Connect with us

Ciência e Saúde

Vírus de plantas mostra potencial como imunoterapia contra o cancro

Published

on

imagem: Pixabay

Um vírus que ataca feijões, mas não seres humanos, está a ser explorado como uma nova arma contra o cancro, com resultados promissores em animais modelo e a perspetiva de avançar para ensaios clínicos em humanos.

 

A equipa de investigação liderada por professora Nicole F. Steinmetz, engenheira biomédica da Universidade da Califórnia em San Diego (USA), e por professor Steven N. Fiering, imunologista do Dartmouth College (USA), identificou um vírus presente em plantas, denominado de Cowpea mosaic virus (CPMV), como uma possível imunoterapia contra o cancro.

O CPMV não infeta seres humanos e é considerado seguro. No entanto, este vírus consegue atuar como um sinal de alarme para o sistema imunitário quando injetado diretamente num tumor. Quando aplicado em células neoplásicas, o CPMV ativa as defesas naturais do corpo, tornando o tumor visível ao sistema imunitário e, em muitos casos, provocando a regressão do tumor tratado e de outros tumores no corpo.  Este fenómeno é conhecido por efeito abscopal e  acontece quando um tratamento localizado, como uma injeção ou radioterapia, ensina o sistema imunitário a reconhecer o tumor e a atacar focos de cancro à distância, mesmo sem tratamento direto.

Em ratos de laboratório com dois tumores idênticos, um injeção deste vírus em apenas um dos tumor levou à diminuição ou desaparecimento de ambos, em casos de melanoma, adenocarcinoma e cancro colorretal.

Não obstante, apesar de terem sido obtidos resultados promissores nos casos mencionados anteriormente, em modelos muito agressivos, como o 4T1, um tipo de neoplasia que imita um cancro da mama difícil de tratar, o sistema imunitário fica “travado” e o tumor consegue “esconder‑se” das defesas do corpo. Neste contexto, estes tumores são considerados “frios” e, apesar  do CPMV reduzir o tumor injetado, não consegue eliminar tumores distantes.

Em ensaios veterinários, onde o modelo animal são cães com tumores espontâneos, como melanomas orais e carcinomas mamários, partículas derivadas do CPMV (eCPMV) provocaram redução significativa dos tumores, aumento de células imunitárias no local e nenhum efeito adverso grave. O vírus funciona ativando sensores do sistema imunitário chamados “recetores Toll‑like”, que desencadeiam a produção de sinais inflamatórios e chamam células de defesa para atacar o tumor, transformando tumores “frios” em “quentes”, ou seja, tumores cujo organismo finalmente reconhece e combate.

Em 2025, estudos demonstraram que o CPMV funciona como um agonista triplo de recetores Toll-like, ativando tanto o cápsideo quanto o RNA viral, e desencadeando uma resposta imunitária robusta que envolve neutrófilos, macrófagos, células NK e, de forma duradoura, linfócitos T de memória. Esta propriedade confirma a capacidade do vírus em criar uma imunidade sistémica contra o cancro, com potencial de prevenir recidivas e metástases.

Outro passo crucial foi a demonstração da estabilidade do vírus em condições clínicas. Investigadores comprovaram que o CPMV perde eficácia a temperaturas elevadas ou ambiente, mas mantém-se estável e ativo por até nove meses em congelamento (–20 °C, –80 °C ou azoto líquido). Estudos posteriores estenderam essa estabilidade a dois anos, reforçando a viabilidade do armazenamento e transporte em larga escala.

Em paralelo, foi desenvolvido um processo de fabrico compatível com boas práticas de produção, incluindo extração ácida, ultrafiltração e cromatografia, que assegura purificação em escala industrial — um requisito indispensável antes da aplicação clínica. Além disso, formulações inovadoras, como a associação do CPMV a lipossomas carregados com antigénios tumorais, demonstraram ampliar a resposta imunitária em modelos de cancro do ovário, sugerindo uma futura via para vacinas terapêuticas.

Ao contrário de terapias complexas, o CPMV não se replica no corpo humano, não circula no sangue e não apresenta toxicidade, podendo ser produzido em grande escala e a baixo custo.

Com a consolidação destes dados pré-clínicos, os investigadores preparam agora a transição para os ensaios clínicos em seres humanos, de forma a confirmar se o efeito abscopal e a memória imunitária observados em animais poderão transformar-se numa nova estratégia de tratamento eficaz, segura e acessível contra o cancro.

 

Texto por Sofia I. Conceição Guerreiro. Revisão por  Joana Silva.

Continue Reading
Click to comment

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *