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Cultura

Teatro: tempos de quarentena na visão de três artistas

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Nos tempos incertos da atualidade, as várias facetas da cultura e do entretenimento veem-se obrigadas a repensar não só o conceito de criação, mas também a forma de divulgação de novos projetos.

Na quarta-feira, dia 15, a revista Gerador lançou mais uma das suas “Conversais Centrais”, através da plataforma Zoom. Desta vez, reuniu três figuras proeminentes do teatro português, que discutiram o tema “Teatro: Performance sem público à vista”.

Quando questionados a forma como as medidas tomadas em prol da contenção da pandemia afetaram o seu trabalho, Joana Manaças (co-fundadora da companhia auéééu teatro), Madalena Victorino (coreógrafa e bailarina) e Gonçalo Amorim (ator e encenador), tiveram respostas quase consensuais.

Os teatros estão fechados e os espetáculos estão suspensos. Assim, a partilha com o público, que é a essência de tudo, não acontece.

Joana Manaças explica que os artistas na companhia “não sabem quando é que vão recomeçar a trabalhar e, também não sabem quando é que vão ver a sua situação laboral regularizada”.  Apesar de se falar adiamentos para novas datas, a situação que os artistas vivem é extremamente imprevisível, daí sublinhar a ideia do futuro como sendo uma “incógnita”. A artista mencionou ainda que a proteção laboral e os direitos dos artistas são já, em situações ordinárias, extremamente escassos.

Gonçalo Amorim segue o mesmo pensamento, e realça o eventual “redireccionamento de verbas para outras áreas que não a cultura. Embora esta nova conjuntura possa não conduzir à produtividade, a forma como esta crise está a afetar a classe de artistas é “uma enorme tragédia e, acho que estamos precisamente no momento em que nos está a cair essa ficha.”

“Não é propriamente o momento indicado par ter grandes certezas. Estamos tranquilamente a deixar espaço para uma tristeza grande. A afetação é total, neste momento.”

Madalena Victorino recorda que o seu mais recente projeto, “Lavrar o Mar“, teve de ser também adiado. Mas redobra o raciocínio e considera a situação não só “avassaladora”, como “promissora”. Acredita que é um bom momento para se pensar e rever a forma como cooperamos, como trabalhamos, como estamos. “Não só no mundo, como também no nosso trabalho, que é a arte.”

O isolamento social não conduz, propriamente, ao processo criativo e ao momento produtivo. Ao citar o filósofo José Gil, Gonçalo Amorim responde que numa “fase de choque” como a que vivemos atualmente, “todo o foco vai para a tua família, para a tua segurança social, para aqueles que nos estão mais próximos, aqueles que trabalham na nossa área. Há uma prioridade aqui. Não é a fase fundamental para a criatividade.”

A coreógrafa e bailarina, por sua vez, realça a dicotomia entre o reagir e o repensar.

“Não estou a criar, mas disciplino-me para me organizar e vou fazendo exercícios [com os meus vários projetos].”

Partilha ainda como tem sido importante conviver com outros seres vivos, nesta altura. Visto que não pode estar com pessoas, exercita os sentidos e ouve “as abelhas que estão aqui, a voltar ao campo”.

Já Joana Manaças, por seu turno, explica que a companhia de teatro está a preparar o espetáculo através de plataformas online. “Cada um na sua janelinha”. E afirma, sem hesitações, que estar em casa tem “exponenciado” os seus humores. Sente mais fortemente as angústias dos tempos que vivemos, como também uma certa alegria por poder parar.

“O facto de não ter de estar a produzir agora, de não ter de estar a ser eficiente, não ter de estar a apresentar qualquer coisa, isso dá liberdade. Pelo menos de pensamento. E isso é que não se pode perder.” 

A conversa estendeu-se e abordou-se ainda a opinião sobre a disponibilização, em plataformas online, de gravações de espetáculos feitos, no passado. Neste, um tópico de maior discordia, Gonçalo Amorim revela o sentimento “emotivo”, Madalena Victorino desvenda os “mixed feelings” e Joana Manaças enfatiza que “não equivale à experiência de um espetáculo”, porque essa experiência não se pode substituir.

Este debate encontra-se disponível na página do youtube do Gerador, lado a lado com workshops, leituras, duetos, partilhas e outras conversas.

Em fases de incerteza e de tensão, Conversas (centrais ou não) como esta, evidenciam uma certeza: a cultura continua e vai sempre adaptar-se às moções do tempo. E o diálogo entre figuras da cultura e da arte torna-se cada vez mais intenso e necessário. Embora o mundo lá fora tenha parado, as nossas cabeças não param e a imaginação e a resiliência move-se, mais do que nunca.

Artigo da autoria de Cássia Iris 

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