.

O estudo que divulgou todos os resultados foi publicado em junho, e contou com a participação das astrobiólogas Lígia Coelho e Catarina Miranda, dos engenheiros aeroespaciais João Canas, Miguel Morgado e Diogo Nunes, do biólogo André Henriques e do físico Adam Langeveld.

Representação da experiência realizada na missão AstroCup. Imagem traduzida do inglês. Créditos da imagem original: Lígia F. Coelho et al. “One Giant Leap for Womankind: First Menstrual Cups Tested in Space Flight Conditions” (2025).

Representação da experiência realizada na missão AstroCup. Imagem traduzida do inglês. Créditos da imagem original: Lígia F. Coelho et al. “One Giant Leap for Womankind: First Menstrual Cups Tested in Space Flight Conditions” (2025).

Os próximos passos

A utilização de copos menstruais em futuras missões espaciais à Lua e, eventualmente, a Marte, representa uma alternativa sustentável e promissora. Ao contrário de pensos e tampões descartáveis, os copos podem ser reutilizados, reduzindo o volume de resíduos  gerados.

Há ainda, contudo, um longo caminho a percorrer até que esta realidade seja possível. É necessário realizar testes mais aprofundados, nomeadamente em ambientes de microgravidade, bem como em gravidade reduzida, como a da Lua ou de Marte, uma vez que estas condições podem influenciar a dinâmica dos fluidos e o funcionamento do copo. Outros aspetos cruciais incluem a avaliação da durabilidade dos copos ao longo de múltiplas utilizações no espaço, bem como a resposta dos materiais à exposição prolongada à radiação espacial. Ensaios a bordo da Estação Espacial Internacional seriam particularmente relevantes para responder a estas questões.

Apesar de este ser apenas um primeiro passo, a missão AstroCup aponta numa direção essencial: garantir a sustentabilidade de futuras missões espaciais, e, simultaneamente, assegurar o bem-estar, saúde e autonomia de astronautas que menstruam.

Artigo por Isabel Santos de Sousa. Revisto por Joana Silva.