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Cultura

Luís Guedes: a simbiose entre dois mundos

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Luís Guedes passou toda a sua infância em Rio Tinto, no Porto. Criativo por natureza, as suas grandes paixões envolvem o desporto, a música e a escrita. No campo da música, Luís já brotou dois singles e dezenas de covers. Associado à escrita, nasceu o seu primeiro livro infantojuvenil, “A Menina dos Cabelos Ruivos”. Atualmente, está no 3º ano da Licenciatura em Ciências da Comunicação, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É colunista convidado no jornal online “Observador”, onde já publicou vários artigos.

Como é que começou e evoluiu a tua relação com a música?

A relação com a música é algo que tenho desde sempre. Em minha casa há muita música: o meu pai sempre tocou guitarra, até teve uma banda e a minha irmã andou numa escola de música. No entanto, em miúdo nunca liguei muito a isso, só gostava de jogar à bola e basket. Até que houve um dia que me deu um click e pedi ao meu pai para me ensinar a tocar. Sempre fui um bocado envergonhado, por isso só percebi que gostava de cantar muito tarde — 17/18 anos. Foi passo a passo: comecei a tocar guitarra, ao início não ligava muito até que num determinado momento queria realmente aprender a tocar, depois comecei a cantar e depois a escrever. Foi tudo de forma sucessiva e agora é algo que não consigo deixar de fazer.

Que razão te fez passar de covers para as tuas próprias músicas?

Escrever as minhas músicas foi algo muito orgânico… Nunca me interessei muito pelos covers, a parte que mais me interessa e a que mais gosto é a de escrever. Gosto de fazer tudo: de tocar, cantar, produzir, só que a parte mais desafiante é mesmo a do escrever. Não é que não goste de cantar músicas de outros artistas. A verdade é que todos ouvimos sons das outras pessoas para nos inspirar e fazer os nossos, é impossível não o fazer.

Sempre quis escrever aquilo que é meu e mostrar a minha história através da música.

Foi para ti um desafio pousar a guitarra por breves momentos e iniciar uma carreira enquanto intérprete de temas próprios?

A guitarra é sempre a minha base de criação, nunca a pousei. Todas as músicas que faço são a partir da guitarra ou do piano. Nunca abdiquei de nada, simplesmente passei a conciliar as duas partes. Aquilo que mais gosto de fazer na música é a parte criativa: podes escrever, podes cantar, podes tocar, podes produzir. No fundo, fazer o que tu quiseres.  Essa é a melhor parte!

Porquê a opção pelo inglês nas músicas originais?

É uma questão de tempo até lançar músicas em português. Para aí 90% das músicas que tenho escritas, ainda não publicadas, são em português. Simplesmente às vezes estou a sentir mais o inglês e acabo por escrever nesta língua. Também há melodias, harmonias e sequências de acordes que puxam mais pelo inglês do que outras. O importante é escrever o que sentes e estar confortável independentemente da língua. Escrevo aquilo que sinto no momento.

O teu primeiro single chama-se “Work My Ass Off”. É este o lema da tua vida?

Sim! Isto é algo que o meu pai — até a letra da música diz isso — sempre me incutiu. Trabalhar muito para alcançar os meus objetivos. Eu sou um bocado “maníaco” no que toca a trabalhar. Revejo mil vezes a mesma coisa antes de publicar, treino horas, horas e horas. É a única forma que consigo estar perante algo que adoro. Quando realmente gostamos de algo vamos sempre até à exaustão com ela. Portanto, no fundo acho que é um bocado o meu “lema” e continuará a ser.

Na publicação do Instagram de apresentação do teu segundo singleMeant to” referiste que por esta tinhas um carinho diferente. O que é que ela significa para ti?

Faço mais vezes música em português do que em inglês. As músicas em inglês surgem quando tenho dificuldades em pôr por palavras o que pretendo expressar na minha língua. Quase que me escondo atrás do inglês. Esta música surgiu numa fase um bocado complicada da minha vida. Foi a primeira música que fiz quando essa fase surgiu e é por isso que a guardo com muito carinho. Isto porque consegui tornar as minhas debilidades e um momento complicado para mim em algo bom e que me orgulhe.

Enquanto artista, defendes que é preciso sentir, para conseguir escrever?

Não há só uma forma de escrever. Já escrevi imensas músicas e não vêm todas do mesmo sítio. Umas vezes são histórias minhas, outras vezes são histórias de outras pessoas, outras vezes são cenários que nunca experienciei, mas imagino. Olhando bem para as minhas músicas as que mais gosto e sinto são aquelas que de facto falam de situações que realmente passei. Tanto boas como más, não tem de ser só algo necessariamente mau. Parte sempre desse lado “mais verdadeiro”, porque acho que as pessoas também sentem isso. Tu ouves uma música e percebes que veio de um lugar honesto.

O bom da música é que podemos fazer momentos que nos deixaram em baixo perdurarem no tempo e de uma forma bonita.

Falando agora do teu livro. Achas que a música teve um papel crucial para despoletar em ti o gosto pela escrita?

Sempre gostei muito de escrever. Quando era miúdo escrevia guiões de comédia e para stand-up comedy que nunca cheguei a levar para a frente porque andava sempre metido no desporto. O livro que publiquei no fundo também fala da música, portanto, está tudo um bocadinho relacionado. No entanto, acho que foi mais a escrita que influenciou a música. Honestamente, foi mais a necessidade de escrever que levou a que começasse a fazer a minha própria música.

Como surgiu a ideia de escrever um livro infantojuvenil?

O que eu mais gosto de fazer é música, mas é sempre bom expandir, tentar fazer coisas diferentes e explorar novas áreas. Tudo o que é ligado com criatividade é algo que me apela. Eu, como muitas outras pessoas, senti uma dificuldade em saber como ocupar o meu tempo da melhor forma no período de confinamento. Então decidi aventurar-me e escrever um livro. Quis mesmo de propósito direcionar-me às crianças porque considero um público interessante. Quando era miúdo e lia mais — agora não leio tanto, o que é irónico porque lancei um livro —, gostava daquilo que os livros me faziam sentir. Lia uma história e sentia-me confortável. E agora gostava de passar essa sensação para outras pessoas. Também queria escrever algo que, de certa forma, fosse um bocadinho “eu”. O livro não é uma extensão minha, mas certamente está um bocadinho de mim no livro. Fala muito da parte da música, mas isso só se pode dizer quando lerem o livro.

Então escrever o livro surgiu quase como uma necessidade?

Sim.  O processo foi longo, quase meio ano, mas valeu todo o esforço.

Capa do livro: A menina dos Cabelos Ruivos

Que mensagem pretendes passar com o conto?

A mensagem que quero passar a quem lê o livro é que podemos ser bons e especiais à nossa maneira independentemente daquilo que fizermos. Muitas vezes em crianças somos incutidos que temos de estudar muito para sermos bons alunos e não temos mais para onde nos virar. No entanto, isso não invalida que nos possamos destacar noutro tipo de áreas e ser criativos. Podemos ser bons em tudo o que fazemos e ser especiais em coisas completamente diferentes. As diversas áreas podem ser complementares, de uma forma positiva.

Diz-se que o escritor deixa sempre um pouco de si na obra que escreve. Com que parte de ti presenteias o livro?

Eu tenho sempre a tendência de puxar para o lado da música, porque é algo que está tão dentro de mim, não consigo simplesmente não o fazer. Portanto, nesse aspeto sim, é um bocadinho de mim presente no livro. Mas quando o produto final é lançado para as pessoas seja uma música, seja um livro, o que for, no fundo ele deixa de ser teu, é de quem o ler e as interpretações são diferentes. É engraçado, quando o meu livro saiu os meus pais leram e a interpretação de cada um foi diferente da minha interpretação. Então não posso ser taxativo em relação ao meu livro quando as pessoas têm sempre uma perceção diferente quando o vão ler. Mas sim é um bocadinho de mim até na personagem principal.

Estavas agora a falar da personagem principal, a Anita. Ela é baseada em alguma pessoa?

Por acaso não. Tem bocadinhos meus, mas não posso dizer que é uma extensão minha. O livro não é a minha biografia é algo independente que sobrevive sozinho. Obviamente que tem traços meus, mas isso é normal.

Quem escreve deixa sempre um pouco de si na história.

Praticas desporto, escreves, fazes música… Como consegues conciliar todas estas tuas paixões?

Não ter tempo não é um argumento. Quando realmente queres algo e o sentes de forma verdadeira arranjas sempre tempo para tudo. No secundário tinha algumas dificuldades em conciliar tudo, mas mesmo assim consegui-me organizar. Tinha aulas, tinha de estudar, tinha treinos há noite, depois tinha música… não havia tempo para respirar e isso ensinou-me também a valorizar o tempo. Mesmo que às vezes seja pouquinho, é importante dar tudo nesse pouco que é o tempo e acaba por render mais do que se calhar uma dúzia de horas.

Fotografia: Luís Guedes

Dessas paixões, qual gostavas que te acompanhasse no futuro? Ou, se várias, de que forma?

Principalmente a música obviamente. No entanto, a escrita está sempre lá, está tudo conciliado. Ao fazer música a escrita está indireta e diretamente relacionada.

Para terminar, quais são os teus planos para os próximos tempos?

Nunca fui de fazer planos para o futuro. Até porque de um momento para o outro as coisas mudam e, neste momento, por causa da pandemia ainda é mais complicado e incerto. Às vezes basta um click ou uma oportunidade ou alguém que aposte em ti para todos os teus planos se alterarem completamente. Acho que os planos vão fluindo naturalmente com o tempo. Mas num futuro a curto prazo tenho dezenas de músicas escritas e feitas é produzi-las e lançá-las, muito provavelmente umas sairão em português outras em inglês.

Basicamente, é algo mais espontâneo do que preparado?

Sim, até acho que assim é melhor. Uma das músicas que lancei foi decidida num espaço de uma ou duas semanas. Não foi nada planeado. Foi algo que senti no momento e decidi lançar. E se calhar foi por isso que correu tudo tão bem. Não tive aquela antecipação e de estar constantemente a dizer às pessoas que a música ia sair. Até gosto desse efeito de surpresa. Por isso mesmo não gosto de fazer planos a longo prazo, gosto de ir fazendo e aproveitar o processo. Agora é continuar a trabalhar e se um dia alguma oportunidade surgir estar preparado para isso e agarrá-la.

Artigo por: Sara Arnaud