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Cultura

Até Que A Vida Nos Separe: uma ode ao amor do avesso

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João Tordo, Hugo Gonçalves e Tiago R. Santos já se tinham reunido para escrever a série “País Irmão”. Assim sendo, “Até Que A Vida Nos Separe” segurava já essa expectativa notória. Essa expectativas encontrou certezas e, agora, resta pedir que estes senhores façam o obséquio de escrever uma segunda temporada – que o tempo urge e a vontade é inflamada.

A trama existe sempre envolta da família Paixão, constituída por um casal que, após perto de três décadas de união, faz uma retrospetiva da vida de cada um até então. Reparam, então, nas ruínas da frustração não resolvida, mas também nas edificações a dois: os filhos, a quinta, o que os fez querer ser par. Com eles vivem os dois filhos, Marco e Rita, que os ajudam no projeto familiar que consiste na arte de fazer casamentos (e rezar para que se desfaçam para que um potencial outro surja.) Como bem poderia dizer um dos personagens: “não quero que termine em divórcio, só quero que me corra o negócio.”

Nesse lar dos Paixão, vivem também os avós maternos de Rita e Marco, um casal de terceira geração que transbordava a pureza, a ternura, a profunda verdade que os olhos falam. E isso só pode ser amor, o incondicional, o único capaz de sobreviver aos calos da vida que já trouxe tanto desencanto.

Em cada um dos oito episódios conhecemos uma nova história de amor – ou de algo revestido em palavras que soam a tal, e que culmina num casamento celebrado na quinta dos Paixão.

Mas, entre votos de casamento, cenários pouco ortodoxos, rixas de família e fotografias de cerimónia perdidas surgem, paralelas, cenas que nos remetem para cada uma das personagens nucleares da série.

Vanessa: esposa, mãe, filha. Os cinquenta anos soaram com a sirene ensurdecedora que a menopausa fez ativar. Não sabe já quem é e procura respostas em quem, outrora, fora. Essa menina antes do “sim”, antes da gravidez, antes de se deitar na cama de um destino que ditou a sua vida para sempre. Quem é afinal esta mulher se a despirmos da vida que foi obrigada a construir, numa fase em que o auto-conhecimento ficou para depois?

Daniel: o artista analógico que fotografa casamentos há 20 anos. Filho de nobres senhores com vastas propriedades e costumes tal qual conservadores ingleses, este sempre vivera à margem da expectativa familiar e nunca contou com qualquer apoio dos paizinhos de sobranceria carregados. Humilde trabalhador, marido devoto, pai que escuta, homem de sentido de humor apurado, fotógrafo descrente na esperança de singrar com a arte que das suas mãos nasce.

Daniel vive no terror que o desconhecido carrega, o sobreviver no pós “viveram feliz até sempre”. Nas suas fotografias subjazem memórias de quando o não saber era adubado de esperança e não de medo. Mas observamos que não desiste da família como quem não deseja apenas um retrato de sorrisos colocado numa sala onde já não vive ninguém. Porque amar é isso mesmo, renovar os retratos da cómoda.

Entre vidas, desencontros, escolhas e arrependimentos vemo-nos e sentimos tudo na primeira pessoa.

A par da verdade que nos desafia a confrontarmo-nos com a vida em tempo real, “Até Que A Vida Nos Separe” conta com atores extraodinários que convertem a ficção em realidade, um argumento que nos faz desejar beber cada palavra, uma fotografia belíssima que se conjuga com cenários detalhistas e uma envolvência onde o amor existe mesmo quando as forças se esgotam para o elevar.

Entre a comédia e o drama, a densidade da escrita existe numa dualidade muito própria e genialmente concebida entre ritmos diferentes que se complementam. Seremos felizes, até que o último episódio nos separe!

Artigo da autoria de Márcia Branco