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Cultura

OS MISTÉRIOS DE SANTIAGO – À CONVERSA COM PEDRO QUEIRÓS

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Devemos regozijar-nos sempre que surge um novo escritor no nosso universo literário. Ainda mais quando é um jovem da nossa Academia. Pedro Queirós, de 21 anos, estudante de Engenharia, publicou recentemente o seu primeiro romance, “Os mistérios de Santiago”. Uma história centrada num menino que vive em Vila Cave, uma aldeia do interior nos anos 80. Uma viagem com personagens neorrealistas cuja simplicidade adensa a complexidade do processo narrativo. O JUP foi descobrir este novo artista.

 

Como iniciaste o teu percurso literário? Quando chegou essa “necessidade” de escrever?

Iniciei quando tinha 17 anos. Na altura estava no 12º ano e foi quando comecei a descobrir a poesia em si, muito por causa da matéria leccionada na disciplina de Português. Contudo a minha entrada no mundo da escrita foi quase “sem querer”. Comecei por escrever uns “textos” em forma de poemas, no fundo não passavam de meras frases, quase aleatórias, que se juntavam à procura de algum nexo entre si. Mas aos poucos e poucos fui escrevendo cada vez mais e trabalhando melhor cada um desses “textos” até que finalmente merecessem o titulo de poema.

 

E porquê o pseudónimo Raul Minh’alma?

Explicarei então por partes. Escolhi Raul porque é um nome de que gosto bastante e não é muito comum/usual, ou pelo menos não tanto como Pedro, meu nome de baptismo. E isso era algo que eu procurava. Minh’alma, por uma razão muito simples, é da minha alma que vem tudo o que escrevo.

 

Foi fácil conciliar a escrita com os estudos e o trabalho, visto que começaste a trabalhar em part-time aos 15 anos?

Inicialmente era mais fácil porque apenas escrevia poesia. Escrevia um ou outro poema quando tinha tempos livres. Quando me aventurei no romance foi tudo muito mais complicado, eram em média cerca de duas a três horas de escrita diária, concentrada essencialmente durante a noite porque de dia tinha aulas. Isso obrigou-me a uma gestão de tempo e esforço muito maior, mas felizmente consegui que não tivesse repercussões negativas no meu sucesso escolar.

 

Como surgiu o teu primeiro livro de poesia, Desculpe Mãe? Também pediste às “Tágides” por inspiração?

Quando comecei a escrever poesia com a intenção viva de lançar um livro, a fonte de inspiração foi sempre a mesma – a dor. Tentava diariamente, como tento ainda hoje, compreender melhor a dor, o sofrimento das pessoas, e as suas preocupações com a vida. Ao fazê-lo sentia-me mais preparado a escrever de forma a tocar as pessoas com as minhas palavras e com isso transmitir-lhes a mensagem que sempre procuro com os meus textos. Uma mensagem de força, de coragem e esperança para que elas próprias consigam superar-se a si mesmas e vencer os obstáculos da vida.

 

Sentiste uma necessidade de escrever um romance. Que novos desafios te trouxeram a escrita em prosa, principalmente na construção da história e o seu desenrolar?

É uma aventura completamente diferente. Para além de ser um romance é um romance que se desenrola numa época em que não vivi, tornando-se num desafio ainda maior. Levei várias semanas a fazer “entrevistas” a pessoas que tinham vivido nessa época e a investigar sobre alguns factos históricos e culturais dessa altura. Aos poucos fui estruturando toda a narrativa e quando senti que estava pronto, comecei a escrever, mas sem nunca deixar de fazer perguntas e pesquisas. No fundo, o maior desafio foi mesmo ganhar coragem para preencher centenas de páginas com uma história que poderia nunca sair da gaveta.

 

Muitos autores referem que o maior estímulo que existe é uma página em branco à espera de ser preenchida pela história. Concordas com esta ideia?

 Uma folha em branco é uma folha sem vida. É um prazer para mim, dar e poder continuar a dar vida a muitas páginas em branco. Mas o que me move mesmo, a minha verdadeira paixão é transmitir boas mensagens às pessoas, mensagens que as façam refletir em certos aspetos da vida em que nunca tinham pensado e ainda refletir sobre elas mesmas e nos seus valores. Uma forma que encontrei de o fazer foi a escrita, e uso-a para isso.

Falemos sobre “Os Mistérios de Santiago”. Existe algum ponto autobiográfico ou foi apenas o processo criativo em ação?

Por mais que eu quisesse não consegui desprender-me totalmente da personagem principal desta obra, o Santiago. É claro que a narrativa tem alguns traços e nuances da minha vida e de mim, mas não mais que isso. Praticamente tudo é ficção e o que foi baseado em mim, é apenas um mistério que não se desvendará.

 

Em algum momento sentiste que o Santiago estava a traçar a sua história sozinho, ou seja, que a história tinha ganho vida e era ela que te comandava a escrita? 

Eu diversos momentos senti isso. Dei alguma corda e liberdade às personagens para escreverem a sua história, que ganhou vida própria em diversas alturas. Contudo não podia soltar as personagens e a história, senão acabariam muito provavelmente por perderem o seu sentido e orientação. Tive que “agarrar” muitas vezes no Santiago, confesso.

 

Existe, neste livro, uma tentativa de fazer o leitor acreditar que todos os obstáculos podem ser superados. Era essa a tua ideia original ou a história levou-te a essa mensagem? 

Sempre foi essa a minha intenção, por detrás de uma bonita história tem de estar uma forte mensagem, e foi nisso que me concentrei. Caso contrário seria apenas mais um livro, e ser “mais um” é uma ideia que não suporto. As pessoas têm tendência a desacreditarem nelas próprias e ao mais pequeno problema, desilusão ou tristeza, procuram logo alguém que as possa ajudar e aconselhar e esquecem-se da pessoa mais importante – elas mesmas. Costumo dizer que nós somos os últimos a pensar em nós próprios nessas situações e é essa ideia que quero alterar em quem lê esta história, que passa, acima de tudo, uma mensagem essencial – o segredo está em nós.

 

A violência sofrida pelo protagonista é vista como normal e, por vezes, merecida. É uma crítica a um passado ainda bastante presente na nossa sociedade ou pretendeste apenas um retrato verosímil da época e da zona onde decorre a ação?

Tentei o melhor possível fazer um retrato daquela época, uma época em que muitos pais tinham muitos filhos para, essencialmente, os ajudarem na agricultura, desprezando muitas vezes a educação escolar e os estudos. Em grande parte dos casos a “educação” baseava-se na violência. Isto, no sentido cultural da época. Mas o silêncio e conformação de Santiago perante esses atos violentos eram sinónimos de uma esperança, que na maioria das vezes, não passa de uma desilusão adiada. Quero que cada um interprete essa mensagem à sua maneira, mas não é difícil de perceber que hoje em dia há muitos silêncios iguais aos dele que traduzem esperanças ilusórias e desilusões adiadas.

 

Noutro campo, escreveste na tua página do Facebook um “desabafo” relativamente à forma como alguns escritores adaptam a sua escrita, utilizando cultismos ou anomalias ortográficas para serem notados. Isso é algo que te faz confusão?

O que me faz confusão é escritores fazerem uso desses “cultismos ou anomalias ortográficas” para terem um estilo de escrita característico, que não passa de um estilo de escrita forçado. Não tenho nada contra, nem sou ninguém para ter.

 

Consideras que a literatura deve ser simples para conseguir passar a sua mensagem? Não consideras que utilizar “palavras caras”, como escreveste, pode servir para educar os teus leitores? Se não percebem algum termo, vão pesquisar e assim aprendem novos vocábulos?

A minha escrita é de facto bastante simples, quase falada, e é desta forma que eu tenho uma “conversa” com o leitor. Eu acho que sim, que deve ser assim, mas quem sou eu, não é mesmo? Os verdadeiros escritores, não eu, aqueles que transbordam português. Apetrecham cada página dos seus livros com palavras que por vezes, para o mais comum dos mortais, até custa acreditar que existem. A verdade é que, raramente alguém se vai dar ao trabalho de parar a sua leitura para pesquisar o sinónimo de uma palavra que caso ela não esteja constantemente a aparecer vai esquecer poucas linhas depois. E muitas das poucas vezes que alguém se dá a esse trabalho é para perceber palavras que têm influência direta no entendimento de algum trecho do texto. Eu não vou ensinar português a ninguém porque não sou ninguém para o fazer. Quero escrever para toda a gente, do mais pobre ao mais rico, com mais ou menos estudos, mais velho ou mais novo. Sei que se escrever de forma simples toda a gente consegue ler, mas como me concentro noutros aspeto que acho mais importantes num livro, também sei que só alguns irão entender.

 

Para finalizar, o que podes dizer para convencer os leitores do JUP a ler os teus livros?

Eu não procuro dinheiro com os meus livros, não procuro fama ou ser mais do que ninguém. Procuro simplesmente mudar, nem que seja um bocadinho, a vida de alguém para melhor. Fazendo esse alguém acreditar mais em si, procurar mais em si e tornar-se mais forte, mais confiante e mais capaz de enfrentar os seus problemas, assim como ver a vida com mais esperança. No fundo, sinto que é essa a razão da minha existência. E acredito vivamente que as minhas obras são capazes disso. É só.

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