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Artigo de Opinião

A UNIVERSIDADE EM TEMPOS DE AUSTERIDADE

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Pedro Graça, FCNAUP

Pedro Graça, FCNAUP

Passei estes dias a debater com colegas, o tema da “Universidade em tempos de austeridade”. Colegas que trabalham em universidades onde se ensinam as ciências da saúde. Mas poderiam ser outras instituições. Creio que as conclusões seriam semelhantes.

Apesar de estarmos no meio de uma crise económica e de comida, sim de comida e fome por esta Europa fora, que faz crescer as desigualdades e os extremismos populistas, praticamente nenhuma instituição mudou seriamente a sua estratégia para integrar estes problemas nas suas actividades pedagógicas e de intervenção na sociedade. As verbas para a investigação, a precariedade dos docentes, a progressão na carreira, a produção científica, os rankings, a redução dos orçamentos para a investigação, ou ainda, a internacionalização e a captação de alunos estrangeiros, foram temas centrais nesta discussão. Fiquei a pensar nesta “insensibilidade”. E com mais dúvidas do que certezas acerca do “bom senso” das pessoas que lideram estas instituições, neste momento particular da história europeia.

Uma universidade pública deve contribuir para o bem público e para que a sociedade e as comunidades locais resolvam melhor os seus problemas. Não sei se esse objectivo se consegue com a nossa actual forma de trabalhar.

Uma universidade e os que nela trabalham deveriam gostar de ser reconhecidos pelo elevado impacto que produzem na sociedade e não, maioritariamente, pelo impacto que produzem nos editores das revistas de impacto elevado. Ou seja, gostaríamos de ser lidos, escutados e de certa maneira compreendidos pela sociedade e não apenas pelos nossos pares científicos. De forma a tornarmos a ciência útil para a comunidade que nos rodeia e não apenas (mas também) para os colegas que lêem as nossas ideias em inglês a milhares de quilómetros de distância.

Fazer com que os nossos estudantes sintam que a Universidade está envolvida na mudança do mundo (para melhor) e que o centro do universo não é o ego dos seus professores, as classificações de cada um, ou ainda, as tricas internas das instituições. Ou seja, fazer sentir aos nossos estudantes que a missão da universidade é a criação partilhada de valor humano com a sociedade, a formação de pessoas que pensam melhor, de forma mais ética e responsável (social e ambientalmente) e não apenas a capacidade aumentada de encontrar um emprego bem remunerado ou produzir ciência a metro.

Vivemos num momento histórico na Europa. Regressam os nacionalismos. Crescem as desigualdades. Aumenta a dificuldade de muitos terem acesso a uma alimentação saudável a um preço adequado. Cresce a oferta alimentar de má qualidade, hipercalórica e a baixo preço. Aumenta a obesidade, a hipertensão e a diabetes nos mais pobres, o que contribui para o absentismo, desemprego e para a perpetuação do ciclo de pobreza e desigualdade. E apesar de tudo isto, alguns dos meus pares continuam a discutir exclusivamente as carreiras, as publicações e os rankings

A produção de licenciados com capacidade de liderança, de fazer a mudança, de juntar a teoria à prática, de construírem equipas que funcionam, de avaliarem o que fazem e informarem a sociedade do que fazem, de serem capazes de se relacionarem com as suas comunidades locais e de as transformar parece não fazer mais parte dos objectivos centrais da educação universitária. O objectivo “parece ser” a formação de pessoas que estão afastadas do mundo e dos problemas dos outros (para não se distraírem do essencial, a produção de ciência), concentradas nos seus papers e doutoramentos, para os terminarem o mais rapidamente possível, publicarem algures numa revista distante que aceite a especificidade própria de um texto que interessa apenas a um determinado grupo específico, e serem capazes de concorrer a vagas nas próprias instituições para perpetuarem os poderes de quem manda. Acontece em demasiados casos…

P.S. Desculpem o cinismo e o enviesamento gramsciano, mas como diz o Carlos Tê… “Dança tu que eu fico assim/Porque eu estou que não me entendo/Não queiras saber de mim/Hoje não me recomendo”.

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