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Cultura

Macbeth (2015): um debate sobre a perversidade humana

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É possível moldarmos o nosso próprio destino? Ou seremos apenas atores de uma narrativa já escrita e sem oportunidade para a livre-escolha? Um coração continuará puro após ter conhecimento de que pode alcançar tudo a que já almejou?

São estas as perguntas que Macbeth, uma das obras shakesperianas mais célebres, nos coloca. É uma história negra, violenta e que explora os abismos mais tenebrosos da psique humana, trazendo à luz temas como a ganância, a degradação moral, a manipulação e a culpa, algo que já era abordado nas grandes tragédias gregas. É um marco no mundo do teatro, tendo sido representada inúmeras vezes – mesmo através de visões diferentes sobre a história – sem nunca perder o brilho.

O enredo quase dispensa apresentações: após uma guerra, na qual perdeu o filho, o general escocês, Macbeth, encontra três bruxas que profetizam que este um dia se tornará rei. Primeiramente, Macbeth desvaloriza a profecia das misteriosas bruxas; contudo, tudo começa a decorrer conforme o revelado e este decide contar à sua esposa, Lady Macbeth, o que acontecera. A mulher decide manipular e destabilizar o espírito do marido, considerado um homem de honra e de boa alma, para assim obterem uma vida de abundância como reis da Escócia. Os dois mergulham numa espiral viciosa de ganância e pecado, cegos pelo seu desejo em cumprir a profecia, tomando decisões pérfidas que apenas mancham e apodrecem a sua sanidade e honra. A história faz questão de instaurar a dúvida no protagonista e também no espectador: será que Macbeth se tornou um tirano após conhecer o seu destino ou já teria ele um espírito ganancioso e violento, que apenas cresceu e se revelou depois de provar o vicioso sabor do poder? Estaria ele realmente condenado a cumprir o seu vil destino? Até que ponto as bruxas influenciaram o seu futuro?

Apesar das várias adaptações, a versão cinematográfica de 2015, por Justin Kurzel (Snowtown; Assassin’s Creed), consegue destacar-se. É um épico, protagonizado pelos brilhantes Michael Fassbender (Shame; X-Men; Inglourious Basterds) e Marion Cotillard (Inception; The Dark Knight Rises; La Môme), adaptando o material de origem de uma forma muito fiel. Tudo está em consonância com o ambiente da trama: as atuações são misteriosas, mas emotivas; a predominância de ambientes gradualmente mais escuros; a banda sonora é desconcertante, mesmo sendo quase monocórdica. Na altura do seu lançamento, o filme foi aclamado pelos críticos, que elogiaram, principalmente, as performances de Fassbender e de Cotillard. Por ser um filme pesado e longe da designação de blockbuster, possuindo grandes monólogos e momentos de ação muito pontuais, foi um fracasso de bilheteira. Agora, tem sido reanimado, chegando a um maior público, que o quer comparar à versão mais recente e também muito aclamada (The Tragedy of Macbeth, 2021), considerada uma das principais apostas aos Oscars do ano vigente.

Apesar da história e das atuações serem louváveis, aquilo que se destaca é a cinematografia do filme. Afirmo, com toda a certeza, que, esteticamente, é dos filmes mais apelativos que já vi. Cada frame é digno de ser exposto numa galeria. A paleta de cores usada em todo o filme é de fazer cair o queixo, os planos utilizados são de mestre, permitindo-nos entender cada pequena emoção e motivação dos personagens. Tal como a obra original, este filme consegue ser profundo, sombrio, filosófico, mas sobretudo poético.

Se todo o diálogo fosse excluído, a obra continuaria a ser extraordinariamente poética, devido à excelência da visualidade do filme.

É uma longa-metragem sólida, que certamente agradará aos fãs mais dedicados das obras de Shakespeare e também a admiradores de épicos desta dimensão. Porém, algo que não pude deixar de notar e que me deixou um pouco de pé atrás, foi o facto de todo o diálogo ser, em grande parte, retirado diretamente da obra dramática. Apesar de ter conseguido admirar e compreender o filme, isto pode ser um obstáculo para pessoas que não conheçam a história ou que prefiram uma abordagem um pouco mais simples. Algo que recomendo a possíveis espectadores é que seja feito um rápido estudo prévio da trama, para conseguirem absorver os principais temas de uma forma mais facilitada. Talvez o realizador devesse ter optado por uma reformulação dos diálogos, mantendo o cariz poético, mas de uma forma mais simples e natural, se quisesse chegar a um público mais alargado.

Com um elenco forte, uma cinematografia exímia e um enredo violentamente filosófico, a versão de Kurzel de Macbeth afirma-se como uma das melhores adaptações da notável obra de William Shakespeare. É um mergulho intenso no lado mais sombrio da humanidade, onde a perversidade humana é explorada e levada a debate.

Artigo escrito por João Jesus