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Cultura

JUP RADAR: JOÃO CASTRO E O ROYAL STUDIO, UM “FRAGMENTO DE UTOPIA”

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João Castro iniciou o seu percurso académico na área das ciências, mais concretamente na Universidade de Aveiro, em Biologia, para mais tarde decidir mudar completamente de rumo e escolher licenciar-se em Design de Comunicação pela Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos (ESAD). Atualmente, para além de ensinar profissionalmente, é um dos designers gráficos do Studio Degrau, e a cabeça por detrás do Royal Studio.

João Castro. Fotografia: Joana Novo.

João Castro. Fotografia: Joana Novo.

O Studio Degrau encontra-se escondido num dos edifícios da Rua José Falcão. Subindo até ao terceiro piso, encontramos um estúdio repleto de luz, de estantes com livros cuja capa, contracapa e lombada foi produzida pela equipa; postais e flyers colados nas paredes, cartazes de grande escala e computadores a serem utilizados pelo grupo que já se encontra a trabalhar. Este, constituído por Ana Areias, Raquel Rei e Tiago Campeã, dá as boas-vindas e mostra o espaço.

João Castro chega uns minutos depois, e destaca-se pela forma como tem vindo a desenvolver os seus projetos de design por via do Royal Studio. Hoje, servindo apenas como um portefólio de trabalho online, Castro espera que a persona que criou o Royal Studio cresça e mature, aliando-se a um grupo de profissionais com a esperança de “construir uma sociedade, dar um fragmento concreto de utopia”.

Em entrevista ao JUP, aborda desde o começo da sua carreira até às redes sociais e aos projetos que mais o marcaram, expressando a sua paixão em trabalhar em conjunto naquilo que é o design e no que este faz no âmbito de comunicar visualmente uma multiplicidade de narrativas.

 

 

Como disseste, estudaste primeiro em biologia, mas como e porque é que ocorreu essa transição, do mundo das ciências para as artes?

Em parte, porque me senti intelectualmente preso, apesar de hoje continuar a adorar essa área; e emotivamente, porque estava à procura de uma descoberta nova, naquela fase da minha vida.

A par de estudar, era uma altura muito intensa em que eu ia trabalhando, comecei a desenhar e a pintar grafitti na rua, o que me permitiu conhecer outros universos artísticos, outras pessoas que também pintavam grafitti (agora são chamados de colaboradores). E achei essa liberdade muito interessante. E há bastantes semelhanças entre a biologia e o design, apesar de não parecer.

Como surgiu o Royal Studio? Porquê o nome?

O estúdio  surgiu exatamente pelo anteriormente dito: de uma forma completamente orgânica. Eu queria começar a trabalhar em freelance com os clientes, não estava contente no universo de faculdade e a par de ir desenvolvendo trabalhos e projetos na faculdade criei um nome, uma persona onde partilhei os meus trabalhos, só que por acaso e por sorte chamei-lhe estúdio na altura, porque era assim arrogante – no bom sentido. Era para aumentar o ego, depois, claro, as pessoas começaram a achar que em vez de uma pessoa eram dez, dado o nome. E como o trabalho era bom, isto foi-lhe dando projeção.

A parte do Royal, foi precisamente, como já disse, por causa do ego, sabes que quem pinta grafitti é um “king” na cidade, e pensei: este nome em design há de ser qualquer coisa como a realeza, e, para além disto, é algo que chama a atenção.

Fotografia: Joana Novo

Detalhe do Studio Degrau. Fotografia: Joana Novo

Fala-nos um pouco sobre o teu trabalho. Como é o teu processo criativo?

Foi evoluindo bastante, também de forma muito natural, mas sempre cambiando. Nunca me senti feliz a trabalhar sozinho, em nenhum aspeto, nem a qualquer nível, por isso mesmo, na altura em que criei o estúdio – este alter ego na faculdade – comecei desde logo com um estúdio pequeno com quatro amigos, na Rua Mouzinho da Silveira, no fim da Rua das Flores. Era o nosso espaço de trabalho.

Passados dois anos, mudei de espaço de trabalho, com alguns desses amigos e outros novos, e fomos para um outro sítio. Mas sempre em nome próprio, contudo nunca me senti bem a trabalhar sozinho de facto, porque o processo criativo é muito partilhado, e convém ser partilhado. No processo de design é importantíssimo discutir ideias e ter a certeza de que, apesar de não haver só uma resposta para todos os problemas, a que escolhermos tem que ser consistente, aquela que tu escolheres e decidires. Para mim, esta conclusão apenas se obtém a discutir ideias, sendo importantíssimo aqui trabalhar em equipa. Muito mais interessante e produtivo.

A dada altura, entrei numa plataforma chamada We Came From Space, com sede em Gaia, também composta por um grupo de amigos, onde, no fundo trabalhávamos 20 e tal pessoas numa só mesa, cada um na sua função, mas todos com um mesmo objetivo. Este constante processo de partilha foi bastante inspirador e reforçou bastante os meus alicerces. Muitas vezes sinto que dar aulas também influencia muito o meu processo criativo e de trabalho, não necessariamente por discutir os meus trabalhos e projetos com alunos, o que às vezes pode acontecer, mas principalmente por discutir os próprios processos dos alunos com eles, pois se tens trinta alunos, tens que ter trinta problemas, por muito maus ou muito bons que sejam.

O Royal a dada altura evoluiu e claro que ainda existe, na sua essência, mas mudou de nome e agora trabalho neste novo estúdio onde estamos, o Studio Degrau, que é uma evolução muito natural. O Royal existe no espaço da Internet e mantém a sua personalidade. Não podemos dizer que o estúdio Degrau é uma evolução do Royal porque, basicamente, é outro estúdio. Aqui deixo de ser só eu no centro do estúdio mas sim quatro cabeças.

“Tento afastar-me um bocado do lado estético do design para me focar muito mais no funcional; aquilo que podes contar é muito superior àquilo que tu podes mostrar

Apesar da diversidade dos trabalhos e dos clientes, o Studio consegue sempre impor um bocado da sua personalidade? Deixar, de certo modo, a sua marca?

Sim, de certo modo. A intenção não é vincar a tua personalidade, a intenção é descobrir sempre a melhor solução para aquele cliente. Claro que o design tem uma componente fundamental, a meu ver, que é a componente de utopia e de construção. Tu não podes ser um bom designer se não fores um bom construtor, no sentido de construíres uma sociedade e partilhares os teus valores. O processo de desenho assume uma forma própria no final, devendo a resposta ao problema ser ajustada ao pedido do cliente, mas também as tuas opiniões sobre aquilo que tu achas adequado ao que o cliente faz.

Podemos chamar-lhe de uma posição ou uma postura artística que aqui temos, mas também temos uma certa personalidade vincada. Quando falamos com um cliente, nós não impomos a nossa vontade gráfica, o que fazemos é tentar ter o máximo de conversas, conhecer o cliente, antes de começarmos o projeto, de modo a levá-lo a questionar-se a ele mesmo, o que ele pretende com o projeto, os próprios objetivos, o porquê do projeto. Com isto, o que se constrói não é muito mais do que confiança, e aqui ele percebe que nós estamos tão interessados no projeto como ele e com isto estabelecido é muito mais fácil de mostrar a nossa visão. É uma questão de cedências; tu nunca impões a tua personalidade, tu conquistas essa personalidade.

Qual o maior objetivo que pretendes com o Studio?

A níveis subjetivos, o que pretendo é construir uma sociedade, é dar um fragmento concreto de uma utopia. Utopia essa que não é necessariamente um mundo de paz e amor, mas um mundo em que as pessoas compreendam a importância do todo, colocando a comunicação, o conhecimento, a cultura no centro. Acima de tudo para que todos possamos ter uma boa conversa fundamentada e esteticamente mais bonita.

Tento afastar-me um bocado do lado estético do design para me focar muito mais no funcional; aquilo que podes contar é muito superior àquilo que tu podes mostrarA níveis profissionais, espero que o Degrau, assim como o Royal, me leve a conhecer um mundo sem fronteiras, com viagens, clientes, parcerias, colaborações.

Como é o dia a dia no estúdio?

É stressante e divertido. A equipa é muito importante.

Houve algum trabalho que te marcou mais? (Tanto pela positiva como pela negativa)

Sim, posso dizer que sim. Há vários que me marcaram, mas há uma em particular que me fez olhar para isto de uma forma sem fronteiras. Aliás, há duas histórias engraçadas, mas uma é mais marcante: desenhar os Lovie Awards em Nova Iorque, que são no fundo uns Óscares para a Internet. Fez-me compreender que quando dás um prémio à Internet, dás um prémio em todas as categorias possíveis e imagináveis da mesma e acabas por materializar muito bem o que ela é. E, de repente, nesse projeto em particular, materializou-se não só a ideia e o sonho de ir a Nova Iorque como também a ideia de conhecer famosos que pensavas nunca conhecer. E é um projeto irrisório, é tão efémero como quase tudo em design, e mostrou-me todo um mundo diferente.

Como é que a tua presença nas redes sociais tem impacto no teu trabalho?

As redes sociais tiveram um impacto crucial, especialmente em termos de exposição, mas também foram fundamentais para mostrar ao mundo o que estás a fazer e para popularizar as tuas respostas. Encontrei clientes e diretores de artes, pessoas de outros países que têm interesse em olhar para o nosso trabalho nas redes sociais e pensam: “é neste estúdio onde quero desenvolver o meu projeto”, e isto é ótimo.

Depois tens um outro nível, que é um universo para estares a par de outros designers, onde és reconhecido, onde podes estabelecer colaborações, e isto é fundamental. As redes sociais têm um lado mais artístico – apesar de se falar muito mal delas – que influenciam e fecham o nosso mundo. Com elas, isolamo-nos, e a dada altura começas a partilhar mais do que o que consomes. Mas já desde o início olhei para as redes de uma forma muito inspiradora, não só como forma de expor o meu trabalho mas também para consumir “coisas” de pessoas – pessoas que, às vezes, nem conheço no mundo real. Tens acesso a coisas que nunca terias.

Costumo dizer que qualquer partilha é melhor que nenhuma partilha, mas em tudo na vida, não apenas nas redes sociais. Desta forma artística, concluo que as partilhas são ótimas, e, tendo isto tudo em consideração, o Royal nas redes sociais é quase um manifesto de velocidade, poder, sangue, força, progresso, tudo aquilo que eu acho que uma sociedade deve ter, mas em esteróides.

Percebo agora que o Royal é muito mais extremo, apesar de ter traços da minha personalidade, do que eu sou normalmente.

Como é trabalhar com agentes internacionais?

É muito fácil, muito acessível.

Quais são as perspetivas para o futuro, a nível profissional?

Que todos consigam ver aquilo que estamos a fazer, porque acho que é muito interessante. Temos aqui um projeto maduro e consistente com potencial para chegar a novos horizontes. O próximo passo seria mesmo ver o Porto como uma cidade para, com muita felicidade, voltar, mas não uma cidade para viver.

Como te vês em 5 anos?

Vejo-me a dançar todas as quintas feiras à noite. Acho que isto é suficiente.

Que conselho darias a quem estivesse agora a começar a carreira como designer?

Para não ficar preso dentro de estruturas. Existem outros lugares, fora dos estágios e dos mestrados que são interessantes de percorrer. Existe toda uma indústria global que é muito diferente da perspetiva académica.

Tens que ser uma pessoa que procura interesses fora do design, uma pessoa culta, crítica. E vejo que essa construção falta muitas vezes, inclusive entre os estudantes. O mundo tende a acontecer, mas tu tens que ter um papel nisso e não é suficiente ficarmos só a espera de um percurso que já foi estabelecido.

JUP Radar é a rubrica mensal do Jornal Universitário do Porto, incluída na editoria de Cultura, que explora os artistas emergentes, nas mais diversas áreas, que chegam ao nosso radar. Os artigos saem no último domingo de cada mês.

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