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Cultura

Entrevista a HILAR: “Quero ser visto como uma pessoa muito humana, que está aqui para os outros”

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Foi numa tarde luminosa e fria, que Hilar nos falou do seu mais recente projeto Bô t’Amam. Nesta conversa, o JUP ficou a conhecer as inspirações do artista, os seus principais interesses e o que tem em mente para o seu percurso artístico. Aqueles que, por acaso, se encontravam no “Mouco“, espaço onde foi realizada a entrevista, tiveram a oportunidade de assistir à interpretação acústica e impromptu de “Nuar“, que deu ao sol que brilhava o calor que dele deveria emanar.

Em maio deste ano, Hilar entrou no tema “Odeio“, do álbum de estreia de Soraia Tavares, A Culpa é da Lua. O artista revelou, durante a conversa com o Jornal Universitário do Porto, os projetos que pretende levar a cabo num futuro próximo. 

Para começar, como é que te sentes nesta semana do lançamento do teu “Amas-me” (que, em criolo, é Bô t’amam)?

Está a ser uma semana incrível – uma semana em Portugal a promover, a conhecer e a reencontrar pessoas e a receber todo este amor, todo este feedback que as pessoas estão a dar e está a ser incrível, mesmo.

Se tivesses que destacar um momento deste lançamento, o que destacarias?

Foi logo quando estava a encontrar-me com uma amiga que não via há oito anos. Estávamos lá e disse-lhe que coloquei a música para ir para as plataformas à meia-noite do dia 13, para que entrasse logo no dia 14 [de fevereiro]. Só que fiz um erro: em vez de fazer um horário geral, a partir do horário de Espanha para todo o mundo, ficou definido para sair à meia noite de cada país. Estava a receber mensagens de gente em Portugal: “olha, o álbum ainda não saiu”, assim como gente em Cabo Verde a dizer o mesmo e, então, percebi que afinal tinha posto meia-noite de Espanha. Em Portugal, eram onze, ainda não tinha saído, então fiquei uma hora à espera. Quando o álbum saiu, toda a gente a dizer “já saiu, já saiu, já saiu”… foram tantas mensagens que o meu telemóvel já estava a ficar sem bateria. Aquilo foi tanto e tão rápido e é lindo. Não tem preço saber que fazes algo que as pessoas aceitam. Foi uma tensão inicial, por causa do erro do agendamento no início, mas que foi seguida por alívio.

Até porque é bom receber toda a energia ao mesmo tempo, mas, assim, aos bocadinhos, dá para sentir ainda mais a quantidade de amor, não é verdade?

Vem exatamente como ondas, uma após a outra. Quinze, vinte pessoas ao mesmo tempo, de hora em hora, meia hora em meia hora… Ver as pessoas a dizerem “novo vício, novo vício, novo vício” é muito bom.

Este teu disco já era para ter saído em 2020. Sentes que foi melhor ter saído agora, em termos de maturidade ou de experiência, ou sentes que é indiferente?

Bem melhor do que seria em 2020. Tivemos dois anos para amadurecer as músicas. Houve seis temas dos onze que não existiam e que foram escritos após 2020. Ao mesmo tempo, há outros temas que ficaram de fora, porque escolhi trocá-los por essas músicas que estão agora. Para mim, foi bem melhor.

E quais são as principais diferenças que destacas entre o teu álbum anterior, Boas Palavras, e este álbum? 

O Boas Palavras era um álbum sobre ajudar a construir. No Bô t’Amam, estou a contar e a reagir. Tem músicas como o “Caí Na Rede” que é a última faixa, em que estou a reagir ao input que me deram. Em temas como o “Bô t’Amam“, estou a contar-te uma história que foi minha, mas que também foi de outras pessoas. No “Morena“, estou a contar uma história no presente. O Bô t’Amam é mais de histórias de amor e no Boas Palavras queria dizer, literalmente, “boas palavras”. Exatamente isso.

Começaste no hip-hop, certo?

Comecei. Os estúdios de hip-hop foram os primeiros estúdios que visitei, com o grupo Rap Soldiers, que são família até hoje e apoiam muito a minha jornada a solo. O hip-hop veio também de casa, a ouvir os Wu-Tang [Clan], o 2Pac, o Biggie, o Snoop Dogg e todos esses dos antigos. Então tenho um amor pelo hip-hop muito, muito grande.

O hip-hop é uma coisa que te influencia e que tentas conjugar ao teu estilo experimental?

Exato. Sempre que vês a minha métrica a escrever, tem muito de hip-hop. O meu gosto musical para acordes tem muito a ver com hip-hop e só não pus um tema do género neste álbum, porque ainda não escrevi um rap que se compare à música “Mante“, que está no Boas Palavras. Gosto tanto e tenho tanto respeito pela cultura do hip-hop, que quero fazer uma música que supere a outra e assim que eu a fizer, vai estar nos próximos trabalhos, porque o “Mante” é o meu único tema de hip-hop até agora.

E como é que gostavas que as pessoas ouvissem este teu Bô t’Amam?

Cheios de amor. Vão com o coração aberto. Vamos ouvir histórias minhas, que são de todos nós. Na música “Ftxá bos oi“, que é “Fecha os teus olhos”, tenho uma segunda estrofe que diz “’bora tirar as capas e deixar o amor sair fora, porque se a outra pessoa for embora, ela vai viver outra história”. Então, ‘bora aceitar e abraçar as nossas histórias. ‘Bora amar de verdade, sofrer por amor de verdade. Recuperar de amor de verdade e amar outra vez de verdade.

Então é de ti e para ti, e para o mundo.

Exato. Encaro os meus sentimentos bem de frente. Não entro em relacionamentos para gostar pouco. Ou dou nada ou dou tudo e, também, quando sofro ou sofro tudo ou não sofro nada. Digamos que aceito os meus sentimentos, mas uso muito a minha mente para dominá-los. Mas, para poder dominá-los, tenho que aceitá-los de verdade.

Algo em mente para o futuro?

Já estou a trabalhar. O álbum já saiu, mas, quando estava a trabalhar no Bô t’Amam, estava também a dedicar-me a um EP que vai sair após o Bô t’Amam, assim como a um terceiro álbum, que já está 80% pronto. Já estou a trabalhar muito em avanço. Na época de pandemia, tinha tanto tempo, que escrevi, escrevi, escrevi… Fiquei com tantas músicas… Digamos que dava para fazer muitos projetos. Então, dividi-os em três projetos até agora e se vierem mais, que venham, porque ainda ontem escrevi uma música nova. ‘Bora fazer projetos, até que eu não possa mais. (Risos)

E seguem o mesmo tema do Bô t’Amam ou vão seguir outras temáticas?

Estou a amar falar de amor, então vai ser uma cena bem de amor, bem sexy e bem aquilo que estou a viver agora. 

Quais são as tuas maiores influências?

D’Angelo é uma minhas maiores referências e ouço o Untitled quase todos os dias. Para além da influência do D’Angelo, tenho também dos Coldplay. De Cabo Verde, do June Freedom, aliás, somos muito amigos. Tenho influência do Dino [d’Santiago], de todo o álbum Manga da Maira, do meu produtor, que é o Vando – Mr.Deep (Deep)… Tenho influência do Jorge Almeida a tocar guitarra. Muita gente me influencia.

Como é que concilias os teus vários interesses?

Sou bem aventureiro, mas amo rotinas. Também sou académico, então fiz Marketing e Multimédia, que terminei no verão do ano passado, enquanto fazia o álbum. A seguir, fui para Espanha para fazer o mestrado em Protocolo em Organização de Eventos. Gosto de conciliar todas as coisas. Gosto muito também de musculação, gosto de artes marciais…

Se não estiver constantemente a fazer coisas difíceis e desafiantes, fico entediado. Quanto mais sair para a rua, tiver mais experiências e fizer coisas diferentes, mais temas tenho sobre os quais falar e escrever. Se ficar muito dentro de casa, à espera de concertos ou a fazer concertos, vou escrever música só quando for para atuar. Quase não tenho tempo livre, portanto se não estou a estudar, estou a trabalhar com música. O meu tempo livre é quando estou a fazer música, porque amo fazê-lo. Não que não ame estudar ou fazer desporto, porque também gosto.

Sou muito intenso, por isso, tento viver intensamente, para ter sempre coisas para fazer, a correr e, assim que chega domingo ou o meu dia de folga, possa simplesmente deitar-me e ficar quietinho e pensar, pensar, pensar… Quando vives muito rápido, não paras, mas depois paro, medito um pouco… Normalmente pelas manhãs, que é quando vêm as ideias, as melodias e as composições, o que é lindo.

E gostavas de conciliar futuramente a parte académica com a parte da música? Se bem que já o fizeste com a celebração, em Cabo Verde, dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Considero que, enquanto artista, temos o dever de dar um intuito positivo à nossa comunidade, qualquer que seja aquela em que estivermos inseridos. Amei fazer o ano de campanha com a Comissão Cabo-Verdiana de Direitos Humanos. Fomos a todas as ilhas – só não consegui ir à Brava e tenho muita pena, porque é a única ilha de Cabo Verde que não conheço. Enche o coração ver histórias e pessoas, coisas que as impactam e usarmos o que fazemos para dar inputs e impactar diretamente a nossa comunidade. É isso que dá valor ao nosso trabalho.

Gostarias de investir noutro projeto ou, neste momento, a música é mesmo o principal?

Música é o meu norte e digamos que estou a pensar na minha vida como uma pirâmide e a cabeça da pirâmide é a música. Só estou a encher as outras camadas para que a minha pirâmide possa ter peso, porque penso nisso como uma descida. Quanto mais peso, mais rapidamente e com mais velocidade vamos. Mas, se aparecerem [outras coisas], não sou uma pessoa de não aceitar riscos, porque adoro experiências novas. 

Há um mundo de possibilidades. Como é que gostarias que as pessoas te vissem?  Qual é a impressão que gostas de deixar nas pessoas? Seres uma pessoa apaixonada, dedicada à tua arte…

Exatamente, já estás a conhecer-me bem. Sou bastante apaixonado, bastante intenso, bastante positivo. Muito contente, até porque o meu nome é Hilário. Sou bem engraçado, gosto muito de fazer piadas.

Para mim, as pessoas à minha volta têm que estar felizes. Se não estiverem, têm que estar com planos de estar. Então, ‘bora ser felizes, ‘bora mover para a frente. É sempre para a frente que vamos. ‘Bora encarar os problemas de frente e ter muita coragem.

Quero que me vejam como uma pessoa, principalmente, verdadeira e honesta, porque sou-o bastante. A minha honestidade e a minha verdade vêm da minha coragem, porque só mentimos quando somos cobardes e não encaramos as consequências. Então, quero ser visto como sincero, verdadeiro, corajoso. Quero ser visto como trabalhador, porque gosto do meu trabalho, amo o que faço.

E quero ser visto como uma pessoa muito humana, que está aqui para os outros. Para mim, não há nada mais digno do que servir, o que também vem da minha base cristã. Penso que servir, dar muito e melhorar a vida dos outros é o melhor que podes fazer para ajudar a tua vida. No entanto, não é dar descuidadamente, não é dar sem pensar em si mesmo, não é dar sem que se esteja resolvido.

Ajudar é importante, até, porque, no meu caso, sempre que tenho falta de alguma coisa, aparece uma pessoa que me ajuda, ajuda a salvar-me, que me mostra o caminho e diz: “olha, esse é o caminho. Se tu fores por aí, vais ter dificuldades, mas vais conseguir”. E ‘bora sermos apaixonados, intensos, corajosos, verdadeiros. ‘Bora sermos felizes.

Eu recebo muito. Sou tão grato, porque recebo e, às vezes, fico até a pensar se mereço o que recebo. Temos todos altos e baixos, mas, quando estou em baixo, aparece uma pessoa com uma asa delta a dizer “‘bora voar outra vez”. Isso é tudo. Não estamos sozinhos. 

 

Artigo escrito por Francisca Costa