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Educação

MOBILIDADE: QUANDO O CONFLITO TAMBÉM É BAGAGEM

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A Universidade do Porto ajuda a escolha ao ir mais além do tão conhecido Erasmus+. O Erasmus Mundus é o programa de mobilidade mais conhecido, mas a oferta é muito variada. A Global Platform 4 Syrian Students, dinamizado por Jorge Sampaio, está integrada na ajuda humanitária disponibilizada à Síria, indo para o terceiro ano de existência; quanto aos acordos de Cooperação Bilaterais, compreendem países desde o Bangladesh, a França, a Geórgia, assim como o Quirguistão.

Andrei Esanu, Giorgi Kvaratskhelia, Hasan Mansour e Kishore Jawale são quatro exemplos de estudantes que, como muitos outros, escolheram esta universidade como destino de mobilidade. São também quatro exemplos de realidades distantes unidas por um fator comum: a guerra.

Andrei está num mestrado em Educação para a Saúde e é voluntário numa organização não-governamental. Acredita que os conflitos têm soluções e é por isso que põe de parte sair do seu país, a República da Moldávia. Desde 1991 que está em conflito direto. A causa? Transnístria, uma região de interesse russo, que dá acesso à Europa. E, ainda que a situação tenha visto melhorias desde 2011, está longe de estar resolvida.

Giorgi é refugiada. Quando nasceu em Abkhazia (Geórgia), a região era livre. Em 1992, dois anos depois de ter nascido, os conflitos com os russos tiveram início e a família foi forçada a ir para a capital, Tbilisi. Com apenas dois anos, passou a chamar “casa” a uma casa onde o estatuto é de refugiada. Este é o seu último ano académico no Porto, onde vai terminar o mestrado em Design Industrial e de Produto. Mas o que ela queria era “viver e estudar na Europa”, até porque é uma defensora das semelhanças que os georgianos apresentam com os europeus.

Kishore vive na Índia e veio fazer o doutoramento em Engenharia Mecânica. Para ele, “há dois grandes problemas. Primeiro, e o mais importante, é o terrorismo, o outro conflito é com o país vizinho – Paquistão – sobre o estado de Jammu e Caxemira”. Uma situação que já resultou em três guerras na região de Caxemira. Kishore acredita que o governo está a dar o seu melhor quando o assunto é o terrorismo, mas em relação ao conflito com o Paquistão estão, na maior parte das vezes, “de mãos atadas”.

Hasan veio do país do menino que deu à costa na Turquia e que foi notícia um pouco por toda a Europa. Estuda Planeamento e Projeto Urbano e vai começou a tese este ano. Antes de a guerra explodir, antes de 2011, como explica, a Síria era um dos países mais seguros para se viver. Agora “é uma guerra de controlo entre a Rússia e a América e uma guerra de fé entre grupos extremistas e civis sírios”. Agora, sair à rua “é ter uma grande probabilidade de não voltar.”

Quatro jovens que nada têm em comum a não ser terem um país em conflito como bagagem e a escolha da Universidade do Porto, uma das mais prestigiadas a nível nacional e das que mais recebe (e envia) alunos em mobilidade internacional. E foi precisamente a qualidade da universidade e a oferta vocacional que os trouxe ao Porto.

Hasan conta a estória de forma um pouco diferente, algo que roça o cliché do destino. “Eu estava a candidatar-me a bolsas e fui aceite no Porto. Por isso, tecnicamente, foi o Porto que me escolheu e que me deu a oportunidade de continuar os meus estudos”.

A falta de equipamento universitário era algo a que estava habituado, mas “aqui todas as faculdades estão equipadas com material que ajuda a obter informação e também a experimentar”. Kishore e Andrei salientam que a qualidade de ensino é mais elevada e que os docentes são mais acessíveis, tornando o estudo mais atrativo.

Embora a qualidade educacional tenha sido a principal razão da mobilidade, Hasan sublinha outra razão bem patente, a procura de uma realidade mais pacífica. “Eu sempre sonhei seguir os meus estudos na Europa. Quando acabei o curso de arquitetura e por causa do conflito no meu país, estudar na Europa tornou-se mais do que um sonho, tornou-se uma forma de sobreviver e viver”.

Isto porque as vivências e as rotinas de quem lida com a guerra diariamente não fáceis de esquecer, mas são simples de exemplificar.

Kishore não esquece os ataques terroristas de 1984. O último, em agosto, causou a morte de “seis civis e dois seguranças pessoais”.

Andrei diz que a agressão verbal, que pode acabar em sangue, originada pela falta de comunicação, é algo que presencia de forma diária. A divisão entre quem fala russo ou quem fala romeno e quem é russo ou quem é moldavo faz-se de forma discriminatória, conta o estudante que já sentiu na pele a distinção por falar a língua nacional. E não russo.

Contudo, Andrei está confiante de que a educação é a chave para a construção de uma paz interna que se alargará para o exterior. E, enquanto voluntário, já tem provas disso. “Eu vi boas mudanças nos jovens da Moldávia depois de alguma preparação. Falta de comunicação, estereótipos e atitude negativa na comunicação são os pilares da discriminação e dos conflitos. Por vezes, começar a perceber o que a outra pessoa quer dizer ou que sentimentos tem a pessoa à tua frente, qual a origem desses sentimentos, cria mais espaço para a paz”. De Portugal vai levar mais umas ideias para resoluções de conflitos, garante.

Giorgi explica que a própria região é conflituosa ao ter como vizinhos o Irão, a Arménia e o Azerbaijão. E embora o país viva uma situação mais pacífica que os restantes, o medo de uma invasão russa é constante.

Mas é Hasan que mostra que as perdas numa guerra se fazem na primeira pessoa. “Já perdi muitos amigos e familiares nesta guerra”. Ainda assim, há uma data que tem gravada na memória: 28 de março de 2013. Um ataque à cafetaria da universidade onde estudava provoca dez mortos, dois deles eram seus amigos.

Aqui percebemos que estes países têm um mal maior: não saber se uma simples saída à rua é escavar a própria vala. Como explica o sírio, todos sabem que uma viagem para o trabalho ou para a universidade pode ter um bilhete de ida. Apenas.

“Portugal lembra-me a Síria antes de 2011. Quando olho à minha volta, vejo a segurança que perdemos”, conta ainda. Por vezes, encontra-a “nos sorrisos dos mais pequenos e na insistência de viver marcada nos olhos e faces enrugadas dos idosos. Podemos sentir esperança quando vemos dois apaixonados a falar do futuro. Mas, à noite, quando começo a ouvir o som das metralhadoras a aumentar gradualmente e a parecer cada vez mais perto, espero sobreviver e viver mais um dia”. E por isso mesmo, ele acha que não é a pessoa adequada para falar do pacifismo português: “Como sírio, poder sair de casa e viver a minha vida ou ir à universidade sem pensar se volto vivo ou não, faz-me sentir paz”.

Esta é a realidade de quatro jovens que representam parte da identidade dos alunos estrangeiros da Universidade do Porto. Como eles, muitos mais existirão. São uma peça do puzzle de milhares de alunos que esta universidade recebe, graças à quantidade de programas que disponibiliza.

A Universidade e a cidade do Porto tornam-se sinónimos de paz, de segurança, de conforto, para que quando alguém pergunte “E então o Porto? Foi bom? É seguro?”, a resposta seja inequívoca: “sim”.

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