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Ciência e Saúde

“The foreign language effect”: Como pensar numa língua estrangeira influencia o nosso pensamento

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Imagem: Sigmund | Unsplash

É natural pensar que a tomada de uma decisão importante poderá ser influenciada por uma miríade de fatores: o contexto que rodeia a questão, as vantagens e desvantagens das diferentes opções, ou os valores individuais a que damos mais importância. Mas e se a língua em que pensamos também for um fator determinativo?

Essa é a questão que diferentes linhas de investigação na área da psicologia têm explorado na última década, num fenómeno agora chamado de “Foreign Language Effect”, ou em tradução livre, efeito língua estrangeira. Esta ideia sugere que o uso de uma língua que não a nativa, pode diretamente influenciar o nosso pensamento.

Numa investigação com origem na Universidade de Chicago nos EUA, e em colaboração com a Universidade de Barcelona, diferentes participantes foram expostos ao famoso dilema ético “The Trolley Problem”, ou dilema dos carris. O cenário é: suponha que uma carruagem de comboio perde o controlo. No carril onde segue estão cinco pessoas, que não se conseguirão desviar do veículo a tempo e que por isso vão morrer. Num segundo carril está apenas uma pessoa, e você tem a oportunidade de puxar uma alavanca e desviar a carruagem nessa direção, salvando cinco pessoas em detrimento de uma. O que escolheria fazer? Intervir, ou não?

O dilema não tem uma resposta correta. Muitas pessoas escolhem não intervir, por não se sentirem capazes de ativamente sacrificar alguém, enquanto outras optam pela resposta utilitária, que salva o maior número de pessoas.

A conclusão interessante do estudo foi que, quando o dilema é apresentado numa língua diferente da nativa, os participantes têm maior tendência a escolher a resposta utilitária. Os investigadores propuseram então que o uso de uma língua estrangeira introduz uma distância psicológica e emocional, que permite mais facilmente enfrentar dilemas morais e de uma forma mais pragmática.

Em subsequentes estudos, diferentes exercícios foram utilizados para explorar o mesmo efeito de língua estrangeira e corroborar as conclusões.

Numa das experiências, a participantes coreanos que tinham inglês como segunda língua, foram oferecidas apostas monetárias de alto risco e alto ganho, ou de baixo risco e baixo ganho. A aversão à perda, que faz com que a maioria das pessoas escolha as opções de menor risco, mas menos lucrativas, é um fenómeno já estabelecido, conhecido na área dos investimentos económicos. No entanto, neste estudo, a percentagem de pessoas a escolher as apostas mais arriscadas, aumentou significativamente quando a proposta lhes foi feita em inglês versus coreano.

Outros estudos demostraram ainda que o uso de uma língua estrangeira pode atenuar ou combater conhecidos efeitos psicológicos como o “efeito de enquadramento”, que reflete a tendência a ser influenciado pela linguagem e forma como uma situação é apresentada; a “falácia dos custos irrecuperáveis”, que representa a relutância em aceitar perdas e abandonar empreendimentos fracassados; ou o “viés do ponto cego”, uma tendência natural e egoísta, de pensarmos que estamos sempre mais corretos do que a maioria das outras pessoas.

E este efeito da língua estrangeira aparenta alongar-se ainda a outros aspetos do nosso pensamento, como é o caso da memória.

Num estudo publicado “Journal of Experimental Psychology”, os investigadores do fenómeno inicial, relacionam o uso de uma segunda língua com uma menor suscetibilidade à criação de falsas memórias. A criação de memórias falsas, devido à existência de nova linguagem ou passagem de tempo, é um dado conhecido na psicologia.

Para testar este fenómeno no contexto da língua estrangeira, uma lista de palavras, todas relacionadas com um só tópico, foi apresentada aos participantes, na língua nativa ou estrangeira. Mais tarde, foi-lhes pedido que identificassem essas palavras. Os participantes nativos foram mais suscetíveis à criação de falsas memórias, apresentando algumas palavras dentro do tópico, que não as exatas.

Num outro exercício, foi mostrado aos participantes um vídeo de um roubo sem nenhum som. Depois, foi-lhes dada uma descrição em áudio dos eventos do roubo, que incluía propositadamente algumas informações falsas, distintas das do vídeo. Este teste estuda a criação de falsas memórias e a facilidade na desinformação, havendo pessoas que não se apercebem das inconsistências ou até que as incorporam no seu posterior relato dos eventos. Novamente, os participantes que ouviram a descrição na sua segunda língua tiveram menos tendência em cair nas armadilhas do exercício, sendo a hipótese dos investigadores que o uso da língua estrangeira causa um pensamento mais cuidadoso e deliberativo.

De uma forma geral, todos estes estudos revelam que o uso de uma língua estrangeira poderá influenciar positivamente os nossos vieses cognitivos, a veracidade das nossas memórias, tornar-nos mais racionais, abertos, e capazes de lidar com dilemas de uma forma mais prática, analítica e racional.

Este fenómeno pode ter implicações na maneira como entendemos o papel da linguagem na psicologia, e em todo o tipo de decisões, sejam elas jurídicas, políticas ou quotidianas.

Texto por Ana Luísa Silva. Revisto por Diana Cunha e Joana Silva.