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Cultura

“A COMÉDIA É UM PROCESSO DE APERFEIÇOAMENTO CONSTANTE”

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Como nasceu o bichinho da comédia?

É uma coisa que nasce mesmo com as pessoas, uma predisposição natural para querer fazer rir e para tentar constantemente ver o lado cómico das coisas. Portanto, pode-se dizer que veio quando eu nasci. Só se profissionalizou mais tarde, mas é uma configuração quase genética das pessoas.

Quais os ingredientes necessários para ser um bom imitador de vozes?

Bom, a questão da imitação vocal é uma parte com características específicas. Para além da modelação vocal, exige também uma componente muito importante de observação e de saber ouvir. É necessário ouvir com uma atenção especial e saber retirar todos os ingredientes de que a voz precisa para ser confecionada. Portanto, é uma mistura de observação com reprodução.

A imitação de vozes dá um estilo muito próprio ao seu stand-up, à sua comédia, de que forma é que a potencia?

Eu acho que, isto das pessoas que imitam vozes darem a cara por elas, é uma coisa relativamente recente em Portugal. Durante muito tempo tiveste imitações e caricaturas, por exemplo, tinhas o Contra-Informação em que não eram as próprias pessoas a dar a cara. A componente de fazer este tipo de malabarismos vocais ao vivo e em espetáculo é uma coisa que em Portugal ainda não se fez muito. E mesmo no mundo inteiro nem toda a gente faz, portanto é uma coisa mais específica e rara. Talvez por causa disso gera um fascínio um bocadinho maior por parte das pessoas. Por fim, acabo por misturar a parte vocal ao humor de observação e às experiências pessoais e assim que se cozinha um espetáculo.

Tem um programa na Antena 3, Outra Coisa. Acha que a rádio propicia a imitação?

Imenso. A rádio é o meio perfeito para eu tirar partido das minhas características. É também o meio onde me sinto mais confortável e é um ótimo laboratório. Não é possível fazeres tantas experiências e criares tanta coisa constantemente num meio onde não estás todos os dias, como a televisão onde estás todas as semanas. Na rádio estás todos os dias, o que aumenta muito mais a tua capacidade criativa e o teu ritmo de trabalho.

E na comédia em particular, acredita que devem haver tabus e limites?

Não. Acredito que há formas diferentes de o fazer, ou seja, acho que tu podes falar de qualquer tema, depende da forma como o abordas, de qual é o teu ângulo e de qual é a piada que fazes. E aí é que está o desafio, é tu poderes falar dos temas que à partida são mais intocáveis e conseguires com um ponto de vista inteligente e bem sacado fazer uma piada que as pessoas se riam mas que não achem que é obscena nem que é demais. Às vezes pode acontecer – e nunca é o objetivo do humorista, o objetivo do humorista é fazer rir – a piada ir tão longe que as pessoas em vez de se rirem acham mal. Se as pessoas só ficaram chocadas, o objetivo desse humorista falhou.

Então qual deve ser a relação do humorista com a vida? O que traz de novo a necessidade de observação?

O humorista tem até uma atitude de alguma superioridade em relação à vida. E eu admito que tenho um bocado isso, não digo que tenho uma atitude de superioridade em relação às outras pessoas e quem me conhece sabe que não, nem estou a dizer que os outros humoristas tenham de o ter, mas nós temos uma atitude um bocado superior no sentido em que os humoristas melhor do que ninguém relativizam as coisas. Não damos demasiada importância àquilo que não tem importância e ainda ridicularizamos a falsa importância que essas coisas acham que têm. Ou seja, alguém está em determinada situação, nós relativizamos, encontramos a perspetiva cómica da coisa e não damos demasiada importância. Portanto, não estamos ressabiados, estamos até num plano superior.

Os acontecimentos nacionais influenciam-no na escrita de um texto? Portugal é uma boa inspiração, puxa a comédia?

Puxa, puxa. Mas não é só Portugal. As pessoas gostam bastante de perguntar “Portugal é um país especialmente risível? Os tempos de crise potenciam a comédia?”. Portugal tem muita coisa risível e os tempos de crise de facto potenciam a comédia, mas não é só isso. Eu acho que todos os países são risíveis, todos os povos, todos os estereótipos, todas as raças, todas as línguas têm o seu lado risível. E mesmo quando não é uma época de crise, ou recessão económica, ou o que lhe queiramos chamar, as pessoas continuam a querer divertir-se, a querer rir, a querer ir ver espetáculos. Aliás, costuma haver muito aquele comentário típico nesta altura “Ah, o Rock in Rio está cheio e depois ainda falam em crise!”. Já eu acho que é natural que em tempos de crise as pessoas façam um esforço suplementar para se divertirem e tentarem desanuviar. Nestes tempos a cultura torna-se especialmente importante, torna-se aquilo que nos resta. Mas acho que mesmo quando não há uma crise tão acentuada, as pessoas continuam a querer ir ver espetáculos. Noutros países que não estão na situação de Portugal como Inglaterra, Estados Unidos ou mesmo os países nórdicos há um maior índice de felicidade e um nível de vida extremamente elevado. Também por isso, as pessoas gostam de se cultivar e portanto vão ver espetáculos. Acho que em Portugal a crise pode ajudar, mas não implica necessariamente.

Mesmo a nível de apoios?

Ah, aí sim. Aí a crise pode fazer surtir os seus efeitos. Há menos predisposição, menos disponibilidade e menos vontade de arriscar por parte dos compradores. Não digo só espetadores, porque se calhar os espetadores até são os que acabam por não se importar de gastar 15€ desde que durante uma hora e tal se riam, se divirtam e se esqueçam dos problemas. Mas pode haver menos predisposição e menos abertura por parte de um canal de televisão para comprar um programa, para apostar num formato que seja mais inovador em detrimento de um formato que seja mais repetitivo mas que já sabem que funciona: um reality show, um concurso para velhas (risos), dizendo as coisas pelos nomes. Portanto, nesse aspeto pode ser mais difícil, mas acaba por se dar a volta de uma maneira ou de outra.

Mas um humorista em Portugal, atualmente, sente-se valorizado?

Sim, sem dúvida. Especialmente porque em Portugal estamos a passar por uma fase de explosão do humor. O humor está a ganhar mais popularidade, há cada vez mais gente a fazer profissionalmente, há cada vez mais gente que não é profissional mas que quer experimentar, que vai tirar cursos e experimentar fazer stand-up em bares, mesmo que nem esteja a receber. O público cada vez se interessa mais, as pessoas cada vez consomem mais humor. E é normal que esta explosão aconteça porque, por exemplo, em Portugal faz-se stand-up há menos de vinte anos, enquanto que nos Estados Unidos se faz há cem. Portanto, estamos só ligeiramente atrasados nesse aspeto (risos). Finalmente há uma explosão e finalmente há uma expansão nesse aspeto. A questão é, temos esse trabalho extra de ensinar às pessoas o que estão a ver. Se tu perguntares em cem pessoas quantas é que já foram a um concerto de música, todas já foram. Se perguntares em cem quantas é que já foram ver stand-up, cinquenta já foram e é com sorte. Temos essa barreira que estamos a ultrapassar lentamente.

Para quem já atuou em Portugal e no Brasil, há grandes diferenças entre os públicos?

Enorme, sim. Eu atuei no Brasil e tive que adaptar muito do português. Há montes de expressões e palavras, mesmo em termos de vocabulário que eles desconhecem totalmente e que para nós são óbvias, como autoclismo. Tu dizes “autoclismo” e eles ficam a olhar para ti como se tivesses uma deficiência qualquer e tivesses acabado de fazer um grunhido (risos). Para eles é a descarga. Tu já sabes que há diferenças, mas há pequenas coisas que só estando lá é que tomas real noção. Eles não sabem o que é uma sanita, é a privada. Autoclismo a gente já admite que seja esquisito, mas sanita achávamos que era óbvio.

E em relação às vozes em si, quais as mais fáceis e difíceis de imitar? De quanto tempo precisa?

A voz que consegui apanhar mais depressa até hoje talvez tenha sido do Alberto João Jardim. A mais difícil, a que mais tempo demorei a conseguir imitar, foi a do José Sócrates porque quis mesmo que ficasse igual, não quis que fosse só mais uma caricatura, e ele tinha muitas caricaturas na altura, sabe Deus porquê (risos). Atualmente, a mais difícil é a do Miguel Gonçalves porque é a mais exigente em todos os aspetos. Eu faço de Miguel Gonçalves três minutos e tenho uma quebra de tensão (risos). Ele é muito intenso. Eu não sei como é que ele aguenta ser ele próprio durante 24 horas. Quanto ao tempo, demorei mais um ano mais ou menos para apanhar a do Sócrates. A do Passos Coelho estou há um ano a tentar dominar, mas não estou satisfeito, ainda vai ultrapassar esse tempo, se é que a vou conseguir fazer.

E qual é que lhe dá mais gozo?

É por fases. Muitas vezes é a mais recente, porque é novidade, é a que está na crista da onda, digamos assim. Neste momento uma das que dá mais gozo é o Bruno de Carvalho por ser uma personagem muito caricata, tem uma personalidade muito marcada. Ele próprio está muito na moda, está constantemente a dar entrevistas e conferências e imprensa por tudo e por nada (risos).

O que é que aconselha a um jovem que se queira lançar neste mundo?

Aconselho, primeiro, muita persistência e muita perseverança. É normal as coisas não correrem logo bem. Por acaso, o meu processo foi um bocado inverso. As coisas correram logo bastante bem, depois abrandaram um bocadinho e agora aceleraram outra vez, também por mudanças de estratégia e decisões mais acertadas. Mas, tem que estar preparado para levar alguns nãos e tem de trabalhar imenso, tem de fazer um esforço constante para se desafiar a si próprio. Quem começa a fazer stand-up hoje em dia acha que usa uma piada três/quatro vezes e depois já vai deitá-la fora e fazer umas novas mas não é assim. O mesmo texto, o mesmo set, o mesmo espetáculo em si, a mesma performance tem de ser feita muitas vezes para ser aperfeiçoada. A comédia é um processo de aperfeiçoamento constante de que às vezes os jovens comediantes ou não têm noção que é preciso fazer ou por preguiça ou desleixo não estão dispostos a fazer. E é importante não descorar essa parte, é um processo constante de aperfeiçoamento.

E quanto a este espetáculo em particular, Roubo de Identidade, o que traz de novo em relação aos outros?

Traz novas personagens, vozes que eu ainda não fazia na altura, histórias que me aconteceram entretanto que as pessoas não conhecem, traz consequentemente, por causa de todo o trabalho desempenhado, uma maior experiência, uma maior maturidade de quem o está a fazer. Acho que a comédia e a arte devem resultar de um processo cumulativo, ou seja, há quanto mais tempo começaste a fazer, mais obrigação tens de fazer melhor. Imagina, este é o meu terceiro espetáculo a solo, se não fosse o meu melhor espetáculo de sempre alguma coisa estava mal. Se eu faço isto há sete anos e no início fiz melhor do que agora é porque não evoluí. Portanto, felizmente estou convencido de que é o meu melhor espetáculo até hoje. Até porque é o que está em cena e tenho de fazer esse marketing. Se bem que está esgotado, portanto já não preciso. Mas comprem, mesmo que não haja (risos).

Expectativas para hoje à noite

Para hoje espero, sinceramente, um dos melhores espetáculos da minha vida. É a primeira vez que venho a solo ao Porto e sei que tenho muito público cá. O espetáculo em si está bom, acho que vai correr bem. E, portanto, acredito que seja uma noite para mais tarde recordar.