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Artigo de Opinião

UM PASSO NA LONGA CAMINHADA PREVENTIVA

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O último verão deixou à vista de todos a clamorosa falha do Estado em proteger os seus cidadãos num período especialmente vulnerável no que se refere aos riscos de incêndios florestais. O triste flagelo, recorrente, ganhou contornos de tragédia com a perda de dezenas de vidas humanas numa página negra da nossa história coletiva.

A melhor forma de honrar as vítimas passará, no meu entender, por evitar que tal cenário dantesco se repita no futuro. Para esse efeito é de louvar qualquer iniciativa que vise em primeira linha a prevenção.

Neste sentido, e porque o Estado somos todos nós, compete ao Governo, enquanto cúpula da Administração Pública, devidamente auxiliado localmente pelas entidades competentes, mas também a cada indivíduo isoladamente considerado, zelar pela limpeza das matas, bosques e florestas em seu redor, todos imbuídos num espírito de cooperação e sentido patriótico.

No entanto, o Mundo em que vivemos não é o ideal plasmado no parágrafo anterior. Foi dado um prazo até ao dia 15 de março para o término destas tarefas de limpeza e gestão de combustível por parte dos “proprietários, arrendatários, usufrutuários ou entidades”.

O Decreto-Lei nº 124/2006, de 28 de junho prescreve medidas de proteção florestal e de combate aos incêndios. No seu artigo 38º estão previstas coimas entre os € 140 e os € 5 000 no caso de pessoas singulares e entre os € 800 e os € 60 000 se se tratar de pessoas coletivas, no caso de se verificar o incumprimento das disposições que especifica seguidamente e que só a sua leitura integral pode esclarecer.

Tendo em consideração o período sensível que atravessamos recentemente, estes valores são duplicados no corrente ano de 2018, em conformidade com o disposto na Lei do Orçamento de Estado (vide artigo 153º, nº2 da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro). Uma medida drástica para tempos que exigem uma mudança radical nos nossos comportamentos se queremos ter um verão mais pacífico e, por outro lado, uma ameaça concreta para acelerar o cumprimento dos desígnios de limpeza tempestivamente.

A teoria perfeitamente alinhada contrasta, porém, com a praxis do nosso país, onde a letra da lei não chega, as mais das vezes, ao conhecimento efetivo do cidadão comum ou, quando muito, não é comunicada da melhor forma possível para que possa ser entendida claramente por todos.

Parece ser o caso do Decreto-Lei nº 10/2018, de 14 de fevereiro, que constituiu uma tentativa do Governo em fornecer uma interpretação mais elucidativa deste regime “com vista à sua plena e inequívoca operacionalização”. No seu preâmbulo, é ainda assumido que “as regras existentes revelaram-se ineficazes para conter a progressão dos incêndios e para garantir a segurança das pessoas e dos seus bens”.

Este ato de contrição fica bem e a matéria é de tal forma importante que até foi disponibilizado um conjunto de perguntas e respostas, em linguagem simples e acessível, despida de termos jurídicos, onde podemos compreender, entre outras coisas, que as “faixas de gestão de combustíveis são zonas existentes nos espaços rurais destinadas a travar o avanço das chamas durante um incêndio” e que aí “devem existir árvores que sejam mais resistentes ao fogo”.

Tal iniciativa de simplificação é de aplaudir. Não deixa de existir, contudo, um problema relacionado com o tempo. É que este Decreto-Lei, publicado a 14 de fevereiro, entrou em vigor no dia seguinte. Ora, o prazo desta operação tem o seu término a 15 de março. Sobrava, pois, um mês exato para que se produza esta limpeza urbanística, a bem de todos, mês esse que não chega sequer a trinta dias, dado fevereiro ser naturalmente mais curto que os demais.

É manifestamente pouco tempo para que tal empresa, embora bem-intencionada, seja bem-sucedida no prazo previsto.

Quanto a outras medidas preventivas, nomeadamente do ponto de vista de um agravamento da moldura penal para os incendiários, é de realçar o artigo 274º-A do Código Penal, aditado a este diploma pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto. Veio estabelecer um regime sancionatório que enfatiza a tendência do agente em concreto para práticas do crime específico de incêndio florestal.

Para uma melhor resposta a essa inclinação para o crime é prevista uma pena relativamente indeterminada, que se caracteriza pela sua dualidade: é, em parte uma pena e, posteriormente, depois de o indivíduo ter cumprido o tempo de pena correspondente ao ilícito praticado, reveste-se de medida de segurança. Nestes casos, tal como o nome deixa antever, o agente não sabe quanto tempo de pena irá cumprir, podendo o seu comportamento durante a execução da pena ter influência na sua durabilidade.

Assim, tendo em conta os recentes desenvolvimentos desta matéria no âmbito jurídico-penal, é necessário dar tempo ao tempo e esperar pela sua efetividade.

Por agora, devemos continuar nesta senda preventiva para que possamos colher os frutos deste trabalho no verão.

É hora de colocarmos mãos à obra…

Nota: este artigo foi escrito a 5 de Março de 2018.

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