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Cultura

TECA: QUAIS OS LIMITES PARA A PERFEIÇÃO DA HUMANIDADE FUTURISTA?

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Penas de badminton, jarras de vinho e de água e dois seres em transe – o chamado Coro da Humanidade – dispõe-se no chão. Em cima, uma cadeira de árbitro de badminton está pendurada. O cenário está montado e o que se irá suceder acontece num futuro distante. A promessa de um conceito de espetáculo diferente é deixada logo no início quando Gonçalo Waddington, o dramaturgo, encenador e uma das personagens da peça, deixa ao espectador o alerta: “Palavra de honra que a escabrosa escrita não irá de todo melhorar/ E a história será por demais duvidosa, pois o Poeta não tem juízo./ Espero que estejam preparados para o grande disparate que começa agora./ Aos mais sensíveis, um conselho: antes que o coro abra a boca, vão-se embora.”

Ninguém saiu da sala e o coro despertou do transe. A insatisfação é visível e, consequentemente, as queixas são muitas, porque o tédio acomete a sublime criação concebida por Michel, o visionário líder de um simpósio de cientistas que há cem mil anos, através de experiências, modificou radicalmente a espécie humana como a conhecemos. Considerando um desperdício o tempo que se consome com os apetites alimentares e sexuais, a nova civilização não necessita destas atividades, estando liberta para se dedicar de corpo e alma à atividade intelectual. Estaria, assim, criada “uma magnífica criação, sim, uma superlativa criação, uma absoluta e sinteticamente difícil criação”, numa forçada aproximação à perfeição divina. Mas poderá a perfeição ser assim tão interessante?

Depois de Presente, Gonçalo Waddington lança-se no Futuro Distante, a segunda parte de uma tetralogia inspirada em universos paralelos e de ficção científica, criados por autores como Aldous Huxley, de Admirável Mundo Novo, ou Michel Houellebecq, de A Possibilidade de Uma Ilha. Chegando ao segundo momento de quatro espetáculos, criaturas vazias de necessidades e desejos perfeitamente humanos estão impregnadas numa vida solitária, melancólica e desprovida de prazer e de grandes emoções. Esta condição de profundo tédio e descontentamento é revelada pelo Coro da Humanidade, interpretado por Carlo Bolito e Vânia Rovisco, que chama ao futuro Michel para que este regresse ao passado, ao momento da criação, e altere o rumo do que havia concebido, reparando a existência de seres afetados pela nulidade de entusiasmo.

Conciliando a mitologia com questões de ética científica e utilizando a estrutura da tragédia clássica e um tom lúdico afeto à linguagem e tónica utilizadas pelas personagens, Gonçalo Waddington faz jorrar uma peça fluída, engenhosamente escrita em rima, em que ironiza sobre a perfeição enquanto condição de desespero. Para isso serve-se do vocabulário pouco convencional para uma peça de teatro, imagético e impúdico, satirizando a normalização do mundo, o presente de experimentação e os erros decorrentes da evolução da espécie humana, o que conduz à reflexão sobre o caminho que humanidade tomará e o papel que a ciência desempenhará num novo paradigma civilizacional. Como afirma o próprio autor: “Quão entretida poderá ser uma sociedade ao ponto de perder toda e qualquer vontade de se pensar, se reconstruir ou reinventar e condenar-se ao tédio eterno?”

Com residência artística n’O Espaço do Tempo, o espetáculo é uma coprodução São Luíz Teatro Municipal e TNSJ que, esteve mais de uma semana em cena no Teatro Carlos Alberto (TeCA), e pode ser visto sábado, 27 de maio, às 19h00 e no domingo, 28 de maio, às 16h00, dia em que está prevista uma récita com tradução em Linguagem Gestual Portuguesa.

Nesta peça, que conta, ainda, com as interpretações de Carla Maciel, Tiago Lima e Carolina Passos Sousa, joga-se em palco um futuro distante que contrasta radical e irrefutavelmente com um presente de excessos marcado por vulgos prazeres mundanos. Nesse sentido, o badminton, por ser um desporto bonito, elevado, ágil, inofensivo e silencioso, substituiria o sexo como desporto preferido. Assim, no final do espetáculo, retoma-se a cadeira de árbitro de badminton, retomam-se as penas e retoma-se o propósito da criação, porque “Tempos houve em que se matava por dá cá aquela palha (…)”. Mas afinal para onde caminha a humanidade?