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Educação

“IMAGINE ALL THE PEOPLE LIVING LIFE IN PEACE”

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Assim nos confidenciaram alguns dos estudantes da FLUP (Faculdade de Letras da Universidade do Porto) as suas reacções relativamente à recente notícia do galardão atribuído à Universidade do Porto pelo apoio prestado ao aluno com deficiência. Álvaro Costa, funcionário da faculdade com mobilidade reduzida, ex-aluno da mesma, graduado entre 92/93, regista a extraordinária evolução atingida pelos serviços comparativamente aos seus tempos estudantis: “Quando frequentei a FLUP não existia sequer uma plataforma de apoio aos estudantes com necessidades especiais”. O apoio nas tarefas quotidianas, como a mobilização pelo espaço físico ou a questão alimentar, era prestado por funcionários ou colegas. Contudo, quando questionado acerca das condições logísticas proporcionadas pela faculdade as reticências impõem-se. Considera que a FLUP apresenta inúmeras lacunas que inviabilizam a satisfação de algumas das suas necessidades elementares.

Rosmelin Rodrigues, estudante com mobilidade reduzida de Línguas Literaturas e Culturas, considera que a atribuição de tal congratulação encontra-se longamente distanciada da realidade estudantil. Enumera de imediato infindáveis problemáticas, entre elas as condições logísticas. A inexistência de rampas que permitam o acesso a espaços de convívio como a esplanada ou o jardim, de corrimões de apoio em algumas escadarias, os elevadores que encontram-se frequentemente indisponíveis e cuja lentidão é de notificar, a longa distância que necessidade de percorrer quotidianamente para se dirigir das instalações residenciais até a sala de aula, frisando que “quando chove, a porta lateral da faculdade é encerrada, o que me força a um desvio maior”. Regista, positivamente, o apoio facultado nos métodos avaliativos.

Leonor Figueiredo (nome ficcional), uma outra estudante, com paralisia cerebral, evidência o trabalho meritório desenvolvido pelos serviços. No seu caso, solicita de apoios específicos, nomeadamente de uma assistente pessoal para a realização de tarefas do foro higiénico e pessoal. Apesar de alegar que nos seus primeiros anos de faculdade deparou-se com algumas adversidades no respeitante a este apoio, salienta, agora, notar uma evolução positiva no atendimento que lhe é prestado.

Questionadas acerca da responsabilidade a ser atribuída a todas estas questões enumeradas, aparentam discordar. Leonor valoriza o trabalho de campo exercido pelos profissionais e as tentativas para a resolução, por parte da instituição e serviços, das situações apresentadas. Assume, opostamente, o seu descontentamento pela inexistência de um corpo legislativo que se debruce sobre esta problemática. Culpabiliza os governos que a nível prático apenas criam espaço para duas possibilidades, consideradas inclusivas, para pessoas com deficiência, numa idade adulta e de suposta aquisição do estatuto de independência. A nível prático, os indivíduos com deficiência são forçados a viver ou dependentes das estruturas familiares ou a serem institucionalizados. Leonor não pretende renegar estas possibilidades, mas advoga a urgência de existir uma terceira possibilidade. As verbas atribuídas pelo governo, ao invés de serem direccionadas meramente para instituições, deveriam ser de igual modo direccionadas para os próprios indivíduos (aqueles que assim desejassem), responsáveis pela gestão do seu capital. Inquirida do porquê para tal procedimento não ser aplicado afirma “eles não nos acham capazes de gerir o nosso próprio dinheiro”. Existem, de facto, apoios domiciliários. O problema é que são estandardizados e não consideram fidedignamente as escolhas dos utilizadores, não existindo espaço para a liberdade de consumo. O utente não pode decidir as suas refeições, os horários de recolher, o cuidador, sendo obrigado a programar a sua agenda consoante as condições pré-estabelecidas pelas instituições.

Já Rosmelin, mesmo apresentando um posicionamento de concordância face a algumas destas afirmações, acrescenta que “as instituições também não agem, quanto têm poder para tal”. Sobre as perspectivas de emprego, Rosmelin partilha existirem contemporaneamente protocolos estabelecidos entre empresas e o governo, através da concessão de comissões às primeiras, que visam impulsionar a inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho.

Tiago Bonifácio, estudante invisual do curso de História, considera que as suas maiores dificuldades remetem para a planta e estrutura da faculdade, extremamente labiríntica, e para a carência de recursos humanos no que concerne ao trabalho imprescindível de digitalização dos materiais escolares. “Não tenho metade dos materiais que necessito para estudar”.

Jorge Anselmo, estudante com paralisia cerebral, no segundo ano de mestrado de Riscos, Cidades e Ordenamento de Território, conta-nos que o seu percurso inicialmente foi complicado, mas que com a continuidade do tempo sentiu-se acolhido pelos colegas. Os métodos de avaliação à sua disposição são a gravação áudio das aulas e a webdifusão (gravação vídeo). Os professores nem sempre reagem positivamente a estas propostas, sentindo-se desconfortáveis com a ideia das suas aulas serem gravadas, quer em formato áudio ou vídeo. Jorge considera que este tipo de métodos deveriam ser impulsionados e armazenados na plataforma online da faculdade, de modo a disponibilizá-los não só aos estudantes com deficiência, mas também, por exemplo, aos trabalhadores-estudantes. Quando questionado acerca das suas perspectivas profissionais conta-nos “É muito complicado, é muito complicado…”. Inesperada e sorridentemente acrescenta “Mas a vida é tão bela. Eu amo a vida!”.

Esta incursão conduz-nos à inevitável constatação de que a faculdade não se encontra preparada para acolher estudantes nesta condição. E, como Leonor lembra, evidência socialmente obscurecida, “primeiramente somos pessoas, depois pessoas com deficiência. E a deficiência, é uma mera casualidade, que em nada é definidora da nossa essência.”. Tudo isto dá-nos azo a reflexões mais profundas, que nos conduzem ao radical questionamento sobre os movimentos sociais, políticos, económicos que regem a dimensão humana. Questionamento radical sobre os valores éticos preconizados e quiçá, acerca da nossa própria humanidade. O mundo movimentado pela frivolidade imagética, pelo culto individual, pelo não-sentido e o não-pensado. Será isto a tão almejada evolução?

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