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Cultura

O POETA (NUNCA APENAS) ACORRENTADO À MESA

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João Samões está a fazer uma trilogia de retratos; o encenador e ator parte de “rastos e restos” de artistas que considera fraturantes e influentes, numa tentativa de encontrar “um território de diálogo” da sua obra com as suas próprias “obsessões”. A primeira peça – Hotel Louisiana Quarto 58 – centrou-se no escritor modernista egípcio Albert Cossery, e a última e terceira encenação – Os Cavalos Selvagens do Velho Mustang – será dedicada ao norte-americano Paul Bowles.

Em O Poeta Acorrentado À Mesa, com cinco luzes apontadas ao escritor e médico Louis-Ferdinand Céline, ou a João, o monólogo começa através da máquina de escrita imparável do meticuloso e complicado anarquista francês. Essa máquina é acompanhada apenas pelo chinfrim de fundo das partidas e chegadas dos comboios à pequena vila, vila essa onde Céline passava os dias com a sua companheira.

Sem nunca tirar os óculos, o poeta sente-se ilimitado enquanto descortina uma sociedade “réptil” e estandardizada, atacada pelo desejo de poder e ganância. Céline compara-se ao “cão-fêmea, que, regra geral, guia os cães de trenó nas expedições polares e pressente os perigos subterrâneos”.

A imagem do poeta sofredor e isolado do mundo é aqui completamente posta de lado; um escritor nunca escreve para si próprio, mas sempre a pensar no mundo que o rodeia – ou, em certas circunstâncias, numa pessoa em concreto.

As crises da época moderna e os medos acerca do que o poder económico é capaz de fazer a alguém são atacados em todos os momentos pelo perturbado francês, enquanto escreve linhas soltas que nunca acabam intactas na folha que desfigura e atira para o chão.

“O dinheiro é o espírito santo deste mundo.” Fim de cena.

Artigo da autoria de Raquel Batista.