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Cultura

MORROSOL: O PRIMEIRO CONCERTO AO SOL DA MEIA NOITE

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Passavam quinze minutos das onze da noite quando os primeiros acordes se fizeram ouvir no Café Schmits. Até ao momento, os cinco membros da banda tinham estado na frente da sala a fumar, enquanto conversavam com os amigos presentes no público. Mas o tom informal não se alterou com o início do concerto. Zé, o vocalista da banda, continuou com a conversa de café, característica dos concertos do grupo.

O rock ao sol da meia noite começou por uma Intro instrumental, que foi evoluindo até à [Untitled] #1. Seguiram-se Notícia (Molhada), Sapateado ao Sol, Anossa, Sobre Bombas, Imaginar e [Untitled] #2. Conseguiram – da primeira à última nota – a completa atenção dos presentes: o público cantou com eles, vibrou com eles, dançou com eles. Para acabar o concerto de forma estrondosa, o quinteto optou por fazer uma cover de uma das suas bandas de influência, King Gizzard and the Lizzard Wizard. Com Robot Stop desafiou-se as leis da física, com a formação de moshes numa sala tão pequena.

A História em conversa de sofá

Apesar de acabado o concerto – com pedidos incessantes do público, “só mais uma” – Zé e Tiago não descansaram, sendo os DJs de serviço até às duas da manhã, a hora de encerramento do espaço. Só aí conseguiu o JUP juntar todos os membros dos MorroSol num sofá à entrada do Café.

Os MorroSol são João Araújo (Tavares), guitarrista, José Lima, vocalista, Guilherme Festas (Gui), baixista, os três com 20 anos; Tiago Leonor é guitarrista e tem 19, João Praça tem 22 anos, toca bateria e é o “fornecedor de sala de ensaios”. São naturais da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde.

Tavares, Zé e Gui – os membros mais antigos da banda – contam a sua evolução.

Tavares começa por “no ano letivo 2013/2014, eu e o Zé eramos da mesma turma, e basicamente, nós não tínhamos nada para fazer, ele dizia que sabia cantar, curtia mais ou menos da mesma música que eu, eu tocava guitarra, ele cantava, íamos por aí. Passado um bocado, começamos a precisa de baterista e chamamos um amigo nosso, que era de outra turma. Só que, entretanto, ele não se adaptou bem, tinha um horário muito exigente para os nossos ensaios e teve que sair. Mais ou menos na mesma altura entrou o Gui, o baixista, e um baterista antigo, que também já não temos.” Zé continua: “Pronto, foi mais ou menos isso. Entrou o Gui, depois mais tarde tivemos outro guitarrista, esse guitarrista também acabou por sair e foi quando entrou o Tiago. Mantivemos uma formação de 5 pessoas, ainda durante uns 2 anos, com o nosso antigo baterista e nós os 4, eu, o Tavares, o Gui e o Tiago, e fomos dando alguns concertos.”

É interrompido por Gui, “gravamos um demo, depois mudamos de baterista [o Praça]. E decidimos, ‘somos Os Beatas há 4, 5 anos, então agora que temos uma coisa que estamos fixes’, e pensamos ‘que nome foleiro fogo, temos este nome há bué de tempo porque aqueles dois borrados não sabiam que nome dar, então pronto, Os Beatas’. Trocando de membros, já não somos a coisa que eramos no início, temos que recomeçar, temos que fazer isto desta vez a sério, com os membros atuais, e é isso.” “E foi aí que mudámos toda a nossa informação visual, a nossa página de banda, a nossa imagem, e um bocado o nosso som. Adaptamo-nos uns aos outros e fazemos música borrada em circunstâncias borradas”, completa Zé.

Da esquerda para a direita: Praça, Tiago, Gui, Zé, Tavares. Fotografias por Sofia Silva.

Da esquerda para a direita: Praça, Tiago, Gui, Zé, Tavares. Fotografias por Sofia Silva.

“Passamos as centenas de nomes”

Num grupo que passa por um processo próprio para chegar a consensos, uma das poucas coisas em que todos concordam é que a escolha do novo nome foi extremamente complicada. “Nós fomos tendo ideias e ideias, e incessantemente recusando nome atrás de nome. Às vezes tínhamos 3 votos, mas tínhamos que ter 5, porque somos 5 e todos têm que gostar do raio do nome.”

Estiveram para ser os Sayonara. Gui contou a história que deu origem a este nome: “Nós estávamos muito indecisos quanto a nome de banda. Então nós estávamos três dos membros da banda no carro, com um amigo nosso, a ir para a escolinha de manhã, a ESAD, e ele estava a conduzir, e, de repente, um camião começa a despistar para a nossa faixa. Nós vimos a morte à nossa frente, o gajo desvia-se, faz-se um silêncio sepulcral no carro, até que o condutor diz, no seu maior chill, ‘SAYONARA’. Nós rimo-nos e dissemos ‘hey, ganda nome de banda’. Só que depois não colou.”

MorroSol tinha surgido mais tarde, “foi aquela coisa que foi e passou”. Com o passar do tempo, “começou a haver pressão para dar o concerto”, então perceberam que tinham que se decidir quanto a um nome definitivo. “MorroSol começou a voltar, o pessoal dizia que até era um nome decente, vai MorroSol, 1 vai MorroSol 2, vai MorroSol 3, e pronto, MorroSol, é isto”.

O “borranço rock” e o “o que me apetecer rock”

Os MorroSol são cinco e com gostos muito variados, mas que, de certa forma, se encontram. E isso reflete-se no seu estilo musical. Como refere Praça, “damos oportunidade a cada um de ter o voto na matéria”. Relativamente a géneros musicais e a influências – englobando todos os seus anos de atividade como Os Beatas – fazem um brainstorming que abrange de tudo: “pop rock independente não comercial”, art rock, Ornatos Violeta, Capitão Fausto, math rock, psicadelic, King Gizzard and the Lizzard Wizard, “tudo o que é português”, Modernos, “tudo o que vem dos anos 70”, David Sylvian, American Football, Snarcky Puppy, emo, Ween.

Como contribui cada um com as suas próprias ideias , também têm “influências do género, quando o Praça entrou, ele tinha bué aquela cena mais própria dele, como todos temos, e ele veio logo adicionar, e criámos logo músicas completamente diferentes, tipo Anossa”, que é uma espécie de “valsa”.

“Eu acho que, de uma maneira geral, somos uma mistura de tudo o que ouvimos no momento. Cada música é um pouco o que estamos a ouvir na altura” acrescenta Gui; Tiago brinca “é tipo aquela gastronomia mesmo lixada, cheia de especiarias”.

Segundo Zé, esta sua abrangência musical “também tem um bocado a ver com o processo musical. Nós não fazemos muito música do género, o Tavares faz uma música em casa, chega ao ensaio e nós aprendemos aquela música. Não. Nós começamos no ensaio com várias ideias que vamos tendo ao longo da nossa semana, vamos partilhando ideias uns com os outros, e quando estamos no ensaio, nunca pré-definimos nada, nós tentamos sempre ir vendo para o que é que a música puxa, se puxa para uma parte mais agressiva, se puxa para uma parte mais lenta.” Gui continua: “nós não nos bloqueamos, tipo ‘hey, isto não faz sentido com o nosso género’, porque não há. E não acho que temos falta de coerência por causa disso”, ao que Tiago filosofa com “não há falta de coerência quando o teu propósito não é ter coerência”.

“É gostar daquilo que se faz”

Para o futuro, querem “gravar cenas”; pode ser esperado um single nas próximas semanas. Querem continuar com os concertos, preferencialmente de forma a expandirem-se – sair da Póvoa – “sair do casulo. Deixar de ser minhoca para ser borboleta”. Querem, igualmente, expandir a sua imagem, serem “reconhecíveis visualmente”.

Chegando ao fim da conversa, os rapazes começam a ficar mais reflexivos – afinal, já são quase três da madrugada – e falam da sua filosofia de banda. Falam da sua ligação com o que os rodeia e com o público, de “não ser aquela banda que está a tentar ser muito séria e muito definida. A nossa banda é só uma maneira de expressão de cada um”. Gui acredita que “mais importante do que toda a gente nos ouça e termos um sucesso bué grande, nós vamos para os ensaios porque queremos tocar, porque gostamos de tocar, porque queremos fazer músicas, e não porque queremos ter uma banda”.

Zé conclui com uma dissertação introspetiva: “O que nos dá mais prazer é acabarmos de fazer uma música, e repeti-la várias vezes e depois chegarmos ao fim, olharmos uns para os outros e dizer, ‘tchhh isto está fixe’. Isso é das partes mais fixes de ter uma banda… É apreciar aquilo que se faz, é gostar daquilo que se faz. Acho que, se um membro da banda estiver contrariado e não gostar do som que está a fazer, é porque falta uma peça, o puzzle já não está a encaixar direito. E se não está a encaixar direito, as nossas personalidades, e nós enquanto indivíduos, também não estamos a encaixar direito. E acho que resulta. Acho que a principal razão de isso resultar é porque nós os cinco temos personalidades bastante distintas, mas que em grupo funcionam bem. E musicalmente também funcionam bem, as nossas ideias vão ao encontro umas das outras.”