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Sociedade

“AQUELE SANGRA DA MESMA MANEIRA QUE EU”

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Foi de união, e falta dela, que falaram o bispo das Forças Armadas, D. Manuel Linda, o presidente do Centro Cultural Islâmico do Porto (CCIP), Abdul Rehman Mangà, o presidente da Assistência Médica Internacional (AMI) – ONG para a qual reverteram as receitas, Fernando Nobre, e a presidente do Sindicato dos Funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuela Niza Ribeiro. O diretor do Jornal de Notícias, Afonso Camões, moderou “os moderados”, que criticaram fortemente quaisquer tipos de fundamentalismos, e questionou-os acerca dos elos entre religiões.

D.Manuel: “O que nos une é perfeito e é imensamente maior do que aquilo que nos separa”

Tal como o Cristianismo, o Islamismo acredita na existência de um só Deus e presta adoração ao transcendente, estando muito longe dos radicalismos que adoram o fundador dos seus movimentos em vez da divindade. O bispo elogiou a forma como a fé é transmitida na religião Islâmica, na “solidez do contexto familiar” e comparou-a com o caso do Cristianismo, em que se reduz o dom da transmissão da palavra aos padres, aos papas, e aos “mestres da religião”. Ainda assim, critica a “teocracia” islâmica – a vida política reger-se pelas leis do Alcorão – e assume que a Bíblia não é vista como um conjunto de “verdades taxativas” que possam ser usadas como “pressupostos legais”, “ao contrário do que acontece no Islão”. D. Manuel Linda diz ainda que os direitos humanos do mundo islâmico não são vistos da mesma forma que no cristianismo e que “não é preciso aniquilar o ser humano para elevar Deus”. Mas será que se pode falar em direitos humanos do mundo islâmico? É uma questão que se levanta do fundo da plateia, de um português convertido ao Islamismo, que se levanta também. “A concepção dos direitos humanos nada tem a ver com o Islão, tem a ver com cada país”, afirma, lembrando o exemplo da Arábia Saudita e da Jordânia. Ambos países muçulmanos. Ao pé um do outro. Num, a mulher está proibida de conduzir, no outro, e à semelhança de muitos, a mulher conduz. Ou a Nigéria e o Azerbaijão (estado laico, em que 95% da população é muçulmana). Num, 659 pessoas foram condenadas à pena de morte em 2014, segundo a Amnistia Internacional. No outro, a pena de morte foi abolida para todos os casos.

Fernando Nobre: “Eu acredito que a religião não é o problema, o problema é o poder”

Os maiores genocídios da humanidade (Camboja, Somália, Ruanda) aconteceram entre “pessoas da mesma religião, com vontades diferentes”. Nas ações de combate à fome, à pobreza e ao subdesenvolvimento da ONG que preside, Fernando Nobre já deu a volta ao mundo islâmico. Hoje não o pode fazer com a liberdade e segurança de outros tempos. Culpa, em parte, “o maquiavelismo” das políticas europeias e norte-americanas. “Nós, ocidentais, sopramos vento em países incendiados, e agora estamos a viver as consequências.” O professor de medicina mostra que, depois do mundo ocidental ter querido impor à força democracias em países que não estavam preparados para as ter, é curioso pensar qual é o maior aliado dos Estados Unidos. Precisamente a única democracia do médio Oriente, Israel. E enquanto os drones matam, “a Europa está à mercê das vontades da superpotência.” Por isso é da opinião que os EUA são o pior inimigo da Europa. “Quem está a financiar o fundamentalismo é a Arábia Saudita, o Qatar, a Turquia, e os EUA, e nós estamos entre a espada e a parede.” E o problema de a Europa estar entre a espada e a parede é que “a guerra já não é o que era” – diz Afonso Camões – “está no meio de nós, não se limita a uma primeira linha.”

Abdul Rehman Mangà: “O autoproclamado Estado Islâmico não é um estado, e não é Islâmico”

– Assalamu Alaikum!
Significa “a paz de Deus esteja convosco”. Abdul di-lo regularmente, a qualquer pessoa. Porque “nós também somos judeus” e “nós também somos cristãos”. Têm pontos em comum. Judeus e muçulmanos não comem carne de porco e o sangue é-lhes proibido. Muçulmanos e cristãos acreditam ambos no profeta Jesus. E todos acreditam na justiça divina acima da justiça terrena. Quando se fala em relações e religiões no panorama atual, é impossível não falar nos mais recentes acontecimentos terroristas. Não por eles terem algo de religioso, mas por se justificarem com a religião. Abdul considera que a “barbárie” nada tem a ver com religião, e serve apenas para chamar a atenção do Ocidente e dizer que “os assassinos estão aqui”. “Aproveitam-se das pessoas que estão mal integradas na Europa, das que ficaram presas na marginalidade, para ganharem apoiantes”. E foi com esses apoiantes (e com o financiamento ocidental) que o Daesh ganhou força. “Não se pode culpar o Islamismo por estes atos, da mesma forma que não se culpou o Cristianismo pelas Inquisições, culparam-se as pessoas, por isso não tenham medo da religião, tenham medo das pessoas.” Acrescenta que “Quem utiliza o nome da religião para matar, não é muçulmano. É isso que diz o Alcorão.”

Niza Ribeiro: “É irónico. Estamos a morrer com as armas que vendemos”

O nome da força divina ou até a própria existência da mesma não são o que preocupa a diretora da Delegação Norte do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo. “O que me preocupa é a tolerância e a fraternidade.” Tal como Abdul Rehman Mangà, diz que usar a religião como justificação para atos terroristas é falso. “O dinheiro e os impérios prevalecem.” OS E.U.A. e a Europa intervieram, “supostamente baseados em valores morais”, no Iraque, na Líbia – onde, apesar da ditadura de Gaddafi, as pessoas “viviam bem” – e agora na Síria.” Não estamos melhores e a verdade é que a guerra dá jeito a muita gente poderosa”. Como? Com a venda e compra de armamento. “As guerras são um mercado forte” Porque é que as grandes potências ocidentais tinham interesse na destruição dos países? “Para lucrarem com a construção. A guerra dá frutos.” Niza está aterrorizada com as decisões dos dirigentes europeus, perante a recente mudança de panorama no caso dos refugiados. Acha que fechar o espaço Schengen não é solução, “é um retrocesso na liberdade”. Se há umas semanas, “a Europa estava a tentar integrar pessoas, agora está a tentar devolvê-las”. Alerta ainda a manipulação de que a comunicação social e, por consequência, as pessoas, são alvo. A publicação de factos sem trabalho de averiguação dão azo à partilha de notícias falsas “que aumentam atitudes xenófobas”. “Por isso, não devíamos discutir religião, devíamos discutir tolerância. Aquele sangra da mesma maneira que eu. O outro do outro sou eu.”

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