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Cultura

SANGUE, SUOR E AL DI MEOLA

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Este artigo requer uma contextualização conceptual: vamos pegar em duas ideias cismadas do universo musical, “A música vive da sua linguagem própria” e “A música vive de uma atitude intrínseca”. Vamos agora combinar, misturar estas premissas. Se nos basearmos nesta conjugação, o que é que Al Di Meola, aclamadíssimo guitarrista que orlou o seu instrumento com um jazz de graça latina, nos pode oferecer numa prestação ao vivo? Só há uma resposta possível: a totalidade da experiência.

A sala Suggia da Casa da Música esgotou para ver, na passada quarta-feira (5) a materialização desta ambiguidade feliz, e nem uma brisa de desapontamento passou pelo público imenso. Acompanhado por um pianista, baterista/percussionista e parcialmente por um outro guitarrista, este flamenco personalizado não conseguiu abandonar as suas raízes. Al Di Meola revelou, contudo, um conforto permanente em expressar todas as suas influências, pedacinhos sonoros das mais diversas culturas. E assim ouviu-se uma linha distorcida seguida de uma melodia chorosa. Evocando a morna, bongós e djambés trouxeram ritmos exóticos, duas guitarras descomprometidas com as suas texturas a alimentarem um contraponto belíssimo, inúmeras (tantas!) manifestações técnicas de excelência. E claro, os Beatles.

Num concerto que pretendia incidir no quarteto pop mais influente do séc. XX – atente-se nas palavras do guitarrista, “Se (os Beatles) não tivessem existido, eu hoje provavelmente seria, quem sabe… um bombeiro, ou qualquer outra coisa” -, não foram reinterpretadas mais do que quatro/cinco canções. Destaque para uma “Eleanor Rigby” distópica e uma versão solo de “Blackbird”, com a super ornamentação que se fazia esperar.

As peças do americano são macroestruturas compostas por pequenas composições, progressões virtuosas unidas por uma vontade sagaz e uma linguagem tão erudita como sincera. E há, em todas, um sabor latino, um vinco familiar que nos é mimoseado sem qualquer cerimónia.

O próprio Al Di Meola, alguma vez perde a naturalidade, alguma vez nos parece estranho? A sua urgência como maestro improvisado, as escaladas catárticas que culminam algumas músicas, o seu espernear na cadeira no final de solos especialmente emocionais. Num todo, um fenómeno virtuoso e ao mesmo tempo bailante, que transpira êxtase, calor e sabe bater palmas no final.

Depois de um encore consagrado, o espectáculo termina com uma ovação de palmas por parte de uma sala Suggia completamente de pé e com o guitarrista a dizer “Only in Portugal we have this good shows”.

Al Di Meola é um músico super completo, um circuito sanguíneo com pulsação sincopada. Será que o sangue continua quente? Gente, nem Berkley lhe tirou o calor.

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