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Artigo de Opinião

Uma casa sui generis

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Em pleno século XXI, perante uma humanidade mais acelerada, opulenta e desenvolvida que nunca em diversas áreas, ainda são muitos e inquietantes os desplantes na área da educação. E, perante este novo mundo que gira a uma velocidade vertiginosa, alimentando-se de rankings e números, torna-se fácil esquecer a essência do legado deixado por todos os investimentos humanos passados. Por vezes, um olhar sobre as circunstâncias da nossa história pode servir de ótimo remédio e não há nada como olharmos para trás.

A Europa foi o berço da instituição que nasceu no século XI e que permitiu ao mundo viver a um novo ritmo alucinante. As Universidades transformaram a nossa vida e, o amor pela natureza e a curiosidade incessante das populações europeias, herdeiras do naturalismo aristotélico, estiveram na base da mudança de pulsação da humanidade. Bolonha foi a precursora de uma instituição exclusivamente europeia que impulsionaria o velho continente centúrias para a frente de todos os outros. Na altura, a Europa identificava-se com a Cristandade Ocidental, sendo esta a principal circunstância que permitiu ao continente batizado pelos gregos dar um salto que só viria a ser dado noutras zonas do globo séculos mais tarde.

Vivia-se, portanto, numa Europa cristã, assente num esboço de divisão entre o poder político e o poder religioso, e, enquanto os asiáticos aceitavam facilmente a servidão em troca de calma, os europeus encarnavam uma dialética entre o pensamento da Antiguidade Clássica e os novos tempos. Embora as estruturas económicas, sociais e políticas mudem mais rapidamente que os esquemas mentais, o Cristianismo, que cultivava o gosto pela descoberta e a vida, aceitou o movimento da História e o novo ritmo de mobilidade da Europa, em oposição ao de uma Ásia mais plácida. Fomentava-se, um pouco por todo o território europeu, uma tradição de equilíbrio entre o homem, a natureza, a razão e a fé.

Por outro lado, no denominado “Mundo da Ciência Árabe”, embora as técnicas científicas fossem tão avançadas como as europeias, o ensino das mesmas era reservado a ínfimos segmentos da população. Enquanto na Europa qualquer simples camponês conhecia todas as constelações que adornavam os céus, em terras asiáticas, o contemplar do firmamento era um luxo acessível a muito poucos. Os três anos da Escolástica estimulavam as mentes europeias através da constante introspeção de variadíssimas matérias. Desde a leitura de textos clássicos ao ensino da arte de bem falar, quem escolhia embarcar neste desafio da mente voltava à sua vida depois da Universidade com uma visão plenamente distinta. Durante aqueles três anos tinha enveredado por um caminho entre as ideias que, ao longo dos milénios, acrescentaram páginas sem fim ao mais belo repositório da humanidade.

Hoje em dia, a Universidade na sua verdadeira essência encontra-se em vias de extinção. Cada vez mais, as diversas faculdades têm-se tornado num meio para atingir um fim. Embora a formação para o exercício de uma profissão seja um bónus de alguns cursos, nunca deveria ser esse o fundamento de uma experiência universitária. A prática e a experiência académica devem ser vistas como um fim em si mesmo e jamais como uma mera ferramenta. Sempre criámos ideias sobre o mundo, e as mais diversas línguas, teorias, filosofias e sentimentos são expressas através das culturas díspares onde as pessoas florescem. Mas, para isso, é necessário reconhecer e explorar a individualidade e a diversidade. É fundamental rejeitar tudo aquilo que defenda um culto da uniformidade, pois uma Universidade é tanto melhor quanto mais forem as disparidades que lá encontramos.

Um velho Professor meu disse que, depois de ter entrado nesta casa por onde muitos de nós passámos, nunca mais de lá saiu. Não proponho aqui que todos escolham a vida académica ou que voltemos aos tempos da Escolástica, até porque as circunstâncias do mundo globalizado em que vivemos nunca o permitiriam. Sugiro sim, que não esqueçamos a essência que nos é devida e da qual somos herdeiros. As Universidades constituem o fruto da inovação e do engenho humano, representando autênticos laboratórios onde inúmeras ideias são exploradas e reivindicações que não encontram público noutros locais são feitas. Acima de tudo, não esqueçamos que, embora pareça algo cada vez mais excêntrico com o suceder dos tempos, uma vida dedicada ao estudo não precisa de qualquer outra justificação.

 

Artigo da autoria de Afonso Morango