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Cultura

DEALEMA: “QUANDO FAZES MÚSICA COM UM SENTIMENTO TÃO PROFUNDO E TÃO REAL, ELA TORNA-SE INTEMPORAL”

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Bom filho à casa volta e os Dealema regressaram à casa-mãe, mais concretamente, ao Hard Club, no dia 5 de outubro. Subiram ao palco acompanhados pela Pérola Negra Band, com Ricardo Danin na bateria, Sérgio Alves nos teclados e Guito Maldiva no baixo e na guitarra.

Este concerto seguiu-se ao de 29 de dezembro do ano passado, no Pérola Negra Club, que deu origem à banda com o mesmo nome – no âmbito das noites Movimento, projeto de Maze. Na entusiasmante primeira parte, Rato54 e DJScore uniram-se e relembraram a atuação em que Rato54 destruiu a guitarra, na música “O Som”.

Entrou em palco o pentágono. Criado entre Porto e Vila Nova de Gaia, nos anos 90, Expeão, Fuse, Maze, Mundo Segundo e DJ Guze surgiram e o público aplaudiu fervorosamente.

O grupo agradeceu e mostrou, uma vez mais, ao longo de quase duas horas, para o que vinha e de onde são. A “Escola dos 90” continua bem presente – e muito forte, considerando que, quando chegou a altura desta música, integrante do álbum de 2008, V Império, os Dealema eram quase abafados pelas vozes da audiência.

Houve espaço para vários momentos de celebração do grupo, não só enquanto coletivo, mas também enquanto indivíduos, durante a noite.

Aliás, a individualidade é uma das características do conjunto, que considera que “sermos artistas a solo e termos projetos para desenvolver a solo, faz com que não gastes todas as tuas capacidades, todo o teu horizonte e não desgastes, neste caso, a banda. Sentimos que agora era altura de regressarmos porque, para além da nossa vivência dentro da banda, a vida fora da banda também mudou muito nestes últimos anos, falando do mercado musical”.

O protagonismo de cada um foi evidenciado na atuação a solo dos membros do grupo. Começou por se ouvir “Eternamente No Teu Ouvido”, de Fuse, bem como “Brilhantes Diamantes” – tema que foi considerado por Mundo Segundo como sendo o “Fado da Amália Rodrigues” do hip hop português. Este tema aclamado levou ao palco Ace, que acompanhou Maze – o membro dos Mind Da Gap é amigo e colaborador de longa data do grupo.

Surgiu, entretanto, o momento de cantar “Bom Dia” – tema feel-good, feito em parceria –  e, sem dúvida, um dos mais aplaudidos da noite. A estes, juntaram-se dois temas, a solo, de Expeão: “Poeta Falhado” e “Bairro”, seguido de “Sou do Tempo” de Mundo Segundo.

No entanto, mesmo enquanto indivíduos, o cunho Dealema persiste: “Nós temos uma mística tal enquanto banda, temos um universo tão próprio, uma linguagem tão própria, umas temáticas tão próprias, que mesmo quando fazemos trabalhos a solo, é Dealema na mesma. É a mesma intenção e a mesma vontade”.

A noite foi também marcada pela venda da reedição, em exclusivo, do primeiro álbum de estúdio, de 2003, Dealemaálbum que se seguiu ao EP Expresso do Submundo, de 1996.

Evidentemente, ao longo do concerto, foram tocadas várias faixas desse disco, que tem inclusive um som bónus, a seguir à primeira canção. “Fado Vadio”, “A Cena Toda”, “Infiéis (Ninguém Teme)” foram as selecionadas, e o tradicional encore, muito pedido por todos os que se encontravam presentes, foi preenchido por “Bófiafobia” e “Tributo”.

16 anos depois, o álbum continua a ser muito acarinhado pelos fãs, mas também pela própria banda. Como disse Maze: “Nós aí tínhamos muito para dizer, é quase um cartão de visita. Só tínhamos feito um EP, com essa idade tínhamos 20 anos, 20 e tal, então tem aí vários estilos de músicas diferentes, que nos representam e passaram a ser a nossa imagem de marca. Temos músicas mais espirituais, mais revolucionárias, mais bonitas, mais de intervenção social. Esse disco consegue ter um bocadinho de tudo. E foi o primeiro álbum em que percebemos que fazíamos música intemporal. 16 anos depois, muitas dessas músicas aguentam-se da mesma forma, continuam a ser pertinentes e a chegar às pessoas”.

Ao observar o vasto e grande público que se amontoou na sala 1 do Hard Club é, realmente, evidente que as músicas dos Dealema se aguentam no tempo e continuam a chegar às pessoas com enorme intensidade.

Viam-se fãs de todas as idades: desde pessoas que ainda nem tinham nascido nos primeiros tempos de Dealema, até admiradores de longa data, presentes desde o início do grupo. A banda tem noção disso: “Isso é incrível. Para já, é incrível perceber que ainda há pessoas que, independentemente da idade ou de qualquer característica social, conseguem simplesmente perceber e receber uma mensagem e ouvir música. Nós, músicos, sentimos uma gratidão enorme por isso. E, depois, [é bom] saber que conseguimos influenciar, contagiar e chegar a mais do que uma geração. E que começou nos pais deles, e que muitos deles receberam esse testemunho e essa influência dos pais, e agora são nossos fãs também”.

Os admiradores de Dealema são fiéis. Muitos até agradecem ao conjunto por lhes terem mudado a vida – como escreveu um fã num comentário de uma música no youtube “Quando estive no fundo do poço, foram os Dealema que me salvaram”.

Para o coletivo, essas muitas demonstrações de carinho são “uma felicidade enorme. Durante estes 20 e tal anos, quando alguém nos aborda na rua com essa sinceridade e com essa frontalidade, e diz ‘uma coisa que tu escreveste transformou a minha vida’ isso é de uma felicidade enorme. Não há dinheiro que pague isso. Isso é que é combustível criativo e faz-te querer fazer mais coisas e valorizares o que fazes”.

Os fãs que não se preocupem porque os Dealema estão de volta. Citando “Fado Vadio”, que abriu o concerto, “Sempre olhando em frente, verso a verso / Criando o futuro, passo a passo”.

Como disse Fuse, “[o próximo passo dos Dealema] é voltar a fazer música. Fazer música nova e saciar a vontade que temos de voltar ao estúdio e de dar algo novo aos nossos fãs”.

O grupo considera que por serem um som que “vai passando de geração em geração”, isso transforma-os também numa banda cujos discos que já desapareceram vão sendo ambicionados pelas gerações que vão chegando. E isso vai obrigá-los a reeditá-los constantemente.

Por isso mesmo, para o futuro existe também a possibilidade de reeditar outros álbuns que se encontram, atualmente, esgotados, como o Alvorada da Alma, de 2013, último álbum de estúdio.  Segundo os artistas, “isso é impagável. Acho que o que nós recebemos disso é que é o real amor que nos faz querer fazer mais música e continuar a criar”.

“Nada Dura Para Sempre”, é o título de uma das últimas músicas da noite, do álbum de 2011, A Grande Tribulação, mas os Dealema são exceção.

Estão aqui sempre e para sempre – e ainda bem – seja de que forma for. Afinal, e citando os próprios “Quando fazes música com um sentimento tão profundo e tão real que se torna intemporal, tu vais influenciar as próximas gerações também. Porque, em algum ponto da nossa mensagem, há sempre uma pessoa, independentemente da idade que ela tenha, que se vai identificar com a mensagem que é ali passada”.

Expeão, Fuse, Maze, Mundo Segundo e DJ Guze estão connosco e fazem parte de nós. E são indissociáveis da história do hip hop português e da nossa identidade enquanto admiradores deste género musical.

Artigo da autoria de Francisca Costa