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Artigo de Opinião

Reinventar a Fronteira: Da Divisão à Cooperação no Noroeste Peninsular

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O Noroeste Peninsular, composto pelo Norte de Portugal e pela Galiza, é uma das regiões mais interligadas da Península Ibérica — cultural, linguística e historicamente. Partilhamos, de facto, uma forte ligação cultural.
O Noroeste Peninsular destaca-se por uma complementaridade económica notável, com setores estratégicos como o têxtil, agroalimentar, turismo, energias renováveis e indústrias criativas | Imagem: SORA (IA)

Separadas por uma linha imaginária, mas unidas por séculos de história comum, a Galiza e o Norte de Portugal formam uma região vibrante onde a identidade partilhada encontra desafios e oportunidades. Do dinamismo económico às raízes culturais, este território mostra que, quando as fronteiras se dissolvem, o potencial coletivo pode finalmente florescer.

O Noroeste Peninsular, composto pelo Norte de Portugal e pela Galiza, é uma das regiões mais interligadas da Península Ibérica — cultural, linguística e historicamente. Partilhamos, de facto, uma forte ligação cultural. Contudo, ao longo dos anos, esta região poderia trazer um aproveitamento ainda maior tanto para Portugal como para Espanha, mas tem sido tratada como periferia, tanto por Lisboa como por Madrid, o que tem gerado desequilíbrios que dificultam o pleno aproveitamento do seu potencial económico, social e político.

Decidi escrever este artigo devido a minha experiência académica, após explorar a região numa disciplina de Relações Internacionais. Tive a oportunidade de organizar e ser orador numa aula aberta dedicada ao Noroeste Peninsular, onde se procurou destacar as suas potencialidades e os desafios que enfrenta, o que serviu de base para a redação deste texto.

Peninsular: Enorme Potencial Económico

O Noroeste Peninsular destaca-se por uma complementaridade económica notável, com setores estratégicos como o têxtil, agroalimentar, turismo, energias renováveis e indústrias criativas. Estas áreas oferecem uma base sólida para impulsionar o desenvolvimento conjunto das duas regiões.

Norte de Portugal e Galiza são regiões tradicionalmente exportadoras. Em 2022, a Galiza registou exportações no valor de 2,8 mil milhões de euros, enquanto o Norte de Portugal exportou 2,34 mil milhões de euros — números que contrastam com o caráter deficitário das balanças comerciais de bens dos respetivos países. Em ambos os casos, o principal destino das vendas externas são os países da União Europeia, que representam 75% das exportações galegas e 73% das nortenhas, segundo um relatório socioeconómico do Eixo Atlântico.

Estes números evidenciam a existência de um perfil exportador sólido em ambas as regiões, algo que não pode ser ignorado na análise do seu potencial económico conjunto.

A Galiza é uma das regiões espanholas com maior peso nas exportações, representando cerca de 12% do total espanhol, destacando-se nos setores automóvel, metalurgia, agroalimentar e pesca. Já o Norte de Portugal contribui com aproximadamente 20% das exportações nacionais portuguesas, com relevo para o têxtil, calçado, produtos agroalimentares e componentes para a indústria automóvel.

Este volume significativo de exportações revela um enorme potencial económico que pode ser ainda mais explorado através da criação de cadeias de valor transfronteiriças e do fortalecimento das parcerias empresariais. A cooperação permite integrar mercados e aumentar a competitividade regional, abrindo novas oportunidades para as empresas locais.

Infraestruturas e Mobilidade

Para potenciar o comércio entre o Norte de Portugal e a Galiza, é fundamental melhorar significativamente as infraestruturas de transporte, com especial atenção à ligação ferroviária.

Sendo Portugal um país pequeno geograficamente, não é compreensível que os sucessivos governos não tenham apostado mais na ferrovia. É necessário modernizá-la e valorizá-la como meio de transporte mais sustentável e económico, adequado tanto ao transporte de mercadorias como à mobilidade laboral transfronteiriço.

Investir na modernização e ampliação das infraestruturas ferroviárias — nomeadamente na renovação das linhas existentes e na criação de novas ligações diretas entre centros urbanos como Porto e Vigo — é uma prioridade estratégica que exige coordenação eficaz entre governos nacionais, autarquias e entidades regionais. A Euroregião Galiza-Norte de Portugal pode ser uma plataforma fundamental para essa cooperação, facilitando o acesso a fundos europeus para o desenvolvimento transfronteiriço.

Políticas Públicas e Inovação

Para impulsionar o comércio e o desenvolvimento económico, é essencial que haja uma maior vontade política regional, com autarquias e entidades locais a atuarem de forma coordenada, implementando políticas públicas que promovam a integração e cooperação transfronteiriça. A colaboração deve focar-se em três eixos principais: infraestruturas, inovação e desenvolvimento sustentável.

No domínio das infraestruturas, os investimentos conjuntos em ligações ferroviárias e rodoviárias são cruciais para eliminar os atuais obstáculos à mobilidade de mercadorias e trabalhadores. Os governos devem articular fundos nacionais e europeus para modernizar infraestruturas e criar novas ligações diretas entre polos estratégicos como Porto e Vigo. As autarquias devem garantir que estas infraestruturas se integrem com os sistemas locais de transporte, facilitando o acesso das populações e empresas.

Na inovação tecnológica e investigação, a criação de redes conjuntas de centros de investigação e universidades é fundamental. Governos e autarquias devem incentivar programas de cooperação que promovam o intercâmbio de conhecimento e o desenvolvimento de projetos conjuntos.

É igualmente fundamental que as políticas públicas fomentem a capacitação e formação das populações locais, sobretudo dos jovens, para responderem às exigências de um mercado de trabalho cada vez mais integrado e competitivo. Programas educativos que valorizem o talento jovem a nível universitário nas duas regiões são essenciais para a troca de ideias e o desenvolvimento de projetos transfronteiriços. Estágios e a facilitação da mobilidade laboral entre universidades em Portugal e Espanha devem ser promovidos em conjunto.

Noroeste Peninsular: Disparidades Sociais e Económicas

As regiões do Noroeste Peninsular enfrentam desigualdades significativas quando comparadas com grandes centros urbanos como Lisboa, Porto, Madrid e Vigo. Lisboa e Madrid, enquanto capitais políticas e económicas, concentram investimentos, universidades de referência e mercados laborais dinâmicos, atraindo talentos e inovação.

Porém, esta concentração cria desequilíbrios face a regiões como Porto e Vigo, que, apesar da sua importância, têm limitações em termos de investimento e capacidade para competir ao nível das capitais. Estas disparidades manifestam-se também na qualidade e acesso a serviços públicos, especialmente nas áreas periféricas e rurais.

Para reduzir estas assimetrias, é crucial promover políticas territoriais equilibradas que reforcem centros urbanos secundários como Porto e Vigo, melhorando infraestruturas e atraindo investimento e talento. A cooperação transfronteiriça oferece uma oportunidade única para criar uma região económica integrada, capaz de enfrentar os grandes polos urbanos e promover um crescimento mais homogéneo.

O Inicio de Uma Jornada

A cooperação entre o Norte de Portugal e a Galiza deve ser uma uma prioridade incontornável para todos os responsáveis políticos  o desenvolvimento sustentável e equilibrado do Noroeste Peninsular. Ambas as regiões apresentam um enorme potencial económico, sustentado por setores industriais sólidos e um perfil exportador significativo, que contribuem de forma relevante para as suas economias.

No entanto, desafios comuns como o despovoamento, o envelhecimento da população e as deficiências nas infraestruturas continuam a limitar o seu crescimento. A colaboração transfronteiriça, por meio de políticas coordenadas que promovam a modernização das ligações, a inovação tecnológica e a mobilidade académica e laboral, é fundamental para ultrapassar estes obstáculos.

A Cooperação entre governos, autarquias, instituições académicas e setor privado permitirá transformar o Noroeste Peninsular numa região integrada, dinâmica e competitiva, capaz de responder aos desafios do futuro e garantir um crescimento inclusivo e sustentável.

Artigo da Autoria de Alexandre Ribeiro