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Artigo de Opinião

SANGUE E SEXO

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Tiago Vaz

Tiago Vaz

De Portugal ao Brasil, da França à Itália (entre vários outros), discutem-se por estes dias questões de sangue e sexo. Que é como quem diz, o que a minha orientação sexual importa no momento de eu doar sangue.

A questão acendeu-se por cá na passada quarta-feira (29 de Abril), com as declarações de Hélder Trindade, presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST). Segundo este, homossexuais que sejam sexualmente ativos são imediatamente excluídos enquanto dadores de sangue. Mais, um dador homossexual só o poderá ser se estiver em “abstinência sexual”.

As declarações não são novas, nem tão pouco surpreendentes – o que não falta na sociedade do século XXI são indivíduos que acham que a homossexualidade e outras orientações sexuais são uma doença a ser erradicada como se de um cancro se tratasse. Surpreendente, chocante até, é estas declarações virem de quem vêem. Não pela pessoa, nada tenho contra ou a favor do Sr. Hélder Trindade, mas pelo cargo que ocupa. Espanta-me, incomoda-me profundamente, que o mesmo senhor, que em diversos momentos fez apelos mediáticos pela dádiva de sangue e procura aumentar o mais possível o número de dadores em Portugal, seja o mesmo que sem qualquer razão lógica (e não, não tem lógica), elimina de uma assentada milhares de potenciais dadores.

Esta situação acaba por nem ser uma questão de orientação sexual. Trata-se antes de uma questão de orientação intelectual (melhor, falta desta). É a incrível falta de inteligência revelada pelas declarações deste senhor, que vê os homossexuais mais ou menos como um grupo de ninfomaníacos que mantem relações sexuais com múltiplos parceiros numa base diária ou semanal e que, portanto, são quase de certeza portadores da caixa de pandora das doenças. Daí que todos eles deverão ser portadores do vírus da Sida, pelo que é inútil que dêem sangue. Ah, numa nota não tão secundária, ficam mais duas ilações do discurso deste senhor: todos os homossexuais sexualmente ativos praticam sexo anal; o sexo anal é uma prática exclusiva dos homossexuais.

É incrível a quantidade de preconceitos e de factos sem fundamento ou dados que os comprovem que conseguimos encontrar numa simples declaração. Mais incrível ainda é, nos dias de hoje, termos uma lei oca nestas matérias, tanto em Portugal como na União Europeia. Permite que frases destas sejam proferidas em praça pública como se de verdades se tratassem. Permite que ainda hoje se discriminem pessoas com base na sua orientação sexual. Permite que ainda hoje, o foco nos critérios de exclusão para a dádiva de sangue estejam na orientação sexual dos indivíduos e não nas práticas que estes exercem (e essas sim, deveriam ser o critério de exclusão). Fica aqui a contradeclaração: na hora de dar sangue, não importa se se deitaram com um homem ou uma mulher; importa o que fizeram e as consequências que isso trouxe. Importa se são saudáveis e se o vosso sangue vai realmente poder ser usado para salvar a vida de alguém.

Está mais que na hora de abandonarmos estas visões nada inteligentes de que os homossexuais são um grupo de devassos. De que a sua sexualidade é uma doença transmissível. De que, pelo simples facto de serem homossexuais, todos os seus comportamentos sexuais são de risco. Estamos a falar de pessoas. Quantos homens e mulheres heterossexuais vão sair hoje, sábado à noite, e terão comportamentos de risco? Quantos mais o farão na semana da Queima das Fitas que hoje começa? E na hora de dar sangue, onde estão as questões e os critérios aos seus comportamentos de risco?

Fico-me por isto: se um dia precisar de sangue para viver, pouco me importa com quem vocês se andaram a deitar. Façam-no apenas com segurança (pelo vosso bem e pelo bem de quem querem ajudar). A vossa orientação sexual? Conheçam-na, disfrutem-na e aproveitem a vida. Não me diz respeito sabê-la nem me preocupa. E, já agora, dêem sangue. Um dia podem ser vocês a precisar dele.

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