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Artigo de Opinião

SOMOS UMA CAMBADA DE TÍTULOS

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Raul Minh'alma

Raul Minh’alma

O Sr. Doutor desabafou com o Sr. Engenheiro seu amigo, que o Exm.° Sr. Dr. Juiz o proibiu de se aproximar da Sr.ª (também) Doutora sua ex-esposa. Tal facto deveu-se a um grave desentendimento entre o Sr. Doutor e a então Sr.ª (também) Doutora sua esposa, que resultou numa agressão. Já o Sr. Rev. Padre da freguesia, na altura em que os casou, desconfiava que eles não tinham sido feitos um para o outro, mas nunca imaginara tal desfecho. Por tudo isto e não só, o filho de ambos, perturbado, agrediu um colega na sala de aula e o Sr. Professor teve de fazer queixa ao Sr. Diretor da escola. Para piorar tudo, o colega agredido era sobrinho do Exm.° Sr. Presidente da Câmara Municipal e filho do Sr. Agente de Autoridade da PSP mais respeitado da região.   Tendo em conta que não coloquei nomes, apenas títulos, esta história podia ter-se passado em inúmeros lugares, já que em qualquer esquina há um Sr. Doutor, Engenheiro, Juíz, Professor, Presidente etc.

Somos senhores disto e daquilo – somos senhores de tudo – menos senhores do nosso nome. Com tantos títulos, antes mesmo de começarmos a dizer o nome da pessoa, já se queimaram umas quantas linhas a descrever, enumerar e ordenar o amontoado de rótulos que, porventura, esse alguém conquistou com mérito. Mas fazemo-lo por questões de educação, de respeito, de reconhecimento? Ou será por receio de uma repressão por parte desses “Senhores”?  A todos os Senhores a quem não interessam os títulos que o seu esforço conquistou, e que, por isso, dispensam que antes de invocarem o seu nome de batismo lhes acrescentem uma etiqueta profissional, eu só posso fazer-lhes uma vénia, louvando-lhes a humildade que o poder não lhes roubou. Já aos outros “Senhores” que fazem toda a questão do mundo de serem tratados por senhores doutores disto e daquilo, não por uma questão de respeito ou reconhecimento, mas sim por umas pitadas de ego a mais (e só para estes), eu gostaria de lhes sugerir um jogo interessante. Um jogo que consiste em fazer passar um cartão por dez amigos, onde cada amigo escreverá uma qualidade sua, e depois é só ler o cartãozinho todas as manhãs. Aumenta a autoestima e não cria ódio nem repulsa nos outros. Olhem só que bom!

Mas esta é uma questão particular e pessoal, depois há a questão geral e social: somos uma sociedade de títulos. Somos, na verdade, uma cambada de títulos. Vivemos numa selva de Dr.’s e Exm.°’s que nos distanciam como pessoas, que nos afastam da humanidade e do calor que ela nos traz e nos aproximam das máquinas e dos mecanismos automatizados, frios e insípidos. Deixámos de ser pessoas para sermos profissões, deixamos de ser o João ou a Fernanda para sermos o Doutor ou a Doutora. No fundo deixámos de ser para ter. A verdade é que nós queremos um título, aliás, nós estudamos e trabalhamos anos e anos para conquistá-lo e merecê-lo. Mas não é esse o problema, óbvio que não. O problema é acharmos que somos mais ou melhores por termos esse título. O problema é precisarmos que nos chamem doutores para nos sentirmos como tal. Certamente que um verdadeiro doutor terá humildade e sabedoria suficiente para saber o que é e quem é mesmo que alguém não o trate como tal. E esse é um pormenor que muitos “senhores doutores” desconhecem.

A sociedade ensinou-nos que o Dr. João é mais do que o João e que o Arquiteto Monteiro é mais do que o Joaquim Monteiro, no entanto, o que a sociedade não sabia, e por isso não nos ensinou, é que estes dois eram a mesma pessoa.

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